sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A PERMANÊNCIA NA CELA

Por Maria Vanda (Ir. Maria Silvia, Obl. OSB)


CARTA ESCRITA PARA WINNIE MANDELA, POR NELSON MANDELA DE SUA CELA AO TEMPO DE SUA  PRISÃO


TEM A RECORRENTE NOS APOFTEGMAS DOS PADRES DO DESERTO DESDE OS   PRIMEIROS SÉCULOS E   SENDO ATUAL ATÉ NOSSOS TEMPOS.

(Material gentilmente cedido pela Profª. Doutora Alina  Torres Monteiro da Faculdade de São Bento) 


Abba Moisés – 6

Um irmão foi a Cétia procurar o Abba Moíses e pedir-lhe uma palavra.

Disse o ancião: “Vai, senta-se em tua cela, e tua cela te ensinará tudo”



.... a cela é um lugar ideal para aprendermos a nos conhecer, para se vasculhar realística e regularmente os processos da mente e dos sentimentos. Ao avaliarmos nosso processo como indivíduos, tendemos a nos concentrar em fatores externos, como posição social, influência e popularidade, riqueza e nível de instrução. Certamente são dados importantes para se medir o sucesso nas questões materiais, e é perfeitamente compreensível que tantas pessoas se esforcem tanto para obter todos eles. Mas os fatores internos são ainda mais decisivos no julgamento do nosso desenvolvimento como seres humanos. Honestidade, sinceridade, simplicidade, humildade, generosidade pura, ausência de vaidade, disposição para ajudar os outros – qualidades facilmente alcançáveis por todo indivíduo – são os fundamentos da vida espiritual. O desenvolvimento de questões dessa natureza é inconcebível sem uma séria introspecção, sem o conhecimento de nós mesmos, de nossas fraquezas e nossos erros. Pelo menos – ainda que seja a única vantagem – a cela de uma prisão nos dá a oportunidade de examinarmos diariamente toda a nossa conduta, de superarmos o mal e desenvolvermos o que há de bom em nós. A meditação diária, de uns 15 minutos antes de nos levantarmos, é muito produtiva nesse aspecto. A princípio, pode ser difícil identificar os aspectos negativos em sua vida, mas a décima tentativa pode trazer valiosas recompensas. Não se esqueça de que os santos são pecadores que continuam tentando.
 _____________________________________________________
Texto extraído de carta  para Winnie Mnadela, escrita por Nelson Mandela, na prisão de Kroonstad, datada de 1º de fevereiro de 1975 

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Comentário à Carta 70 (Capítulo 2 de 5)

Por Maria Vanda (Ir. Maria Silvia, Obl. OSB)
 
                                                 Santo Antão                                                
     
Caros Leitores,

            Dando continuação à nossa proposta contida no preâmbulo do Capítulo I,  vamos aqui dar mais alguns passos no mister de comentar a Carta 70.

            Há, no documento em exame uma pergunta que é feita pelos cristãos, hoje: se não seria possível, mediante nova educação à oração, enriquecer nosso patrimônio, incorporando–lhe também elementos que até agora eram estranhos?

           Bem,  a que elementos estranhos estão os indagantes se referindo?

           É de bom alvitre lembrar que o método da oração cristã, como um todo sempre foi simples.  E como a meditação  é forma de oração, também é estruturada em elementos simples.  

           A teor da Carta 70 vemos que a estrutura  da oração cristã tem seu arquétipo fundado  na fé cristã.  Portanto esse é elemento essencial e inarredável.   É dela e através dela que  o fiel extrairá o nexo fundamental, do seu  relacionamento intimo e pessoal com Deus.  O fiel se desnudará diante de seu Criador e passa a lhe falar com sinceridade e amizade profundas.  Efervesces-se na alma, depurando a verdade necessária para a sua plena aproximação com a Trindade, que lhe dá substância para comungar, como criatura redimida, das virtudes e atributos do batismo. 

           Esse  diálogo intimo e profundo do fiel com Deus é silencioso, recôndito,  isolado. Mas ao mesmo tempo é dinâmico, pois exige um caminhar permanente, uma atitude de conversão.  E essa conversão deve  sempre alimentada na mesa eucarística e nas virtudes batismais.    

          Diz a Carta 70,  que esse caminhar do homem na vida de oração e, pois, no caminho da conversão, implica num êxodo do eu do homem para o Tu de Deus.

          Também afirma que a oração cristã é sempre autenticamente pessoal, individual e, ao mesmo tempo comunitária.

         Nesse passo recusa o Documento técnicas impessoais ou centradas sobre o eu, pois tais métodos  levam a automatismos que acabam por aprisionar o meditante num espiritualismo intimista, que logo o incapacita para uma  abertura livre para o Deus transcendente.

          Admite que a Igreja possa buscar novos métodos de meditação. Mas legitimados, sempre,  no encontro de duas liberdades:   a    infinita de Deus   e a finita do homem, como elemento essencial para uma oração autenticamente cristã.

         Pois bem,  a   questão inicial parece-nos  ainda carecer de melhor análise, para  uma maior clareza de resposta.  Lembrando que a pergunta era:  podemos  educar-nos para a oração e nos é lícito lançar mãos de outros elementos que até agora nos era estranhos?                                    

         Se estivermos falando de oração, que é gênero, da qual a meditação é uma espécie, não podemos colocar elementos que sejam estranhos aos que, com abundância nos trás os Evangelhos Sagrados. 

        Carta em análise nos dá o exemplo dos Salmos, que antecedem  tão antiga Fonte, o Antigo Testamento, como forma de autêntica  oração.  Exemplifica também com o Novo Testamento onde  nos aponta o Cristo como fonte permanente de revelação e de comunhão com o Pai.  Dele emanam as mais belas orações que conhecemos que tinham como elementos inarredáveis:  a fé no Pai que o enviou. A obediência  obstinada no cumprir do que lhe foi revelado, uma certeza imensurável de  que,  pela oração, seria ouvido pelo Pai;  e de que se entregando à cruz, nos remiria dos nossos pecados nos livraria dos nossos pecados e nos restituiria a vida eterna. 

        Pois bem.   As mais belas orações (proferidas com palavras ou no mais profundo silêncio)   foram deixadas por Jesus Cristo. E ele não só as proferiu, mas nos exortou praticá-las e ensinou-nos a dizê-las.

        Delas nos ocuparemos no capítulo III, próximo,  rogando, sempre, amealhar do Espírito Santo, a graça de podermos concretizar.

                Até breve.

                Maria Vanda (Ir. Maria Silvia – OSB-SP  





  

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A contribuição e participação do oblato beneditino na vida da igreja local (Capítulo 3 de 3)

Por Maria Vanda (Ir. Maria Silvia, Obl. OSB) e
        Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


         'Na igreja local o oblato faz e complementa a ação do sacerdote; ele não ministra os sacramentos, não o substitui, mas prepara os irmãos para isso. E, para bem cumprir sua missão, ele precisa conhecer bem a Igreja que Jesus instituiu e a doutrina sagrada que nos logrou. Ele deve ser testemunha do conhecimento que adquiriu nas fontes monásticas, e apresentar ao mundo toda a riqueza que carrega na alma.

             Uma das tarefas primordiais dos formadores de oblatos é fazer com eles saibam dar a razão da sua fé em nosso tempo, seguindo os objetivos pastorais da igreja local. Uma vez que o trabalho do oblato secular cresce hoje na Igreja, assim também a sua formação deve ser mais aprofundada, não limitando-se apenas ao âmbito do espaço monástico, mas conhecendo todas as necessidades das comunidades onde está inserido, pois, se agir de outro modo, será um alienado. O mosteiro será sempre a fonte, mas o mundo será o campo da aplicabilidade dos ensinamentos adquiridos e experimentados. Não se trata apenas da transmissão de uma doutrina. Trata-se de apresentar ao mundo uma pessoa: Jesus Cristo.

            Para ser firme no cumprimento de sua missão de batizado e missionário, o oblato precisa ter uma vida espiritual sadia. A eficácia do trabalho apostólico do oblato está intimamente associada à sua base espiritual, à sua vida de oração pessoal e comunitária, à freqüência na recepção dos sacramentos, sobretudo a eucaristia e a penintência e à sua reta formação doutrinária. O oblato que não reza, não se confessa, não comunga, não lê, não medita a Palavra de Deus e não aprofunda a doutrina de São Bento, jamais terá a compreensão do reto viver beneditino e jamais poderá colaborar para a transformação da sociedade onde vive.

            Dentro da comunidade eclesial, os oblatos são chamados a desempenhar diversas tarefas: catequista, ministro extraordinário da comunhão eucarística e da Palavra, agente das diferentes pastorais, serviço aos pobres e aos doentes. São chamados também a colaborar no governo paroquial e diocesano, participando de conselhos pastorais e econômicos. Não como simples colaboradores do bispo e dos padres, mas como membros ativos da comunidade, assumindo ministérios e serviços para o engrandecimento da Igreja de Cristo.

             Apesar dos serviços que desempenham na comunidade, a missão mais importante do oblato é a sua inserção no mundo. Ele é chamado a realizar essa missão dentro das realidades nas quais se encontra no dia-a-dia. Na família, no trabalho, na escola, no mundo da política e da cultura, nos movimentos populares e sindicais, nos meios de comunicação; é chamado a testemunhar, pela palavra e pela vida, a mensagem de Jesus Cristo. Por isso o papel do oblato não é o de ficar o dia todo no mosteiro – isso é próprio dos monges e monjas – mas o de ser fermento nos campos da vida, sendo, ele mesmo “sal da terra e luz do mundo”[1]. Os oblatos são os braços do mosteiro abraçando o mundo.

            Mais do que nunca precisamos de oblatos inseridos no campo de batalha da sociedade contemporânea, pois hoje a Igreja de Jesus Cristo é magoada, ofendida, perseguida e tida por muitos como a culpada de todos os males existentes. Escândalos e blasfêmias se repetem a cada dia. Uma escala de valores pagã tenta insistentemente substituir a civilização cristã por uma cultura de morte (aborto, eutanásia, destruição de embriões, contracepção, casamento de pessoas do mesmo sexo...); a meta é a de eliminar Deus, como se ele fosse um mal para a sociedade, e destruir a religião católica, por meio de um laicismo agressivo e anticristão.

            Causa estranheza imaginar que muitos oblatos se satisfaçam em fazer parte do “grupo de oblatos”, sem uma visão mais abrangente das exigências da Igreja. Ele deve ser preparado para exercer um protagonismo eclesial, como o próprio mosteiro exerce na vida da Igreja local. Ele precisa conhecer as pastorais e assumir lideranças na diocese, aproveitando a oportunidade para apresentar a doutrina milenar deixada por São Bento. Ele precisa exercer uma real liderança na comunidade, sendo para isso profundamente preparados nos grupos que estão vinculados às comunidades monásticas. Se assim não agirem, passarão mais tempo “cuidando” da vida dos monges e monjas do que vivendo a vocação a que foram chamados. Os resultados desse procedimento é o de se transformar o Instituto dos Oblatos em uma associação social sem comprometimento evangélico, com inúmeras pendengas internas, cujo trabalho principal será o de resolver conflito entre os seus membros. Jamais devemos nos esquecer que São Bento influenciou profundamente o mundo em que viveu, e os seus monges, com o passar dos séculos, foram responsáveis pela reestruturação de sociedade complexas, como, por exemplo, a européia.

            Não poucas vezes testemunhamos associações de oblatos que foram corroídas por um espírito totalmente secularizado, cuja função principal é a de realizar comemorações festivas e viver em torno de intrigas internas. O remédio para essa espécie de câncer é a retomada de uma profunda vida de oração e da consciência da sua missão no mundo e na igreja onde estão inseridos.

            Vemos como esperança o crescimento da tomada de consciência por parte de muitos oblatos que compreendem a índole específica da oblação. Acreditam nela e procuram exercê-la de modo digno e eficiente para que se faça, cada vez mais concreta, a promessa de Jesus: “O Reino de Deus está presente no meio de vós”[2].

            Consciente, o oblato beneditino deve testemunhar na igreja e fora dela a primazia de Deus, porque falamos muito sobre Ele, mas não são poucos os que vivem como se Ele não existisse. O oblato põe contra a parede uma sociedade que agoniza à míngua de Deus, porque a espiritualidade sugerida por São Bento condena e repara o materialismo extremo que desfigura o homem e até muitos dos cristãos do nosso tempo.

            Qual é, então o convite de São Bento faz a todos os homens e mulheres de hoje, mormente a seus monges e aos oblatos? A nada anteporem ao amor de Cristo[3]; a serem verdadeiros homens e mulheres e não estereótipos de ideologias; a nada ensinarem que antes não tenham praticado; a que sejam humildes e cheios de laboriosidade; a que rezem e trabalhem, sem jamais estarem tristes[4]; a que lutem pela paz e cantem o cântico novo do Reino; a atraírem à fé os irmãos que estão dispersos e que conhecem ou rejeitam Jesus: a que instruam os ignorantes com exemplo das virtudes, palavras e ensinamentos; a sair ao encontro do outro para reconstruir o que foi destruído; em suma, que sejam semente de novos cristãos, no meio de uma sociedade que se encontra sedenta de respostas... e a resposta, para um beneditino – seja ele monge, monja ou oblato – é Cristo.

            Se pudéssemos falar sobre uma visão futurista de São Bento de Núrsia diríamos que para ele um oblato secular representa a visibilidade e o anúncio de uma sociedade que está porvir. Dentro e fora do mosteiro o oblato deve mostrar que devem ser nulas as discriminações entre nobres e plebeus, entre ricos e pobres, entre livres e escravos, pois assim afirma-nos o santo legislador: “Que não seja feita por ele (abade) distinção de pessoa no Mosteiro. Não anteponha o nascido livre ao originário de condição servil... porque servos ou livres, somos todos um em Cristo”[5]. Desse modo, São Bento depõe diante de Deus as antigas rivalidades e os rancores recentes, a fim de os que vivem sobre sua Regra rezem, trabalhem e se encaminhem para Deus, tornando-se cristãos exemplares – com toda a humildade – para a Igreja local.

            Contribuindo em todos os âmbitos para a transformação positiva da sociedade onde vive e da igreja onde atua, o oblato deve mostrar a todos que o mundo subordina cada vez mais o homem à máquina, como se ele fosse um prolongamento e simples complemento da mesma. Alerta sobre o risco de tornarnos individualistas, transformando as cidades em colméias de indivíduos fechados e isolados, à maneira de ilhas que nunca se encontram. São Bento derruba muros e constrói pontes entre os homens; e entre o homem e Deus, pois quando não nos falamos mais, lentamente nos tornamos estranhos. Quando não rezamos, Deus vai se tornando um estranho em nossas vidas.

            São Bento deseja que os circundam o mosteiro rezem sempre, passando a viver cada momento de sua vida num relacionamento íntimo com Aquele que os chamou à vida. Assim deve ser a oração de todo oblato. Sendo verdadeira, ela exprime a realidade, isto é, a vida.Se torna falsa quando dela se distancia.

            A espiritualidade do oblato secular beneditino testemunha no mundo e na igreja local a primazia de Deus, condenando tudo aquilo que gera na sociedade uma dependência desenfreada. Bento hoje pede que os oblatos apresentem no mundo a alma cristã perdida por muitos. Todos vivemos numa humanidade cuja cultura está, cada vez mais, dominada por ideologias questionáveis e acéfalas. Constroem-se pedras, não homens. O ser humano que quiser compreender-se a si mesmo, deve, com a sua inquietude, incerteza, e também com sua fraqueza e pecaminosidade, com a sua vida e a sua morte, aproximar-se de Cristo.[6]

            Concluindo minhas reflexões sobre a contribuição que os oblatos devem dar à igreja onde estão inseridos, faço minhas as sábias palavras do Beato João Paulo II, dirigida aos abades reunidos em Núrsia, terra Natal de São Bento, que resume a genialidade e o carisma demonstrados por São Bento, fornecendo-nos uma síntese autorizada daquilo que a Igreja venera de mais plausível na vida do santo varão: “A cruz, o livro e o arado foram os instrumentos da sua obra de beneficiação e de renascimento. O louvor a Deus, em Cristo e com a comunidade, mediante a liturgia assídua, diligente e exultante; o trabalho manual, intelectual e artístico, fielmente realizado no silêncio exterior e interior; a Caridade recíproca, e em especial com os que sofrem e os mais pobres, na obediência e na humildade; eis, em síntese, a mensagem e o programa de vida que São Bento recomendou e praticou. E é isto que propõe, ainda hoje, ao mundo, para a felicidade e para o bem de todos. O homem moderno, atormentado por tantos problemas familiares, sociais e internacionais, sente necessidade de silêncio, de reflexão e de meditação para reencontrar os verdadeiros valores, o significado da própria existência, o horizonte da história humana e o diálogo com o Absoluto. O homem moderno sente uma necessidade de paz, de certeza e de salvação. (...) Para onde caminha o homem? As sociedades e os homens, no decorrer desses 15 séculos que nos separam do nascimento de São Bento de Núrsia, tornaram-se os herdeiros das suas vitórias, mas também das suas derrotas, das suas luzes, mas também das suas trevas. Tem-se impressão de a economia dominar a moral, de a temporalidade dominar a espiritualidade (...) Não se pode viver para o futuro sem reconhecer que o sentido da vida é maior que a temporalidade, que ela está acima desta. Se as sociedades e os homens de nosso tempo perderam o interesse por esse sentido, devem reencontrá-lo. Podem, por com esse intento, dar para trás 15 séculos? Para os tempos em que nasceu São Bento de Núrsia? Não. Voltar para trás não podem. O sentido da vida devem encontrá-lo no contexto dos nossos tempos. Não é possível de outra maneira. Não devem e nem podem voltar para trás, aos tempos de São Bento, mas devem reencontrar o sentido da existência humana no exemplo de São Bento. Só então viverão para o futuro. Trabalharão para o futuro. E morrerrão na expectativa da eternidade.”[7]Eis aí, então, o caminho agridoce a ser percorrido pelos oblatos seculares beneditinos. Aí está a contribuição majestosa que podem dar à igreja local, onde vivem, e ao mundo, que desejam ver salvo para o Cristo.'



[1] MT 5,16
[2] Conf Lc 17,21
[3] RB 72,11
[4] RB 31,19
[5] RB 2,16.20
[6] JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Redemptor Hominis. Vaticano, Libreria Editrice Vaticana, 1979, p.10
[7] Carta Apostólica do Papa Paulo VI no XV Centenário do Nascimento de São Bento. L’Osservatore Romano, 31.08.1980.


segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A contribuição e participação do oblato beneditino na vida da igreja local (Capítulo 2 de 3)

Por Maria Vanda (Ir. Maria Silvia, Obl. OSB) e
       Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


'Com o passar do tempo e com a consolidação das reformas monásticas do século XIX, os oblatos seculares beneditinos serão vistos com mais atenção pelos mosteiros. Nesse período há uma profunda organização dos leigos vinculados aos mosteiros beneditinos, que, profundamente organizados, influenciarão para a construção dos primeiros estatutos dos oblatos seculares beneditinos, aprovados pela Santa Sé em 1871.

Folheando esse estatuto original, lemos aí que os oblatos sempre foram vistos como pessoas consagradas ao serviço de Cristo e da sua Igreja, comprometidos com a espiritualidade advinda da Regra de São Bento e do espírito dos mosteiros, ao tempo que se sentiam convidados a levar a espiritualidade beneditina a todos os locais onde viviam, certos de que cumpririam a palavra da Abadessa Teodora que, já no século IV, nos afirma que “é melhor viver no mundo com a cabeça no mosteiro, do que viver no mosteiro com a cabeça no mundo”. O oblato é, portanto, um discípulo fiel de Jesus Cristo, desejando dele se aproximar pela guia do Evangelho[1], e pelo ensinamento legado pelo Patriarca do Ocidente.

Assim pensando, o oblato toma consciência que é também para ele o ensinamento de Jesus nos deixou como mandato: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho[2]. Esse ensinamento não foi dado apenas aos padres e religiosos, mas a todos os que se dispõem a ser discípulos missionários de Jesus.

A Conferência Episcopal dos Bispos da América Latina e do Caribe, realizada em 1955 no Rio de Janeiro, afirmava que os fiéis leigos devem ser “auxiliares do clero”, cujo papel era de simples apoio administrativo da pastoral paroquial. Entretanto, após o Concílio Vaticano II e, posteriormente, depois da exortação apostólica Christifideles Laici, publicada em 1988, ficou claro para toda a Igreja o protagonismo da missão dos leigos na difusão do Evangelho, na promoção humana e no testemunho vivo da Palavra de Deus.

Falando aos bispos do Brasil, em uma das visitas “ad limina”, o Papa João Paulo II enfatizou que “o fiel leigo, na sua própria vida cristã e em sua atuação na Igreja, não é um mero auxiliar do bispo ou do padre. O batismo lhe dá direito e também o dever de realizar em sua existência a ação sacerdotal de Cristo”[3]. Dá-se, desse modo, a justa autonomia do fiel leigo é a de “exercer a missão que Deus confiou à Igreja para realizar no mundo” [4]. O próprio Catecismo da Igreja Católica confirma o ensinamento do Santo Padre, ao nos ensinar que “todo leigo, em virtude dos dons que lhe foram conferidos, é ao mesmo tempo testemunha e instrumento vivo da própria missão da Igreja ‘pela medida do dom de Cristo’ ”[5].

Considerando que o oblato é um leigo engajado na causa de Cristo e de Sua Igreja, cabe a ele repetir o que praticou o Apóstolo Paulo: “Ai de mim se eu não evangelizar”[6]. E é o próprio Apóstolo das Gentes que nos lembra: “Vós sois o Corpo de Cristo, e cada um de vós é um dos seus membros” [7].

A área específica de atuação dos oblatos se realiza no mundo, “de tal modo que, como seu testemunho e sua atividade, eles contribuam para a transformação das realidades e para a criação de estruturas justas segundo os critérios do Evangelho. O espaço próprio de sua atividade evangelizadora é o mundo vasto e complexo da política, da realidade social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos ‘mass media’, e outras realidades abertas à evangelização, como são o amor, a família, a educação das crianças e adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento. Além disso, eles tem o dever de fazer crível a fé que professam, mostrando a autenticidade e coerência em sua conduta”[8]. Trabalhando no seio da sociedade pós moderna os oblatos devem ser um suplemento de almas no meio onde atua, levando o ensinamento de Jesus, pelo próprio testemunho, a todos os que encontrar ao longo do caminho.


A Conferência de Aparecida nos afirmou, ainda, que “os leigos também são chamados a participar na ação pastoral da Igreja, primeiro com o testemunho de sua vida e, em segundo lugar, com ações no campo da evangelização, da vida litúrgica e outras formas de apostolado segundo as necessidades locais sob a orientação de seus pastores. Eles estarão dispostos a abrir para eles espaços de participação e a confiar ministérios e responsabilidades em uma Igreja onde todos vivam de maneira responsável seu compromisso cristão”[9]. Não são esses, por acaso, os trabalhos que os oblatos devem exercer na igreja local, enriquecendo as comunidades com a espiritualidade beneditina?'



[1] RB Prol 21
[2] Mc 16,15
[3] AAS 2010, 21
[4] CDC 204
[5] EF 4,7; CIC § 913
[6] 1Cor 9,16
[7] 1Cor 12,27
[8] Documento de Aparecida 210
[9] DA 211


sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A contribuição e participação do oblato beneditino na vida da igreja local (Capítulo 1 de 3)

  Por Maria Vanda (Ir. Maria Silvia, Obl. OSB) e
           Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)   


Este artigo pertence à palestra inaugural do III ENOB ( Encontro Nacional dos Oblatos Seculares da Congregação Beneditina do Brasil ), proferida pelo Exmo. Sr. Bispo Dom Gregório Paixão, da Arquidiocese de São Salvador e monge beneditino do Mosteiro de São Bento da Bahia ( http://www.saobento.org/  ).  

O evento, que ocorre a cada quatro anos, teve como tema 'Oblação, oferta a Deus e aos irmãos' e foi realizado de 25 a 30 de outubro de 2011, no Centro de Treinamento de Líderes, na praia de Itapuã.                
           

'Quando pisei pela primeira vez o solo sagrado do Mosteiro de São Bento da Bahia, há cerca de trinta anos atrás, não imaginava que estava ingressando em uma história que ultrapassava os mais de quatrocentos anos da vetusca abadia da cidade de Salvador. Ele era testemunha viva – pela presença de seus monges – dos mil e quinhentos anos de história da Ordem Beneditina, cuja maturidade se impunha naquelas paredes seculares. Encontrei ali o lugar da plena realização.

Imagino ter sido diametralmente oposto o que sentira São Bento quando, no final do século VI, chegou a Roma. Ele pisou, sim, o solo sagrado onde foram martirizados os apóstolos Pedro e Paulo, assim como uma incontável multidão de cristãos. Imaginava, no vigor de sua juventude, que encontraria ali sua plena realização. Mas encontrou, ao contrário, frustração e decepção, em meio aos caos de um mundo em ruínas.

Para que outros não passassem a mesma decepção que sentira, Bento resolve construir uma outra cidade eterna, a fim de que os vocacionados à vida monástica encontrassem o que buscavam, a partir de um espaço que ele próprio construirá como sagrado. Nasce, assim, o mosteiro beneditino.

Creio, porém, que vale a pena percorrer resumidamente o itinerário dos primeiros anos da vida monástica vivida por São Bento. Na sua busca incessante, logramos a riqueza da vida monástica beneditina vivida por um incontável número de monges, monjas e oblatos seculares, todos seguidores da Regra do Patriarca do Ocidente. Se entendermos o mundo onde São Bento viveu e as opções que ele fez, entenderemos, também o nosso e faremos escolhas para a plena realização.

O universo onde viveu São Bento tinha uma capital, e o seu nome era Roma. Ela se tornara o coração do mundo antigo e seu primeiro imperador disse uma frase que se tornou célebre: “encontrei-a feita de tijolos e a deixei coberta por mármores”. Não há dúvida: Roma era a mais formosa dentre todas as cidades conhecidas, sendo embelezada ao extremo durante décadas seguidas. O espanto era tão grande para os que a visitavam, que um imperador persa, ao contemplá-la no ano 357 de nossa era, extasiado com a beleza de seus monumentos e cidadãos, perguntou atônito a um general romano: “As pessoas daqui são mortais?”.

Roma, porém, não conseguia esconder, à luz do dia, que o corpo de aço do império tinha pés de barro. A riqueza, conseguida pela soma dos pesados impostos, não chegava a todos. As suas 1.800 magníficas mansões não conseguiam esconder os 46.600 cortiços que imperavam na capital. Poucos possuíam quase tudo e a grande massa da população tinha quase nada. Uma elite esbanjadora mantinha-se sobre o peso da carga que era colocada nos ombros do povo, que insistia em contentar-se com as migalhas imperiais do proverbial “pão e circo”.
  
A partir do século V começam a aparecer fortes indícios de uma possível decadência. O gênio dos grandes imperadores começa a ser substituído pelo uso excessivo da força, da tortura e mesmo do aniquilamento do povo que sustentava o império. A burocracia começa a enfraquecer a base social, tornando quase impossível a ascensão do trabalhador comum às classes superiores.

A escravidão, baseada no trabalho forçado de prisioneiros de guerra, atingiu proporções quase inacreditáveis nos tempos imperiais. Enquanto os traficantes de escravos vasculhavam continentes distantes na busca de mercadoria humana. Mercados, como da Ilha de Delos, movimentavam diariamente dezenas de milhares de escravos estrangeiros.

O Império morria à míngua. As soluções encontradas não passavam senão de meros paliativos. O povo não mais suportava a idéia de ver-se sem visão. E a religião, que impulsionava o império sobre o escudo e a espada de Júpiter, Juno e Minerva, mostrava-se decorativa e vazia de respostas.

Vindos do oriente, povos semi-selvagens, como os godos, os hunos e os vândalos colocam o agonizante império sob os pés. Por três vezes a Cidade Eterna será saqueada. Odoacro entra na cidade, numa espécie de parusia infernal, faz-se coroar primeiro rei bárbaro da Itália, derrubando o último imperador de Roma, Rômulo Augusto. Era o dia 4 de setembro de 476. Acabava de expirar o maior império do mundo.[1]

É nesse mundo destroçado que São Bento vai ser inserido. E vendo a corrupção vigente, afasta-se, medita e volta para uma nova proposta. Não há nele revolta ou barbarismo. Há, unicamente, o desejo de fazer conhecida a Verdade que ele mesmo experimentava, transformando o mundo ao seu redor a partir de Cristo.

Quatro anos depois da queda do Império Romano, em 476, nasce Bento[2], legislador do monaquismo ocidental, cuja vida e obra contribuirá para a reconstrução de uma nova civilização, alicerçada sobre a rocha que é Jesus Cristo. São Gregório Magno, seu biógrafo, o situa no tempo e no espaço, ao nos dizer que “houve um homem de vida venerável, Bento pela graça e pelo nome, que desde a infância possuía um coração maduro. Jamais entregou seu espírito ao prazer, e desprezou como murchas as flores do mundo. Nascido numa rica família da província de Núrsia, foi enviado a Roma para cursar os estudos das ciências liberais. Vendo porém, muitos nesses estudos rolarem para o abismo dos vícios, retirou o pé que quase pusera na estrada do mundo, temendo ele também cair no fatal precipício. Desprezando os estudos iniciados, deixou a casa os bens paternos e, querendo agradar somente a Deus, buscou o hábito da vida monástica.”[3].

Deixando Roma, o jovem Bento se recolhe numa gruta em Subíaco, vivendo ali todas as experiências de uma vida monástica incipiente. Embora recluso em sua cela monástica, Bento foi descoberto por aldeões das montanhas de Subíaco, que encontraram nele um testemunho vigoroso daquela vida cristã dos primeiros tempos, tornando-se o homem de Deus um catequista autorizado pela vida e pela palavra. São Gregório nos narra com detalhes esse encontro: “Também alguns pastores vieram a descobrir Bento, escondido numa gruta. Quando o avistaram por entre as folhagens, coberto de peles, acreditaram terem visto um animal, mas após terem conhecido o servo de Deus, muitos deles passaram de uma condição de vida bestial à graça de uma vida santa. De tal maneira o seu nome passou a ser conhecido por todos os habitantes das localidades vizinhas que, desde então, começaram a visitá-lo. Esses, que lhe levaram sustento para o corpo, de sua boca recebia, em seus corações, o alimento para o sustento para a alma”[4].

Vejo, nesse contato de São Bento com os aldeões de Subíaco, os primeiros indícios daquilo que vamos chamar, séculos depois, de oblatos seculares. Como os primeiros aldeões, os oblatos são leigos inseridos no mundo, sem se deixar corromper por ele, encontrando no exemplo e na doutrina de São Bento um novo impulso para viverem integralmente a vida cristã.

Embora saibamos que os primeiros indícios de uma organização de oblatos seculares beneditinos aparecerá no século VII, como constatamos pelos anais da Abadia de Lerins, assim como os inúmeros cristãos que vemos associados à Abadia de Cluny, entre os séculos X e XI, constatamos que o início da busca pela vida beneditina se estabelece na própria fonte, que é São Bento. São Gregório Magno nos narra, no Segundo Livro dos Diálogos, os inúmeros contatos que São Bento fez com as pessoas que visitavam seu mosteiro e, ainda mais, o apoio que recebia dos incontáveis colaboradores que rondavam os pilares da Abadia de Montecassino.[5] Nasce, desse modo, as primeiras aldeias e vilas ao lado dos mosteiros espalhados por toda a Europa, associadas à força espiritual e material das Abadias.'



[1] VETUSCI, Paulo. Queda e Ascensão dos Grandes Impérios. Textos seletos: Roma. Rio de Janeiro, 2010, p.37
[2] São Bento nasceu em Núrsia (Itália), no ano 480 e morreu em Montecassino, em 547.
[3] SÃO GREGÓRIO MAGNO. São Bento. Vida e Milagres. Salvador, Edições São Bento, 2002, p.9
[4] SÃO GREGÓRIO MAGNO, Idem, p.15
[5] SÃO GREGÓRIO MAGNO, Idem, os. 31,87,90,97.