segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Papa: arqueologia cristã, vocação e forma de amor pela Igreja e pela humanidade

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Benedetta Capelli


‘Escavar, tocar os achados, reencontrar a energia do tempo — mas no trabalho do arqueólogo cristão não há apenas matéria, há também humanidade : as mãos que forjaram os objetos encontrados, ‘as mentes que os conceberam, os corações que os amaram’. Essa é uma das características da arqueologia cristã destacada pelo Papa na Carta Apostólica sobre a importância da arqueologia, publicada no dia 11 de dezembro, por ocasião do centenário do Pontifício Instituto de Arqueologia Cristã.

Leia a Carta Apostólica na integra

Tornar o Mistério visível 

Matéria e mistério : são duas linhas que se cruzam na arqueologia cristã porque ‘o cristianismo — destaca Leão XIV — não nasceu de uma ideia, mas de uma carne’, de um ventre, um corpo, um túmulo. A fé cristã se apoia em ‘eventos concretos, rostos, gestos, palavras pronunciadas em uma língua, em uma época, em um ambiente. É isso que a arqueologia torna evidente, palpável’. O Papa recorda ainda que ‘Deus escolheu falar em uma língua humana, caminhar sobre uma terra, habitar lugares, casas, sinagogas, ruas’. Por isso, em um tempo que recorre à Inteligência Artificial e investiga galáxias, ainda faz sentido continuar a investigar. ‘Não se pode compreender plenamente a teologia cristã — escreve o Papa — sem a inteligência dos lugares e das marcas materiais que testemunham a fé dos primeiros séculos’.

Nada é insignificante

A arqueologia e a teologia se entrelaçam no trabalho do arqueólogo, que deve ter uma sensibilidade especial ao lidar com ‘materiais da fé’. ‘Escavando entre pedras, ruínas, objetos — explica o Pontífice — aprendemos que nada do que foi tocado pela fé é insignificante’. Cada pequena evidência merece atenção, não deve ser descartada. Assim, a arqueologia se torna ‘uma escola de sustentabilidade cultural e ecologia espiritual’, de ‘educação para o respeito pela matéria, pela memória, pela história’. Nada se joga fora, tudo se conserva e se decifra, porque por trás de cada achado há ‘o fôlego de uma época, o sentido de uma fé, o silêncio de uma oração. É um olhar — sublinha o Papa — que pode ensinar muito também à pastoral e à catequese de hoje’.

A arqueologia aliada da teologia

Com o suporte de instrumentos tecnológicos cada vez mais refinados, mesmo materiais considerados irrelevantes podem revelar sentidos profundos. ‘A arqueologia é também uma escola de esperança.’ Leão XIV recorda que, segundo a Constituição Apostólica Veritatis gaudium, a arqueologia, junto com a História da Igreja e a Patrologia, deve integrar as disciplinas fundamentais da formação teológica. A arqueologia não fala apenas de coisas, mas de pessoas; ajuda a compreender ‘como a revelação se encarnou na história, como o Evangelho encontrou palavras e formas dentro das culturas’. Assim, uma teologia que acolhe a arqueologia ‘escuta o corpo da Igreja, interroga suas feridas, lê seus sinais, deixa-se tocar por sua história’. É também uma forma de caridade : ‘um modo de fazer falar os silêncios da história, devolver dignidade a quem foi esquecido, trazer à luz a santidade anônima de tantos fiéis que construíram a Igreja’.

A missão evangelizadora

É também tarefa da arqueologia ajudar a Igreja a guardar viva a memória dos seus inícios, narrar a história da salvação também com imagens, formas e espaços. ‘Em um tempo que frequentemente perde as raízes, a arqueologia — afirma o Papa — torna-se instrumento precioso de uma evangelização que parte da verdade da história para abrir à esperança cristã e à novidade do Espírito.’ Ao olhar para o modo como o Evangelho foi acolhido no passado, a arqueologia impulsiona seu anúncio hoje, ajudando a alcançar os distantes e os jovens que buscam autenticidade. A arqueologia, destaca Leão XIV, é um ‘poderoso instrumento de diálogo; pode construir pontes entre mundos distantes, culturas diferentes, gerações; pode testemunhar que a fé cristã nunca foi uma realidade fechada, mas uma força dinâmica’.

Memória viva e reconciliada

Outra força da arqueologia é fazer perceber o vigor de uma existência que atravessa os séculos, ultrapassa a matéria e possui relevância específica na teologia da Revelação. Ela ilumina textos com testemunhos materiais, interroga fontes, completa-as e abre novas questões. Assim, uma teologia fiel à Revelação ‘deve — para o Papa — permanecer aberta à complexidade da história’, feita de desafios, conflitos, momentos de luz e escuridão. Cada aprofundamento do mistério da Igreja é um retorno às origens : não um culto ao passado, mas ‘memória viva’, ‘capacidade de fazer o passado falar ao presente’, discernindo o que o Espírito Santo suscitou na história. Isso gera ‘uma memória reconciliada’, capaz de reconhecer pluralidade e unidade na diversidade, tornando-se ‘lugar de escuta, espaço de diálogo, instrumento de discernimento’.

Não um saber elitista

O Papa recorda que o Pontifício Instituto de Arqueologia Cristã foi fundado em 1925 por Pio XI, no Jubileu da Paz; agora o centenário ocorre no Jubileu da Esperança — coincidência que abre horizontes para uma humanidade ferida por guerras. A fundação ocorreu em clima incerto, mas com coragem e visão. Ser fiel ao espírito fundador significa não fechar-se em um saber elitista, mas ‘compartilhar, divulgar, envolver’. Essencial, portanto, a comunhão com outras instituições dedicadas à arqueologia, como a Pontifícia Academia Romana de Arqueologia, a Pontifícia Comissão de Arqueologia Sacra e a Pontifícia Academia Cultorum Martyrum. Também com o Oriente cristão a arqueologia é terreno fecundo : catacumbas comuns, igrejas compartilhadas, práticas litúrgicas análogas, martirológios convergentes — patrimônios que devem ser valorizados conjuntamente.

Ministério de esperança

‘A Igreja é chamada a educar para a memória, e a arqueologia cristã é um dos seus instrumentos mais nobres. Não para refugiar-se no passado, mas para habitar o presente com consciência, construindo o futuro com raízes.’ A arqueologia, portanto, ‘é um ministério de esperança’, porque mostra que ‘a fé resistiu às perseguições, às crises, às mudanças’, renovando-se, reinventando-se, florescendo. ‘O Evangelho sempre teve uma força geradora’, e a esperança jamais falhou. Por fim, o Papa exorta à continuidade desse trabalho precioso, rigoroso, transmitido com paixão. ‘A arqueologia cristã é um serviço, uma vocação, uma forma de amor pela Igreja e pela humanidade. Sede fiéis ao sentido profundo do vosso compromisso : tornar visível o Verbo da vida, testemunhar que Deus se fez carne, que a salvação deixou marcas, que o Mistério se fez narrativa histórica.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2025-12/papa-leao-xiv-carta-apostolica-arqueologia-crista-11-12-2025.html

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