Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Ato promovido pela ONG Rio de Paz na praia de Copacabana, em repúdio à guerra no Oriente Médio e ao assassinato de milhares de crianças palestinas em Gaza. (Foto: Tânia Rego - Agência Brasil - 3.nov2023)
*Artigo de Flávia Odenheimer
‘Duas das principais pautas da política internacional após a posse do
presidente dos Estados Unidos em janeiro deste ano são a migração e a
Palestina. Desde o envio de imigrantes para bases militares e a deportação
em massa de residentes irregulares nos Estados Unidos até o plano de
limpeza étnica de Gaza com a expulsão dos palestinos para outros países
árabes, as ações de Trump refletem o fascismo latente dos últimos tempos e que
está em clara emersão. E sempre que há fascismo, ainda bem, há luta e
resistência. É fundamental àqueles que as compõem saber apontar aquilo que
reproduz lógicas de opressão dentro delas. Esse texto é uma tentativa de
mostrar, a partir de um caso específico, como o discurso de criminalização da
migração pode estar imbuído nos argumentos contra os sistemas de opressão,
questionando e complexificando a fala comum de que o problema da ocupação
e dos assentamentos na Palestina é que ‘os judeus não são de lá’.
É fundamental àqueles que as compõem saber apontar aquilo que reproduz lógicas de opressão dentro delas. Esse texto é uma tentativa de mostrar, a partir de um caso específico, como o discurso de criminalização da migração pode estar imbuído nos argumentos contra os sistemas de opressão, questionando e complexificando a fala comum de que o problema da ocupação e dos assentamentos na Palestina é que ‘os judeus não são de lá’.
O sionismo é um projeto colonial cujo objetivo claro é tomar a terra de
Israel e, retirando o povo palestino e promovendo imigração em massa, criar uma
maioria judaica no terrítório, estabelecendo um Estado judeu que supostamente
seria a única forma de o povo judeu estar em segurança – a falácia inicial.
Este processo se deu a partir da limpeza étnica em 1948 conhecida como Nakba,
catástrofe em árabe, que segue até hoje com a ocupação e os assentamentos na
Cisjordânia e com o cerco e o genocídio em Gaza. Além disso, dentro do território
israelense há um sistema de apartheid no qual pessoas palestinas têm menos
direitos do que pessoas judias de qualquer lugar do mundo.
Entendendo ‘Terra de Israel’ e ‘Estado de Israel’
É importante notar que Terra de Israel e Estado de Israel são coisas
completamente diferentes. A primeira é uma designação milenar da região, dada à
terra onde vivia o povo de Israel, sendo Israel o nome que recebe o patriarca
Jacó. Não é um território com fronteiras definidas e não é uma instituição, é
apenas a terra sagrada. O povo judeu sempre teve e tem uma conexão muito grande
com este lugar.
A segunda é uma invenção do movimento sionista que subverte essa relação
do povo judeu com a terra para colonizá-la. O sionismo se utiliza dessa conexão
e a deturpa para que o sentimento coletivo seja de que o objetivo do povo judeu
sempre foi ter um Estado seu na Terra de Israel. O povo palestino é colocado
como quem realmente ‘roubou a terra’ e a criação do Estado seria uma ‘retomada’.
Quando na verdade quem expulsou os judeus foram os romanos e os palestinos são
originários da Palestina. E a existência de palestinos e judeus no mesmo
território não precisam ser coisas mutuamente exclusivas. A Terra de Israel é
sagrada para o povo judeu. O Estado de Israel é a deturpação dos valores
judaicos.
Pensando em genealogias milenares, o povo judeu se originou em algum
momento da terra de Israel. Isto não significa que todas as pessoas judias têm
uma ancestralidade direta com pessoas originárias da região, mas sim que existe
uma origem de lá enquanto povo. O que é crucial na história toda é que isso não
justifica absolutamente nada.
A partir da destruição do segundo templo no ano 70, se inicia a diáspora
e as comunidades começam a entrelaçar as tradições judaicas com as culturas dos
países onde estão. Uma parte do povo judeu continua na Palestina e tem suas
histórias e tradições conectadas tanto com a sua religião quanto com a sua
cultura local. E, apesar das tentativas de apagamento da existência desta
identidade, são judeus palestinos, porque judeu e palestino não são categorias
opostas.
Criminalização da migração
O problema não é que os judeus ‘não sejam da Palestina’. Não que os
ashkenazim (judeus da europa central e do leste) não sejam europeus, porque
são. Não que os judeus de quaisquer outras partes do mundo não sejam de onde
são, porque são. Mas é prejudicial pautar como se todos os judeus não fossem da
região, simplificando a questão, e, principalmente, colocar que o problema da
questão toda é o ‘ser estrangeiro’.
Isso se cruza com o discurso da criminalização da migração. Esse ver o ‘estrangeiro’
como alguém que não pode estar lá, que veio de outro lugar e por isso não
pertence. Colocar o ‘estrangeiro’ como um ser prejudicial, que vem para tomar a
terra, que vem para roubar empregos, ou benefícios, ou espaço.
O problema não é não ser da terra, é estar colonizando, expulsando
pessoas, demolindo casas, destruindo comunidades, é o discurso de ‘a terra é
nossa porque nós somos os verdadeiros habitantes originais’. Migrar é um direito.
O foco da questão nunca deveria estar na migração em si, mas em como ela está
acontecendo e ao que ela está atrelada.
O povo judeu viveu um genocídio e os ashkenazim estavam em uma situação
absolutamente fragilizada na Europa. A migração da maioria foi por necessidade.
E o movimento sionista se aproveitou disso para fortalecer o seu projeto de
construção do Estado judeu na Palestina. Projeto que pressupõe que haja uma
maioria judaica no território – ou, para alguns, que ele seja exclusivamente
judeu.
Não importa que a justificativa dos próprios sionistas para a construção
desse Estado seja a justificativa falaciosa de que podem estar lá porque são ‘originários’,
o contra argumento não pode se basear em um discurso enraizado em uma opressão.
A luta contra o projeto sionista é fundamental. A luta contra a criminalização
da migração é fundamental. E também o é entender os nossos discursos e o que os
nossos argumentos realmente estão defendendo.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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