sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A contribuição e participação do oblato beneditino na vida da igreja local (Capítulo 3 de 3)

Por Maria Vanda (Ir. Maria Silvia, Obl. OSB) e
        Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


         'Na igreja local o oblato faz e complementa a ação do sacerdote; ele não ministra os sacramentos, não o substitui, mas prepara os irmãos para isso. E, para bem cumprir sua missão, ele precisa conhecer bem a Igreja que Jesus instituiu e a doutrina sagrada que nos logrou. Ele deve ser testemunha do conhecimento que adquiriu nas fontes monásticas, e apresentar ao mundo toda a riqueza que carrega na alma.

             Uma das tarefas primordiais dos formadores de oblatos é fazer com eles saibam dar a razão da sua fé em nosso tempo, seguindo os objetivos pastorais da igreja local. Uma vez que o trabalho do oblato secular cresce hoje na Igreja, assim também a sua formação deve ser mais aprofundada, não limitando-se apenas ao âmbito do espaço monástico, mas conhecendo todas as necessidades das comunidades onde está inserido, pois, se agir de outro modo, será um alienado. O mosteiro será sempre a fonte, mas o mundo será o campo da aplicabilidade dos ensinamentos adquiridos e experimentados. Não se trata apenas da transmissão de uma doutrina. Trata-se de apresentar ao mundo uma pessoa: Jesus Cristo.

            Para ser firme no cumprimento de sua missão de batizado e missionário, o oblato precisa ter uma vida espiritual sadia. A eficácia do trabalho apostólico do oblato está intimamente associada à sua base espiritual, à sua vida de oração pessoal e comunitária, à freqüência na recepção dos sacramentos, sobretudo a eucaristia e a penintência e à sua reta formação doutrinária. O oblato que não reza, não se confessa, não comunga, não lê, não medita a Palavra de Deus e não aprofunda a doutrina de São Bento, jamais terá a compreensão do reto viver beneditino e jamais poderá colaborar para a transformação da sociedade onde vive.

            Dentro da comunidade eclesial, os oblatos são chamados a desempenhar diversas tarefas: catequista, ministro extraordinário da comunhão eucarística e da Palavra, agente das diferentes pastorais, serviço aos pobres e aos doentes. São chamados também a colaborar no governo paroquial e diocesano, participando de conselhos pastorais e econômicos. Não como simples colaboradores do bispo e dos padres, mas como membros ativos da comunidade, assumindo ministérios e serviços para o engrandecimento da Igreja de Cristo.

             Apesar dos serviços que desempenham na comunidade, a missão mais importante do oblato é a sua inserção no mundo. Ele é chamado a realizar essa missão dentro das realidades nas quais se encontra no dia-a-dia. Na família, no trabalho, na escola, no mundo da política e da cultura, nos movimentos populares e sindicais, nos meios de comunicação; é chamado a testemunhar, pela palavra e pela vida, a mensagem de Jesus Cristo. Por isso o papel do oblato não é o de ficar o dia todo no mosteiro – isso é próprio dos monges e monjas – mas o de ser fermento nos campos da vida, sendo, ele mesmo “sal da terra e luz do mundo”[1]. Os oblatos são os braços do mosteiro abraçando o mundo.

            Mais do que nunca precisamos de oblatos inseridos no campo de batalha da sociedade contemporânea, pois hoje a Igreja de Jesus Cristo é magoada, ofendida, perseguida e tida por muitos como a culpada de todos os males existentes. Escândalos e blasfêmias se repetem a cada dia. Uma escala de valores pagã tenta insistentemente substituir a civilização cristã por uma cultura de morte (aborto, eutanásia, destruição de embriões, contracepção, casamento de pessoas do mesmo sexo...); a meta é a de eliminar Deus, como se ele fosse um mal para a sociedade, e destruir a religião católica, por meio de um laicismo agressivo e anticristão.

            Causa estranheza imaginar que muitos oblatos se satisfaçam em fazer parte do “grupo de oblatos”, sem uma visão mais abrangente das exigências da Igreja. Ele deve ser preparado para exercer um protagonismo eclesial, como o próprio mosteiro exerce na vida da Igreja local. Ele precisa conhecer as pastorais e assumir lideranças na diocese, aproveitando a oportunidade para apresentar a doutrina milenar deixada por São Bento. Ele precisa exercer uma real liderança na comunidade, sendo para isso profundamente preparados nos grupos que estão vinculados às comunidades monásticas. Se assim não agirem, passarão mais tempo “cuidando” da vida dos monges e monjas do que vivendo a vocação a que foram chamados. Os resultados desse procedimento é o de se transformar o Instituto dos Oblatos em uma associação social sem comprometimento evangélico, com inúmeras pendengas internas, cujo trabalho principal será o de resolver conflito entre os seus membros. Jamais devemos nos esquecer que São Bento influenciou profundamente o mundo em que viveu, e os seus monges, com o passar dos séculos, foram responsáveis pela reestruturação de sociedade complexas, como, por exemplo, a européia.

            Não poucas vezes testemunhamos associações de oblatos que foram corroídas por um espírito totalmente secularizado, cuja função principal é a de realizar comemorações festivas e viver em torno de intrigas internas. O remédio para essa espécie de câncer é a retomada de uma profunda vida de oração e da consciência da sua missão no mundo e na igreja onde estão inseridos.

            Vemos como esperança o crescimento da tomada de consciência por parte de muitos oblatos que compreendem a índole específica da oblação. Acreditam nela e procuram exercê-la de modo digno e eficiente para que se faça, cada vez mais concreta, a promessa de Jesus: “O Reino de Deus está presente no meio de vós”[2].

            Consciente, o oblato beneditino deve testemunhar na igreja e fora dela a primazia de Deus, porque falamos muito sobre Ele, mas não são poucos os que vivem como se Ele não existisse. O oblato põe contra a parede uma sociedade que agoniza à míngua de Deus, porque a espiritualidade sugerida por São Bento condena e repara o materialismo extremo que desfigura o homem e até muitos dos cristãos do nosso tempo.

            Qual é, então o convite de São Bento faz a todos os homens e mulheres de hoje, mormente a seus monges e aos oblatos? A nada anteporem ao amor de Cristo[3]; a serem verdadeiros homens e mulheres e não estereótipos de ideologias; a nada ensinarem que antes não tenham praticado; a que sejam humildes e cheios de laboriosidade; a que rezem e trabalhem, sem jamais estarem tristes[4]; a que lutem pela paz e cantem o cântico novo do Reino; a atraírem à fé os irmãos que estão dispersos e que conhecem ou rejeitam Jesus: a que instruam os ignorantes com exemplo das virtudes, palavras e ensinamentos; a sair ao encontro do outro para reconstruir o que foi destruído; em suma, que sejam semente de novos cristãos, no meio de uma sociedade que se encontra sedenta de respostas... e a resposta, para um beneditino – seja ele monge, monja ou oblato – é Cristo.

            Se pudéssemos falar sobre uma visão futurista de São Bento de Núrsia diríamos que para ele um oblato secular representa a visibilidade e o anúncio de uma sociedade que está porvir. Dentro e fora do mosteiro o oblato deve mostrar que devem ser nulas as discriminações entre nobres e plebeus, entre ricos e pobres, entre livres e escravos, pois assim afirma-nos o santo legislador: “Que não seja feita por ele (abade) distinção de pessoa no Mosteiro. Não anteponha o nascido livre ao originário de condição servil... porque servos ou livres, somos todos um em Cristo”[5]. Desse modo, São Bento depõe diante de Deus as antigas rivalidades e os rancores recentes, a fim de os que vivem sobre sua Regra rezem, trabalhem e se encaminhem para Deus, tornando-se cristãos exemplares – com toda a humildade – para a Igreja local.

            Contribuindo em todos os âmbitos para a transformação positiva da sociedade onde vive e da igreja onde atua, o oblato deve mostrar a todos que o mundo subordina cada vez mais o homem à máquina, como se ele fosse um prolongamento e simples complemento da mesma. Alerta sobre o risco de tornarnos individualistas, transformando as cidades em colméias de indivíduos fechados e isolados, à maneira de ilhas que nunca se encontram. São Bento derruba muros e constrói pontes entre os homens; e entre o homem e Deus, pois quando não nos falamos mais, lentamente nos tornamos estranhos. Quando não rezamos, Deus vai se tornando um estranho em nossas vidas.

            São Bento deseja que os circundam o mosteiro rezem sempre, passando a viver cada momento de sua vida num relacionamento íntimo com Aquele que os chamou à vida. Assim deve ser a oração de todo oblato. Sendo verdadeira, ela exprime a realidade, isto é, a vida.Se torna falsa quando dela se distancia.

            A espiritualidade do oblato secular beneditino testemunha no mundo e na igreja local a primazia de Deus, condenando tudo aquilo que gera na sociedade uma dependência desenfreada. Bento hoje pede que os oblatos apresentem no mundo a alma cristã perdida por muitos. Todos vivemos numa humanidade cuja cultura está, cada vez mais, dominada por ideologias questionáveis e acéfalas. Constroem-se pedras, não homens. O ser humano que quiser compreender-se a si mesmo, deve, com a sua inquietude, incerteza, e também com sua fraqueza e pecaminosidade, com a sua vida e a sua morte, aproximar-se de Cristo.[6]

            Concluindo minhas reflexões sobre a contribuição que os oblatos devem dar à igreja onde estão inseridos, faço minhas as sábias palavras do Beato João Paulo II, dirigida aos abades reunidos em Núrsia, terra Natal de São Bento, que resume a genialidade e o carisma demonstrados por São Bento, fornecendo-nos uma síntese autorizada daquilo que a Igreja venera de mais plausível na vida do santo varão: “A cruz, o livro e o arado foram os instrumentos da sua obra de beneficiação e de renascimento. O louvor a Deus, em Cristo e com a comunidade, mediante a liturgia assídua, diligente e exultante; o trabalho manual, intelectual e artístico, fielmente realizado no silêncio exterior e interior; a Caridade recíproca, e em especial com os que sofrem e os mais pobres, na obediência e na humildade; eis, em síntese, a mensagem e o programa de vida que São Bento recomendou e praticou. E é isto que propõe, ainda hoje, ao mundo, para a felicidade e para o bem de todos. O homem moderno, atormentado por tantos problemas familiares, sociais e internacionais, sente necessidade de silêncio, de reflexão e de meditação para reencontrar os verdadeiros valores, o significado da própria existência, o horizonte da história humana e o diálogo com o Absoluto. O homem moderno sente uma necessidade de paz, de certeza e de salvação. (...) Para onde caminha o homem? As sociedades e os homens, no decorrer desses 15 séculos que nos separam do nascimento de São Bento de Núrsia, tornaram-se os herdeiros das suas vitórias, mas também das suas derrotas, das suas luzes, mas também das suas trevas. Tem-se impressão de a economia dominar a moral, de a temporalidade dominar a espiritualidade (...) Não se pode viver para o futuro sem reconhecer que o sentido da vida é maior que a temporalidade, que ela está acima desta. Se as sociedades e os homens de nosso tempo perderam o interesse por esse sentido, devem reencontrá-lo. Podem, por com esse intento, dar para trás 15 séculos? Para os tempos em que nasceu São Bento de Núrsia? Não. Voltar para trás não podem. O sentido da vida devem encontrá-lo no contexto dos nossos tempos. Não é possível de outra maneira. Não devem e nem podem voltar para trás, aos tempos de São Bento, mas devem reencontrar o sentido da existência humana no exemplo de São Bento. Só então viverão para o futuro. Trabalharão para o futuro. E morrerrão na expectativa da eternidade.”[7]Eis aí, então, o caminho agridoce a ser percorrido pelos oblatos seculares beneditinos. Aí está a contribuição majestosa que podem dar à igreja local, onde vivem, e ao mundo, que desejam ver salvo para o Cristo.'



[1] MT 5,16
[2] Conf Lc 17,21
[3] RB 72,11
[4] RB 31,19
[5] RB 2,16.20
[6] JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Redemptor Hominis. Vaticano, Libreria Editrice Vaticana, 1979, p.10
[7] Carta Apostólica do Papa Paulo VI no XV Centenário do Nascimento de São Bento. L’Osservatore Romano, 31.08.1980.


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