terça-feira, 30 de junho de 2020

'Tridentinos' deturpadores da mensagem de Bento XVI

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 Papa Bento XVI em viagem à Inglaterra, em 2010

*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,

jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras

credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé

 

‘É um texto que estou ensaiando para escrever faz tempo. Não somente para defender o papa emérito Bento XVI das várias instrumentalizações em torno da sua figura. Até porque seriam necessárias inúmeras laudas para fazê-lo. Entretanto, chegou a hora de denunciar essa rede de ‘seleção’ de documentos pontifícios que, desmembrados do seu contexto, causam estragos enormes. 

Hoje, em particular, falarei sobre a Summorum pontificum, documento de Bento XVI publicado em 2007, através do qual ele autorizou a retomada do rito tridentino, do século XVI. O texto foi publicado a partir da fórmula motu proprio; ou seja, quando o que está escrito expressa um desejo pessoal do pontífice. 

Interessante que, a partir daquele período, não por coincidência, começaram a surgir grupos que propunham outras versões a respeito do Concílio Vaticano II. No Brasil, essa proposta de releitura da assembleia foi conduzida por Padre Paulo Ricardo, sacerdote da arquidiocese de Cuiabá que é considerado uma espécie de ‘líder espiritual e intelectual’ desse movimento. 

Aos poucos, despontaram autores como o historiador italiano Roberto de Mattei – um crítico ferrenho do concílio –, que é citado frequentemente pelo sacerdote. O mesmo estudioso que, numa entrevista, chamou papa Francisco de ‘cripto-herege’, ou seja, um ‘herege dissimulado’. Desde o ano passado, De Mattei disponibiliza seus conteúdos em português, de modo que o público brasileiro – a quem ele se sente particularmente ligado – tenha acesso ao material. Para quem não sabe, ele se considera ‘um discípulo de Plínio Corrêa de Oliveira’, e exibe isso na descrição de sua página pessoal. Por causa do enorme sucesso no país – devido, em parte, à divulgação de padre Paulo Ricardo – editoras brasileiras já traduzem muitas de suas obras. 

A verdade é que essas interpretações, até então ‘inofensivas’, e antigamente mais restritas ao debate acadêmico, começaram a ganhar corpo e a incentivar a consolidação de ‘grupos de resistência pré-conciliar’, formados por leigos, padres e associações católicas. Algo que, nem de longe, Bento XVI pensava promover. O motu proprio de 2007, pelo contrário, visava ser um poderoso instrumento de diálogo. O papa alemão queria manifestar, mais uma vez, a sua ‘hermenêutica da continuidade’, que encontra parte de sua expressão na liturgia católica – e diga-se, não só na romana. 

Consta, efetivamente, que a liturgia latina da Igreja, nas suas várias formas, em todos os séculos da era cristã impulsionou na vida espiritual numerosos santos e reforçou muitos povos na virtude da religião e fecundou a sua piedade’, disse ele. Nota-se : ‘nas suas várias formas’. Algo que não parecem levar em consideração, ou, intencionalmente, preferem suprimir. 

Ora, sendo assim, quem é um promotor exclusivo da celebração da forma extraordinária do rito romano – termo que Bento XVI fez questão de utilizar para diferenciá-la do 'rito vigente' –, desconsidera as reais definições e propostas do documento de Ratzinger. 

O missal romano promulgado por  Paulo VI é a expressão ordinária da lex orandi (norma de oração) da Igreja Católica de rito latino. Contudo o missal romano promulgado por São Pio V e reeditado pelo Beato João XXIII deve ser considerado como expressão extraordinária da mesma lex orandi’. 

Por se tratar de uma ‘forma extraordinária’, o pontífice também fez um alerta em relação à frequência de tais celebrações. 

Se uma comunidade individualmente ou todo um instituto ou sociedade quiser realizar, de modo frequente, habitual ou permanente, tais celebrações, o caso deve ser decidido pelos superiores maiores, segundo as normas do direito e as regras e os estatutos particulares’. 

E  chegou a dizer que a promoção da missa tridentina não poderia se tornar um instrumento de divisão entre os fiéis : 

‘Providencie para que o bem destes fiéis se harmonize com o cuidado pastoral ordinário da paróquia, sob a orientação do bispo, como previsto no cân. 392, evitando a discórdia e favorecendo a unidade de toda a Igreja’. 

A intenção foi clara : reaproximar os cismáticos da Fraternidade Pio X, que promovem a liturgia pré-conciliar – entre outras coisas –, e mostrar aos católicos a pluralidade do rito romano; porém, não em detrimento da liturgia pós-conciliar ou novus ordo, que é justamente a forma ordinária do rito romano. Há quem diga que foi uma forma de incentivar os católicos a celebrar melhor o rito aprovado pelo concílio, de modo que ambas as formas de celebração pudessem enriquecer-se mutuamente. E é verdade. 

Em 2001, num evento realizado na abadia de Fontgombault (França) – que inclusive contou com a participação do De Mattei, citado acima –, o então cardeal Joseph Ratzinger já refletia sobre a mudança, a qual teria sido feita por ele 6 anos depois, ‘após uma série de estudos e consultas’, como ele mesmo frisou. No entanto, na ocasião – quase que de maneira profética –, ele não escondeu uma certa preocupação com as consequências desse tipo de aprovação, a qual poderia gerar um ‘dualismo litúrgico’ e atritos com a hierarquia católica, esvaziando completamente a natureza da sua proposta. 

Como conciliar o uso dos dois ritos? [...] Devemos, porém, estudar para ver se é possível consentir e conservar para a igreja o tesouro do antigo missal [...]. Mas há um problema muito real : se a eclesialidade se tornar uma questão de livre escolha, se existirem 'igrejas rituais' segundo um critério de subjetividade, isso pode criar um problema. A Igreja é constituída de bispos sucessores dos apóstolos que atuam em suas respectivas igrejas locais. Portanto, eles agem a partir de um critério objetivo. Estou nesta igreja local e 'não procuro meus amigos', mas encontro meus irmãos e minhas irmãs; não os procuramos, os encontramos. Não é uma igreja 'que eu escolho', mas a que se apresenta a mim. E é um princípio muito importante. Estou na igreja comum, com os pobres, os ricos, os compreensivos, os antipáticos; com intelectuais e estúpidos. Estou na igreja que me precede. Ora, abrir a possibilidade de escolher sua igreja 'à la carte' poderia danificar a estrutura da Igreja’, ressaltou.’ 


 Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1455758/2020/06/tridentinos-deturpadores-da-mensagem-de-bento-xvi/

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Astrônomo do Vaticano se torna o 11º jesuíta que dá nome a um asteroide

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

  O padre jesuíta Chris Corbally, astrônomo do Observatório do Vaticano, celebra a missa para os membros da Oficina de Fé e Astronomia da instituição no Centro de Renovação Redentorista 13 de janeiro de 2016, em Tucson, Arizona

O padre jesuíta Chris Corbally, astrônomo do Observatório do Vaticano, celebra a missa para os membros da Oficina de Fé e Astronomia da instituição no Centro de Renovação Redentorista 13 de janeiro de 2016, em Tucson, Arizona

*Artigo de Dennis Sadowski,

publicado originalmente por Crux

Tradução : Ramón Lara

 

‘Mais um jesuíta passou a ter um asteroide com seu nome. O padre Chris Corbally, um astrônomo estelar do Observatório do Vaticano, teve seu nome associado a um corpo rochoso no cinturão de asteroides que orbita o sol em pouco menos de quatro anos. 

A honra foi uma surpresa, disse Corbally. ‘Eu não sou o tipo de asteroide’, como outros dos seus colegas do observatório, disse . ‘Para mim, foi uma completa surpresa. É uma maravilha’. 

O asteroide em particular, designado com o código 119248 Corbally, tem mais de 1,6 metros. Foi descoberto em 10 de setembro de 2001 por Roy Tucker, um engenheiro sênior recém-aposentado do Imaging Technology Laboratory da Universidade do Arizona. 

Tucker trabalhou extensivamente com os astrônomos do Vaticano. Seu trabalho incluiu a construção e manutenção de câmeras de dispositivos acoplados a carga, usadas para imagens digitais de objetos celestes no Laboratório de Tecnologia Avançada do Vaticano, bem como em telescópios usados por Corbally no Observatório Steward da Universidade do Arizona. 

Nomear um asteroide requer a aprovação de um comitê da União Astronômica Internacional (IAU). Uma vez nomeado, uma breve citação sobre a pessoa que está sendo homenageada é publicada em uma circular do Minor Planet Center da IAU. 

Os asteroides são pequenos corpos rochosos que orbitam o sol. Milhares deles estão localizados no cinturão de asteroides entre as órbitas de Marte e Júpiter. Mas alguns têm órbitas que os levam a outros locais do sistema solar. 

Nascido em Londres, Corbally, 74 anos, trabalha na equipe do Observatório do Vaticano desde 1983. Ele ingressou no observatório após concluir o doutorado em astronomia pela Universidade de Toronto. Foi vice-diretor do Grupo de Pesquisa do Observatório do Vaticano até 2012. 

Corbally tem uma ampla gama de interesses de pesquisa. Eles abrangem vários sistemas estelares, classificação espectral estelar, atividade em estrelas do tipo solar, estrutura galáctica e regiões de formação estelar e tecnologia de telescópios. 

Eu sou um homem muito das estrelas. Mas percebendo que as estrelas estão em nossa galáxia, também estou interessado na estrutura da galáxia e na história das populações de estrelas nela. Minha maneira de investigar tudo isso é através das estrelas individuais’, disse o astrônomo. 

A pesquisa atual do jesuíta concentra-se nas características da senciência humana no contexto da evolução. [A senciência é a capacidade de sentir, de entender ou de perceber algo por meio dos sentidos. Alguns biólogos acreditam na senciência dos golfinhos]. 

Uma pesquisa do Observatório do Vaticano descobriu pelo menos 10 asteroides com nomes de jesuítas, incluindo Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus.  

Outros asteroides foram nomeados com os nomes de jesuítas contemporâneos de Corbally : o irmão Guy Consolmagno, diretor do Observatório do Vaticano e presidente de sua fundação, o padre Richard Boyle e o padre Jean Baptiste Kikwaya, astrônomos do observatório, e o padre Robert Macke, cientista pesquisador e curador de meteoritos do observatório.  

Além disso, outros asteroides foram nomeados pelo padre George Coyne, o diretor do observatório que morreu no dia 11 de fevereiro deste ano; o padre Christopher Claviu, cujas medidas matemáticas ajudaram a desenvolver o calendário gregoriano; o padre Roggiero Boscovich, um matemático do século 18; o padre Maximilian Hell, que determinou o paralaxe solar a partir das observações de Vênus enquanto transitava em frente ao sol em 1769; e o padre Angelo Secchi, diretor do observatório do Colégio Romano durante o século 19.’ 

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1456067/2020/06/astronomo-do-vaticano-se-torna-o-11-jesuita-que-da-nome-a-um-asteroide/


sábado, 27 de junho de 2020

Pedro e Paulo : duas referências inspiradoras no seguimento de Jesus

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 Simão e Saulo passaram por uma profunda transformação a partir do encontro com a pessoa de Jesus Cristo, tornado-se Pedro e Paulo

Simão e Saulo passaram por uma profunda transformação a partir do encontro com a pessoa de Jesus Cristo, tornado-se Pedro e Paulo

*Artigo d0 Padre Adroaldo Palaoro, SJ

‘Os acontecimentos e, sobretudo, as pessoas que encontramos ao longo da existência, são os que vão nos fazendo passar por contínuas transformações. Por isso, quando narramos nossa história de vida, quase sempre mencionamos alguém em particular que nos marcou profundamente. Já não somos mais os mesmos depois de ter conhecido certas pessoas que se tornaram especiais. Nosso olhar e nossa memória retornam a elas frequentemente, por sua constante inspiração e companhia. 

Por isso, a pergunta que Jesus dirige aos discípulos não é superficial : ‘E vós, quem dizeis que eu sou?’. Esta é a questão, a grande pergunta de Jesus que continua ressoando em todos nós, seus(suas) seguidores(as). Dependendo da resposta que damos, isso terá implicações profundas em nossa existência : a centralidade do modo de ser e de agir de Jesus em nossos compromissos, a ressonância de suas palavras em nossa vida, a sintonia com suas grandes opções, a sensibilidade diante dos mais pobres e excluídos, a nova relação com o Pai... Em outras palavras, o encontro com a identidade de Jesus desvela nossa verdadeira identidade e, por isso mesmo, nosso modo de ser e de agir serão cristificados. 

Segundo o Evangelho deste domingo, só reconhecendo a identidade de Jesus estaremos capacitados para escutar o que ele tem a nos dizer. Por isso, quando Pedro declarou quem era de verdade aquele a quem tinham seguido, o Senhor mudou seu nome – ‘tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja’. Só Jesus conhece bem quem somos e o que podemos realizar. 

O ser humano é um ser chamado. Chegamos a ser nós mesmos graças ao chamado, ao olhar, à palavra de outro. E na palavra e no chamado que vem de Jesus, vamos percebendo que o mistério de Deus, totalmente outro e absolutamente íntimo, nos envolve e nos fundamenta. 

Não podemos definir Jesus com dogmas e doutrinas, mas também não podemos deixar de nos perguntar : ‘quem é este homem Jesus?’. Toda tentativa de responder com fórmulas fechadas não solucionará o problema. A resposta deve ser vivencial, não teórica : ‘quê dizes tua vida de mim?’, pergunta Jesus. 

Nossa vida, enquanto seguidores(as), é a que deve dizer quem é Jesus para nós. Do esforço dos primeiros cristãos por compreender Jesus devemos fazer nossas as perguntas que foram feitas, não as respostas que deram. Por mais informações que recebamos sobre ele, por mais normas morais e ritos que aprendamos e pratiquemos, se ninguém nos convida, com sua vida, a prolongar o estilo de vida de Jesus, tudo permanecerá superficial e em nada nos enriquece. 

Dar por definitivas as respostas dos primeiros concílios acabam nos afundando na rotina da repetição de fórmulas. O decisivo é descobrir a qualidade humana de Jesus e deixar que ele desvele o que há de mais humano em cada um de nós. Afinal, o centro da missão do Mestre de Nazaré está em ajudar a sermos um pouco mais humanos, sobretudo nas relações com os outros e com o Pai. 

Se cremos que o importante é a resposta, que já está dada, todos permanecemos em paz e acomodados – isso é grave. Hoje sabemos que o importante é que continuemos fazendo-nos a pergunta. A resposta nos paralisa; a pergunta nos mantém acesos e criativos, pois esta tem impacto no modo cristificado de viver. 

Uma fé, vivida sem perguntas, acaba se esvaziando daquele mesmo impulso vital de Jesus. Somos seguidores(as) de uma Pessoa (Jesus Cristo) e não de respostas teológicas. 

Nossa fé cristã hoje é a mesma de Pedro e de Paulo : seguir Jesus Cristo e, em nossa maneira de viver, oferecer o Evangelho a todos. Assim, compreende-se que a Igreja celebre Pedro e Paulo numa única festa. E, por isso, não devemos nos escandalizar se, com frequência, na Igreja aflore o Simão, ao invés de Pedro : as ânsias de triunfalismos, busca de poder, medos na hora da perseguição... Também não podemos nos escandalizar se, com frequência, aflore o Saulo, ao invés de Paulo : fechamento nas próprias ideias e convicções, desembocando na intolerância, no dogmatismo e na violência, inclusive física. 

Estes dois grandes personagens (Simão e Saulo) passaram por uma profunda transformação, a partir do encontro com a pessoa de Jesus Cristo. Foi um processo lento, sendo lapidados pela graça de Deus até redescobrirem uma nova identidade escondida debaixo das cinzas do auto-centramento e da prepotência, identidade que agora se expressa em novos nomes : Pedro e Paulo. 

Como distinguir, na Igreja, Simão de Pedro? Como distinguir Saulo de Paulo? Onde estão as fronteiras, se, ao mesmo tempo, Simão é Pedro e Pedro é Simão? Onde estão os limites, se, ao mesmo tempo, Saulo é Paulo e Paulo é Saulo? 

Estes dois personagens nos fazem ter acesso à nossa condição humana : somos barro, frágeis, inconstantes... mas carregamos um tesouro que nos dignifica. Nas profundezas de nosso ser, há um Pedro e um Paulo escondidos, esperando uma oportunidade para se manifestar. Exteriormente, talvez tenhamos sido muito mais Simão e Saulo, mas, o que decide nossa vida, é a nossa interioridade, morada do Pedro e do Paulo. É ali que a Graça de Deus trabalha em nós, fazendo emergir, junto a estes dois personagens, o que é mais nobre e mais divino em nós. Deus, na sua eterna paciência, espera momentos especiais para dar o seu ‘toque’ em nosso eu profundo, e assim despertar o Pedro e Paulo que ainda dormem. 

Diante de nós está Jesus Cristo para nos dar a ‘chave’ como a deu a Pedro : ela nos facilitará o acesso ao mistério insondável da Vida. Na perspectiva bíblica ?céus? significa vida em profundidade, vida expansiva, vida que nunca se acaba. Como dinamismo humanizador, a chave da interioridade é mola mestra que movimenta grandes intuições e sonhos, retira-nos do individualismo, cultiva a solidariedade, corrige rotas de vida, excita a imaginação, realça o poder criativo... 

Temos em nossas mãos as chaves da vida. O que fazemos com elas? Podemos abrir ou fechar, ligar ou desligar, atar ou desatar... ‘Ter a chave da vida’ : abrir ou fechar as portas do futuro, das relações, dos sonhos, da missão... Dar direção à vida. Atar e desatar os nós que bloqueiam o fluir da vida.... Aqui está o grande desafio : abrir-nos ou fechar-nos; abrir-nos à vida, ao novo, ao outro, ao desafiante ou diferente... ou fechar-nos no medo, no conhecido, no rotineiro. 

Deus confiou e colocou em nossas mãos a ‘chave da vida’. Ele não impõe, não obriga. Corre o risco de nos criar livres. Aqui está nossa grandeza, enquanto seres humanos : optar por uma vida aberta ou fechada, ser nó ou desatar, ligar ou desligar, expandir ou retrair... 

Sempre há o perigo de construir, dentro de nós, um condomínio onde portas se fecham, chaves se perdem, segredos são esquecidos e, com isso, mergulhamos na mais profunda solidão. 

Nossa própria interioridade é a rocha consistente e firme (‘tu és Pedro’), bem talhada e preciosa que cada um de nós tem, para encontrar segurança e caminhar na vida superando os desafios e as inevitáveis resistências na vivência do seguimento de Jesus. 

É no ‘eu mais profundo’ que as forças vitais se acham disponíveis para nos ajudar a crescer no dia-a-dia, tornando-nos aquilo para o qual fomos chamados a ser. Trata-se da dimensão mais verdadeira de nós mesmos, a sede das decisões vitais, o lugar das riquezas pessoais, onde vivemos o melhor de nós mesmos, onde se encontram os dinamismos do nosso crescimento, de onde partem as nossas aspirações e desejos fundamentais, onde percebemos as dimensões do Absoluto e do Infinito da nossa vida. 

Texto bíblico : Mt 16,13-19

Na oração : A oração torna-nos diáfanos (transparentes). Ela deixa transparecer o Simão e o Pedro de nossa interioridade. Ela desvela o Saulo e o Paulo que atuam em nós.

A interioridade é espaço aberto, onde, a intimidade com Deus não anula nossa personalidade, mas nos capacita a fazer uma contínua passagem do Simão para o Pedro, do Saulo para o Paulo?

  • O que tem predominado em sua vida : Simão ou Pedro? Saulo ou Paulo?’

  

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1454639/2020/06/pedro-e-paulo-duas-referencias-inspiradoras-no-seguimento-de-jesus/


sexta-feira, 26 de junho de 2020

Por que os católicos rezam o Terço?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

ROSARY 

*Artigo de Karna Swanson,

jornalista

 

‘Durante séculos, a Igreja intensificou a oração do Terço, ou Rosário, nos momentos de luta. São Domingos considerava o Terço uma arma espiritual, e os Papas chamavam Maria de ‘vencedora das heresias’, invocando a sua ajuda para combater questões que vão do catarismo ao comunismo.

 Origem do Terço

 A devoção ao Terço foi se desenvolvendo lentamente ao longo de cerca de 500 anos.

 Trata-se de uma oração constituída pela recitação de ave-marias, em grupos de dez, sendo cada grupo precedido por um pai-nosso e concluído com um glória. Durante o rosário, meditam-se os mistérios da vida de Cristo e de Maria.

 A tradição popular atribui a origem do Terço a São Domingos (1170-1221), mas as pesquisas históricas mostram que esta devoção foi se desenvolvendo lentamente ao longo do tempo.

 O próprio São João Paulo II parece afirmar isto em sua carta ‘Rosarium Virginis Mariae' (2002), que começa recordando que o Terço ‘foi gradualmente tomando forma no segundo milênio, sob a guia do Espírito de Deus’.

 Ainda que não se saiba exatamente qual é a história do início do Terço, o pe. Etienne Richer explica, em ‘Mariology’, que, no final do século XI, ou seja, quase um século antes de São Domingos, ‘já se conhecia e praticava uma devoção mariana caracterizada por numerosas ave-marias, com prostrações rítmicas em honra de Nossa Senhora, primeiro em comemoração das suas alegrias e, depois, em recordação dos seus sofrimentos’. O nome ‘Rosário’ surgiu associado a esta prática.

 Formato atual

 Na mesma época, irmãos e monges cistercienses que não conseguiam memorizar os 150 salmos que a sua ordem rezava toda semana, teriam recitado 150 pai-nossos. Os leigos teriam logo copiado essa forma de rezar, mas substituindo o pai-nosso pela ave-maria. O nome dado a essa devoção foi ‘Saltério de Maria’.

 Por volta do ano 1200, conta-se que Nossa Senhora apareceu a São Domingos e lhe disse : ‘Reza o meu saltério e ensina-o às pessoas. Esta oração nunca falhará’.

 São Domingos difundiu a devoção ao Saltério de Maria e, como afirma o pe. Richter, esta devoção foi ‘incorporada de forma divina à vocação pessoal de São Domingos’.

 Nas décadas posteriores, o Terço e o saltério de Maria convergiram e a devoção assumiu a forma específica popularizada ao longo dos séculos seguintes : as 150 ave-marias, divididas originalmente em três conjuntos de mistérios (os gozosos, os dolorosos e os gloriosos; daí o nome ‘terço’, que remete a cada uma das três partes do rosário completo), sendo cada terço subdividido em 5 dezenas de ave-marias (cada dezena equivalendo à contemplação de um mistério da fé), com o pai-nosso inserido entre as dezenas.

 Papa João Paulo II

 Em 2002, São João Paulo II acrescentou mais cinco mistérios ao Rosário, os chamados ‘mistérios luminosos’. Ele propôs tais mistérios para ‘mostrar plenamente a profundidade cristológica do terço’, incluindo ‘os mistérios do ministério público de Cristo entre o seu Batismo e a sua Paixão’. Apesar da mudança que agora subdivide o Rosário em quatro partes e não mais em três, a devoção continua sendo chamada popularmente de ‘Terço’.

 Orientações da Igreja Católica

 Desde o século XII, a Igreja Católica intensificou a oração do Terço nos momentos de dificuldade e tribulação. Em 1569, São Pio V consagrou oficialmente o Terço, atribuindo à sua recitação a destruição da heresia e a conversão de muitos pecadores.

 Ele pediu aos fiéis que rezassem o Terço naquela época ‘de tantas heresias, gravemente perturbada e aflita por tantas guerras e pela depravação moral dos homens’ – nem tão diferente da nossa própria época.

 O prolífico papa Leão XIII (1878-1903), conhecido sobretudo pelas suas encíclicas sobre questões sociais, especialmente a Rerum Novarum (1891), sobre as condições do trabalho humano, escreveu pelo menos 16 documentos sobre o terço, incluindo 12 encíclicas.

 O ‘Papa do Terço’ escreveu a sua primeira encíclica sobre esta oração em 1883, no 25º aniversário das aparições de Lourdes. Ele recorda o papel de São Domingos e como a oração do terço ajudou a derrotar os hereges albigenses no sul da França, nos séculos XII e XIII.

 São Domingos, dizia o Papa, ‘atacou intrepidamente os inimigos da Igreja católica não pela força das armas, mas confiando totalmente na devoção que ele foi o primeiro em instituir com o nome de Santo TerçoGuiado pela inspiração e pela graça divinas, previu que esta devoção, como a mais poderosa arma de guerra, seria o meio para colocar o inimigo em fuga e para confundir a sua audácia e louca impiedade’.

 Arma espiritual

 Também falou sobre a eficácia e poder do terço na histórica batalha de Lepanto, entre as forças cristãs e muçulmanas, em 1521.

 As forças islâmicas haviam avançado rumo à Espanha e, quando estavam a ponto de superar as cristãs, o Papa Pio V fez um apelo aos fiéis para que rezassem o terço.

 Os cristãos venceram, e, como homenagem por esta vitória, o Papa declarou Maria a ‘Senhora da Vitória’, estabelecendo sua festa no dia 7 de outubro, dia do Santo Terço.

 Voltando à necessidade do terço em sua época, o Papa escreveu : ‘É muito doloroso e lamentável ver tantas almas resgatadas por Jesus Cristo arrancadas da salvação pelo furacão de um século extraviado e lançadas ao abismo e à morte eterna. Em nossa época, temos tanta necessidade do auxílio divino quanto na época em que o grande Domingos levantou o estandarte do Terço de Maria, a fim de curar os males do seu tempo’.

 Pio XI (1922-1939) dedicou sua última encíclica, ‘Ingravescentibus malis’, também ao terço. Foi em 1937, o mesmo ano em que escreveu a famosa ‘Mit brennender Sorge’, na qual criticava os nazistas, e a ‘Divini Redemptoris’, na qual denunciava que o comunismo ateu ‘pretende derrubar radicalmente a ordem social e socavar os próprios fundamentos da civilização cristã’.

 Criticando o espírito da época e o ‘seu orgulho depreciativo’, o Papa disse que o terço é uma oração que tem ‘o perfume da simplicidade evangélica’, que requer humildade de espírito. Ele escreveu :

 Uma inumerável multidão, de homens santos de toda idade e condição, sempre o estimou. Rezaram-no com grande devoção e em todo momento o usaram como arma poderosíssima para afugentar os demônios, para conservar a vida íntegra, para adquirir mais facilmente a virtude; enfim, para a consecução da verdadeira paz entre os homens’.

 Em 1951, Pio XII (1939-1958) escreveu a ‘Ingruentium malorum’, sobre a oração do terço : ‘Categoricamente, não hesitamos em afirmar em público que depositamos grande esperança no Rosário de nossa Senhora como remédio dos males do nosso tempo. Porque não é pela força, nem pelas armas, nem pelo poder humano, mas sim pelo auxílio alcançado por meio dessa devoção, que a Igreja, munida desta espécie de funda de Davi, consegue impávida afrontar o inimigo infernal’.

 Papa Bento XVI

 Em 1985, o então cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e posteriormente eleito Papa Bento XVI, admitiu no livro-entrevista ‘Informe sobre a Fé’, com Vittorio Messori, achar que a declaração de que Maria é ‘a vencedora de todas as heresias’ era um pouco ‘exagerada’.

 Ele explicou que, ‘quando eu ainda era um jovem teólogo, antes das sessões do Concílio (e também durante elas), como aconteceu e acontece hoje com muitos, tinha algumas reservas sobre certas fórmulas antigas, como, por exemplo, aquela famosa ‘De Maria nunquam satis’ [de Maria nunca se dirá o bastante]’.

 É oportuno observar que Joseph Ratzinger cresceu num ambiente muito mariano. No livro ‘Meu irmão, o Papa’, o pe. George Ratzinger, irmão mais velho de Joseph, comenta que seus avós se casaram no Santuário de Nossa Senhora de Absam e que seus pais se conheceram por meio de um anúncio que o pai tinha colocado (duas vezes) no jornal do santuário mariano de Altotting.

 Os Ratzinger rezavam o terço juntos muitas vezes e, no mês de maio, participavam de numerosas celebrações ligadas a Maria e ao terço.

 No entanto, apesar da familiaridade com Maria e da sincera devoção mariana, ele não parecia convencido. Como ele mesmo explica no livro-entrevista, o então cardeal prefeito desse importantíssimo dicastério vaticano passou por uma pequena conversão.

 Hoje, neste confuso período, em que todo tipo de desvio herético parece se amontoar às portas da fé católica, compreendo que não se trata de exageros de almas devotas, mas de uma verdade hoje mais forte do que nunca’.

 É necessário voltar a Maria se quisermos voltar à verdade sobre Jesus Cristo, à verdade sobre a Igreja e à verdade sobre o homem.

A oração do terço nos permite fixar o olhar e o coração em Jesus, como sua Mãe, modelo insuperável da contemplação do Filho’, disse Bento XVI em 12 de maio de 2010, no Santuário de Nossa Senhora de Fátima.

Ao meditarmos os mistérios gozosos, luminosos, dolorosos e gloriosos ao longo das ave-marias, contemplamos todo o mistério de Jesus, desde a Encarnação até a Cruz e a glória da Ressurreição; contemplamos a participação íntima de Maria neste mistério e a nossa vida em Cristo hoje, também ela tecida de momentos de alegria e de dor, de sombras e de luz, de trepidação e de esperança’.

A graça invade o nosso coração no desejo de uma incisiva e evangélica mudança de vida, de modo a poder proclamar com São Paulo : ‘Para mim viver é Cristo’ (Flp 1, 21), numa comunhão de vida e de destino com Cristo’, finaliza.’ 

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2020/06/24/por-que-os-catolicos-rezam-o-rosario/


quarta-feira, 24 de junho de 2020

Piadas católicas : o absoluto silêncio dos monges

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 

 *Artigo da Redação da Aleteia


‘Um jovem acomodado, mas insatisfeito com o seu mundinho fútil e desregrado, decidiu largar tudo e entrar num mosteiro de intensa vida contemplativa e rígido silêncio absoluto.

 No primeiro dia, o prior lhe explicou uma das regras disciplinares mais importantes da comunidade : ele não poderia falar absolutamente nada, com ninguém – só com Deus. Haveria unicamente uma exceção : de 10 em 10 anos, ele poderia comunicar-se com o prior durante um máximo de 10 segundos.

 Passados 10 anos de completo silêncio, o prior indicou que o monge poderia falar com ele durante 10 segundos. O monge então comentou :

 Padre, tenho fome’.

 Exortado a oferecer o jejum em sacrifício a Deus, ele retomou os estudos e o trabalho em silêncio absoluto.

 Passados outros 10 anos de silêncio profundo e inquebrantável, o prior voltou a indicar ao monge que ele poderia falar durante mais 10 segundos. O monge disse então :

 Padre, tenho frio’.

 Convidado a abraçar de coração a abnegação e a disciplina da vontade, o monge retomou o seu intensamente silencioso trabalho e estudo.

 Mais 10 anos se passaram e, conforme a tradição, o prior chamou o monge para lhe falar durante os 10 segundos autorizados para aquela década. E o monge declarou :

 Padre, eu desisto!

 O prior balançou a cabeça e respondeu :

Eu sabia que isso acabaria acontecendo. Nos últimos 30 anos, só ouvi você reclamar!

 * * *

 Piadas à parte, a vocação à vida contemplativa pode mesmo parecer ‘absurda’ para muita gente em nossa sociedade doente de barulho e caos. Não é, certamente, uma vocação comum – mas sabemos que ‘o Espírito sopra onde quer’, e entender um pouco mais dessa vocação misteriosa e intrigante pode nos revelar maravilhas sobre o chamado de Deus à alma. Uma das ordens religiosas que mais prezam o silêncio contemplativo é a dos cartuxos, cujos mil anos de existência continuam despertando assombro e fascínio :

 Cartuxos: a fascinante ordem religiosa mais austera e silenciosa do mundo 


Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2018/02/22/piadas-catolicas-o-absoluto-silencio-dos-monges/?fbclid=IwAR3WFSUVWS9IOVRScpmoQ_-_ULGziaaNTyrg8YPH2a-OMFjaePxWdu_Isl8

 

terça-feira, 23 de junho de 2020

“Situação no Norte de Moçambique é uma catástrofe sem fim à vista”, denuncia missionário

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 P. Alberto Tchindemba com os deslocados pelos ataques armados no norte de Moçambique

Padre Alberto Tchindemba com os deslocados pelos ataques armados no norte de Moçambique 

*Artigo do Padre Tony Neves, Espiritano


O norte de Moçambique está a ferro e fogo. É uma catástrofe sem fim à vista, que se vem abatendo já há algum tempo sobre populações indefesas e que ninguém parece querer defender.

 

‘O Missionário Espiritano fala também daqueles que, como o Bispo da Diocese, D. Luiz Fernando Lisboa, têm tido a coragem de denunciar e anunciar o advento de tempos melhores. D. Luiz Fernando Lisboa, ‘o corajoso Bispo de Pemba’, tem sido a voz mais amplificada, a partir das aldeias e vilas daquele norte invadido por forças que se atribuem ao auto-proclamado Estado Islâmico que mais não têm feito, por onde passam, que matar, destruir, raptar e queimar, semeando o pânico, refere o sacerdote. Pelas suas intervenções corajosas, no terreno e pela mídia, D. Luiz tem feito ecoar os seus gritos pelo mundo inteiro, reitera o Padre Tony Neves.

 Solidariedade dos Bispos

 Os Bispos de Moçambique, reunidos em Assembleia, denunciaram ‘o recrudescimento dos ataques no norte do país’ e mostraram uma comunhão total com as populações de Cabo Delgado. No Comunicado Final, datado 13 de junho, os Bispos deploram ‘os atos de barbárie’ ali praticados.

 Também enviaram uma Carta às populações de Cabo Delgado, elogiando a missão do Bispo, D. Luiz, que tem sido ‘a voz do Pastor que alerta sobre a presença de lobos que põem em perigo o rebanho’… e ‘é o grande promotor de uma resposta urgente a esta tragédia’.

 Deslocados em Pemba, Nacala e Nampula

 Felizmente, prossegue o sacerdote, a mídia mídia portuguesa tem amplificado estas vozes de denúncia da tragédia vivida por um povo pobre que, nesta altura, anda por aí à deriva e à fome, sendo já alguns milhares os deslocados, em Pemba, Nacala e Nampula, segundo notícias fidedignas que chegam daquelas paragens. É importante não dar descanso midiático a estes senhores da violência e da morte, com as suas agendas escondidas, exorta Tony Neves.

 Atrás do gás com conivência de autoridades locais

 Dizem alguns analistas que este grupo fundamentalista armado vem atrás do gás que é riqueza a explorar naquele norte de Moçambique. E, pelo que se vai sabendo, há autoridades locais coniventes, a fazer o jogo destes bandos armados, contrariando as políticas oficiais do governo moçambicano.

 Apelos do Papa Francisco pela paz na região

 O Papa Francisco tem multiplicado apelos pela paz naquela região, tendo já citado este caso particular numa das suas intervenções públicas no Vaticano. Agora foi a vez de António Guterres, Secretário-Geral da ONU, a falar com o presidente de Moçambique para estudar formas de resolver a situação ou, pelo menos, minorar os efeitos dramáticos destes ataques, apoiando as populações em fuga.

 Dezenas de mortos, aldeias e conventos destruídos

 O símbolo mais terrível dos ataques destes bandos armados é a povoação de Macomia que foi totalmente destruída, tendo parte da população conseguido fugir. Os conventos das Irmãs Carmelitas e dos Beneditinos também foram atacados, podendo os religiosos fugir a tempo, antes de serem maltratados.

 Igualmente de arrepiar são as descrições do massacre feito em abril na aldeia de Xitati, onde foram mortos 52 jovens e boa parte dos moradores torturados. Segundo testemunhas, os grupos armados queriam recrutar jovens para as suas fileiras e decapitaram ou mataram aqueles que tentaram resistir. Jovens de Cabo Delgado acabariam por escrever uma carta aberta ao presidente da República, fazendo denúncias muito graves sobre a situação.

 Guerra civil, pobreza, abandono, calamidades ...

 A vida destes moçambicanos do norte já estava complicada há muitos anos. Primeiro, pela guerra civil; depois pela pobreza e abandono a que sempre foram votados pelo governo central; a cólera tem feito muitas vítimas; no ano passado, veio o furacão Keneth que quase tudo levou; e, nos últimos anos, estes grupos armados; finalmente, os ataques da Covid 19, ainda com resultados difíceis de calcular! São muitos dramas juntos …

 Acompanho de perto, com preocupação e dor, o que ali se passa, através dos Espiritanos que vivem em Missões nas Dioceses vizinhas de Nampula e Nacala que estão a receber deslocados e a viver nestes contextos de grande instabilidade. As conversas que vou mantendo com eles mostram a sua dedicação total ao povo, mas muita incapacidade de resolver os problemas dramáticos que vitimam estas populações indefesas.

 Apoio de missionários

 O P. Alberto Tchindemba, Superior dos Espiritanos de Moçambique, faz parte de uma equipe missionária que o Arcebispo de Nampula nomeou para apoiar os deslocados que chegam a esta capital de Província e engrossam as já grandes famílias, bem como aumentam os problemas acrescentados pela chegada da Covido-19. Confessa que as distribuições de bens de primeira necessidade nunca chegam para todos os necessitados e teme que a pandemia se aproveite destes ajuntamentos familiares enormes para multiplicar contágios e semear morte, sobretudo nas imensas e pobres periferias desta grande cidade.

 O Instituto Nacional de Gestão de Calamidades publicou o número oficial de deslocados que chegaram à Província de Nampula : ao todo, 2228, espalhados por sete distritos! Também na Diocese de Nacala, o Secretariado de Pastoral, coordenado pelo P. Raul Viana, está a trabalhar neste apoio aos deslocados.

 Devemos gritar alto contra violações de direitos humanos

 Não podemos cruzar os braços. Temos que gritar alto contra estas violações frontais dos direitos humanos. E mais : temos de ser solidários e partilhar o que temos para que estes pobres sobrevivam e abram caminhos de esperança rumo a um futuro de paz e de justiça.’


Fonte : *Artigo na íntegra https://www.vaticannews.va/pt/africa/news/2020-06/situacao-no-norte-de-mocambique-e-uma-catastrofe-sem-fim-a-vist.html