Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
'Na igreja local o oblato faz e complementa a ação
do sacerdote; ele não ministra os sacramentos, não o substitui, mas prepara os
irmãos para isso. E, para bem cumprir sua missão, ele precisa conhecer bem a
Igreja que Jesus instituiu e a doutrina sagrada que nos logrou. Ele deve ser
testemunha do conhecimento que adquiriu nas fontes monásticas, e apresentar ao
mundo toda a riqueza que carrega na alma.
Para
ser firme no cumprimento de sua missão de batizado e missionário, o oblato
precisa ter uma vida espiritual sadia. A eficácia do trabalho apostólico do
oblato está intimamente associada à sua base espiritual, à sua vida de oração
pessoal e comunitária, à freqüência na recepção dos sacramentos, sobretudo a
eucaristia e a penintência e à sua reta formação doutrinária. O oblato que não
reza, não se confessa, não comunga, não lê, não medita a Palavra de Deus e não
aprofunda a doutrina de São Bento, jamais terá a compreensão do reto viver
beneditino e jamais poderá colaborar para a transformação da sociedade onde
vive.
Dentro
da comunidade eclesial, os oblatos são chamados a desempenhar diversas tarefas:
catequista, ministro extraordinário da comunhão eucarística e da Palavra,
agente das diferentes pastorais, serviço aos pobres e aos doentes. São chamados
também a colaborar no governo paroquial e diocesano, participando de conselhos
pastorais e econômicos. Não como simples colaboradores do bispo e dos padres,
mas como membros ativos da comunidade, assumindo ministérios e serviços para o
engrandecimento da Igreja de Cristo.
Mais
do que nunca precisamos de oblatos inseridos no campo de batalha da sociedade
contemporânea, pois hoje a Igreja de Jesus Cristo é magoada, ofendida,
perseguida e tida por muitos como a culpada de todos os males existentes. Escândalos
e blasfêmias se repetem a cada dia. Uma escala de valores pagã tenta
insistentemente substituir a civilização cristã por uma cultura de morte
(aborto, eutanásia, destruição de embriões, contracepção, casamento de pessoas
do mesmo sexo...); a meta é a de eliminar Deus, como se ele fosse um mal para a
sociedade, e destruir a religião católica, por meio de um laicismo agressivo e
anticristão.
Causa
estranheza imaginar que muitos oblatos se satisfaçam em fazer parte do “grupo
de oblatos”, sem uma visão mais abrangente das exigências da Igreja. Ele deve
ser preparado para exercer um protagonismo eclesial, como o próprio mosteiro
exerce na vida da Igreja local. Ele precisa conhecer as pastorais e assumir
lideranças na diocese, aproveitando a oportunidade para apresentar a doutrina
milenar deixada por São Bento. Ele precisa exercer uma real liderança na
comunidade, sendo para isso profundamente preparados nos grupos que estão
vinculados às comunidades monásticas. Se assim não agirem, passarão mais tempo
“cuidando” da vida dos monges e monjas do que vivendo a vocação a que foram
chamados. Os resultados desse procedimento é o de se transformar o Instituto
dos Oblatos em uma associação social sem comprometimento evangélico, com
inúmeras pendengas internas, cujo trabalho principal será o de resolver
conflito entre os seus membros. Jamais devemos nos esquecer que São Bento
influenciou profundamente o mundo em que viveu, e os seus monges, com o passar
dos séculos, foram responsáveis pela reestruturação de sociedade complexas,
como, por exemplo, a européia.
Não
poucas vezes testemunhamos associações de oblatos que foram corroídas por um
espírito totalmente secularizado, cuja função principal é a de realizar
comemorações festivas e viver em torno de intrigas internas. O remédio para
essa espécie de câncer é a retomada de uma profunda vida de oração e da
consciência da sua missão no mundo e na igreja onde estão inseridos.
Vemos
como esperança o crescimento da tomada de consciência por parte de muitos
oblatos que compreendem a índole específica da oblação. Acreditam nela e
procuram exercê-la de modo digno e eficiente para que se faça, cada vez mais
concreta, a promessa de Jesus: “O Reino
de Deus está presente no meio de vós”[2].
Consciente,
o oblato beneditino deve testemunhar na igreja e fora dela a primazia de Deus,
porque falamos muito sobre Ele, mas não são poucos os que vivem como se Ele não
existisse. O oblato põe contra a parede uma sociedade que agoniza à míngua de
Deus, porque a espiritualidade sugerida por São Bento condena e repara o
materialismo extremo que desfigura o homem e até muitos dos cristãos do nosso
tempo.
Qual
é, então o convite de São Bento faz a todos os homens e mulheres de hoje,
mormente a seus monges e aos oblatos? A nada anteporem ao amor de Cristo[3];
a serem verdadeiros homens e mulheres e não estereótipos de ideologias; a nada
ensinarem que antes não tenham praticado; a que sejam humildes e cheios de
laboriosidade; a que rezem e trabalhem, sem jamais estarem tristes[4];
a que lutem pela paz e cantem o cântico novo do Reino; a atraírem à fé os
irmãos que estão dispersos e que conhecem ou rejeitam Jesus: a que instruam os
ignorantes com exemplo das virtudes, palavras e ensinamentos; a sair ao
encontro do outro para reconstruir o que foi destruído; em suma, que sejam
semente de novos cristãos, no meio de uma sociedade que se encontra sedenta de
respostas... e a resposta, para um beneditino – seja ele monge, monja ou oblato
– é Cristo.
Se
pudéssemos falar sobre uma visão futurista de São Bento de Núrsia diríamos que
para ele um oblato secular representa a visibilidade e o anúncio de uma
sociedade que está porvir. Dentro e fora do mosteiro o oblato deve mostrar que
devem ser nulas as discriminações entre nobres e plebeus, entre ricos e pobres,
entre livres e escravos, pois assim afirma-nos o santo legislador: “Que não seja feita por ele (abade) distinção
de pessoa no Mosteiro. Não anteponha o nascido livre ao originário de condição
servil... porque servos ou livres, somos todos um em Cristo”[5].
Desse modo, São Bento depõe diante de Deus as antigas rivalidades e os
rancores recentes, a fim de os que vivem sobre sua Regra rezem, trabalhem e se
encaminhem para Deus, tornando-se cristãos exemplares – com toda a humildade –
para a Igreja local.
Contribuindo
em todos os âmbitos para a transformação positiva da sociedade onde vive e da
igreja onde atua, o oblato deve mostrar a todos que o mundo subordina cada vez
mais o homem à máquina, como se ele fosse um prolongamento e simples
complemento da mesma. Alerta sobre o risco de tornarnos individualistas,
transformando as cidades em colméias de indivíduos fechados e isolados, à
maneira de ilhas que nunca se encontram. São Bento derruba muros e constrói
pontes entre os homens; e entre o homem e Deus, pois quando não nos falamos
mais, lentamente nos tornamos estranhos. Quando não rezamos, Deus vai se
tornando um estranho em nossas vidas.
São
Bento deseja que os circundam o mosteiro rezem sempre, passando a viver cada
momento de sua vida num relacionamento íntimo com Aquele que os chamou à vida.
Assim deve ser a oração de todo oblato. Sendo verdadeira, ela exprime a
realidade, isto é, a vida.Se torna falsa quando dela se distancia.
A
espiritualidade do oblato secular beneditino testemunha no mundo e na igreja
local a primazia de Deus, condenando tudo aquilo que gera na sociedade uma
dependência desenfreada. Bento hoje pede que os oblatos apresentem no mundo a
alma cristã perdida por muitos. Todos vivemos numa humanidade cuja cultura
está, cada vez mais, dominada por ideologias questionáveis e acéfalas.
Constroem-se pedras, não homens. O ser humano que quiser compreender-se a si
mesmo, deve, com a sua inquietude, incerteza, e também com sua fraqueza e
pecaminosidade, com a sua vida e a sua morte, aproximar-se de Cristo.[6]
Concluindo
minhas reflexões sobre a contribuição que os oblatos devem dar à igreja onde
estão inseridos, faço minhas as sábias palavras do Beato João Paulo II,
dirigida aos abades reunidos em Núrsia, terra Natal de São Bento, que resume a
genialidade e o carisma demonstrados por São Bento, fornecendo-nos uma síntese
autorizada daquilo que a Igreja venera de mais plausível na vida do santo
varão: “A cruz, o livro e o arado foram
os instrumentos da sua obra de beneficiação e de renascimento. O louvor a Deus,
em Cristo e com a comunidade, mediante a liturgia assídua, diligente e
exultante; o trabalho manual, intelectual e artístico, fielmente realizado no
silêncio exterior e interior; a Caridade recíproca, e em especial com os que
sofrem e os mais pobres, na obediência e na humildade; eis, em síntese, a
mensagem e o programa de vida que São Bento recomendou e praticou. E é isto que
propõe, ainda hoje, ao mundo, para a felicidade e para o bem de todos. O homem
moderno, atormentado por tantos problemas familiares, sociais e internacionais,
sente necessidade de silêncio, de reflexão e de meditação para reencontrar os
verdadeiros valores, o significado da própria existência, o horizonte da
história humana e o diálogo com o Absoluto. O homem moderno sente uma
necessidade de paz, de certeza e de salvação. (...) Para onde caminha o homem?
As sociedades e os homens, no decorrer desses 15 séculos que nos separam do
nascimento de São Bento de Núrsia, tornaram-se os herdeiros das suas vitórias,
mas também das suas derrotas, das suas luzes, mas também das suas trevas.
Tem-se impressão de a economia dominar a moral, de a temporalidade dominar a
espiritualidade (...) Não se pode viver para o futuro sem reconhecer que o
sentido da vida é maior que a temporalidade, que ela está acima desta. Se as
sociedades e os homens de nosso tempo perderam o interesse por esse sentido,
devem reencontrá-lo. Podem, por com esse intento, dar para trás 15 séculos?
Para os tempos em que nasceu São Bento de Núrsia? Não. Voltar para trás não
podem. O sentido da vida devem encontrá-lo no contexto dos nossos tempos. Não é
possível de outra maneira. Não devem e nem podem voltar para trás, aos tempos
de São Bento, mas devem reencontrar o sentido da existência humana no exemplo
de São Bento. Só então viverão para o futuro. Trabalharão para o futuro. E
morrerrão na expectativa da eternidade.”[7]Eis
aí, então, o caminho agridoce a ser percorrido pelos oblatos seculares
beneditinos. Aí está a contribuição majestosa que podem dar à igreja local,
onde vivem, e ao mundo, que desejam ver salvo para o Cristo.'
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