sábado, 30 de março de 2013

A natureza da Ressurreição e o seu significado histórico


p/ Maria Vanda A. da Silva
(Ir. Maria Silvia Obl. OSB)
              


A matéria que se expõe a seguir foi colhida da obra Jesus de Nazaré (Parte II), de autoria do insigne Joseph Ratzinger (Papa Emérito Bento XVI ).

Exortamos os visitantes à leitura do título integral que é de imenso proveito. Por motivo de espaço, publicaremos, apenas à apreciação final do Capítulo IX, da obra, feito pelo seu autor.

                             “Numa espécie de síntese, questionemo-nos agora uma vez mais sobre o gênero destes encontros com o Senhor ressuscitado. São importantes as seguintes distinções:

                              - Jesus não é alguém que voltou à vida biológica normal e que depois, segundo as leis da biologia, teve um dia de morrer novamente;

                              - Jesus não é um fantasma (um” espírito”), ou seja, não é alguém que, na realidade pertença ao mundo dos mortos, embora possa de algum modo manifestar-Se no mundo da vida;

                              - Entretanto os encontros com o Ressuscitado são uma realidade distinta das experiências místicas, nas quais o espírito humano é por um momento elevado acima de si mesmo e enxerga o mundo do divino e do eterno. A experiência mística é uma superação momentânea no âmbito da alma e das suas faculdades de percepção; mas não é um encontro com uma pessoa que externamente se aproxima de mim. Paulo distinguiu com grande clareza as suas experiências místicas – como por exemplo a sua elevação até ao terceiro céu, descrita em 2Corintios 12, 1-14 – do encontro com o Ressuscitado no caminho de Damasco, que foi um acontecimento na história, um encontro com uma pessoa viva.


                                Agora, baseado em todas estas informações bíblicas, que poderemos verdadeiramente dizer sobre a natureza peculiar da ressurreição de Cristo?

                                A ressurreição é um acontecimento dentro da história, que, todavia rompe o âmbito da historia e a ultrapassa. Podemos talvez servir-nos de uma linguagem analógica, que permanece sob muitos aspectos inapropriada mas pode abrir um acesso à compreensão. Como já fizemos na primeira secção deste capítulo, podemos considerar a ressurreição uma espécie de salto qualitativo radical em que se entreabre uma nova dimensão da vida, do ser homem.

                                 Sem dúvida, a própria matéria é transformada num novo gênero de realidade. Agora o Homem Jesus, precisamente com o seu próprio corpo, pertence totalmente à esfera do divino, do eterno. Doravante – disse uma vez Tertuliano- espírito e sangue”têm um lugar em Deus (cf. De Ressurect. Mort., 51,3: CCL, II, 994). Embora o homem, segundo a sua natureza, seja criado para a imortalidade, só agora existe o lugar onde a sua alma imortal encontra espaço, aquela “corporeidade” na qual a imortalidade recebe sentido como comunhão com Deus e com toda a humanidade reconciliada. As Cartas (de São Paulo na prisão aos Colossenses (cf. 1, 12-23) e aos Efésios (cf.1,3-23) pressupõem isto quando falam do corpo cósmico de Cristo, indicando assim o Seu corpo transformado é também lugar onde os homens entram em comunhão com Deus e entre si; e, deste modo, podem viver definitivamente na plenitude da vida indestrutível. Dado que nós mesmos não possuímos qualquer experiências de um tal g6enero renovado e transformado de materialidade e de ida, não devemos admirar-nos com o facto de isso ultrapassar aquilo que podemos imaginar.

                                  Essencial é o dado de que, com a ressurreição de Jesus, não foi revitalizado um indivíduo qualquer morto num determinado momento, mas se verificou um saldo ontológico que toca o ser enquanto tal, foi inaugurada uma dimensão que nos interessa a todos e que criou, para todos nós um novo âmbito da vida: o estar com Deus.

                                 A partir daí é preciso enfrentar a questão da ressurreição como acontecimento histórico. Por uma um lado, temos de dizer que a essência da ressurreição está no fato dela romper a história e inaugurar uma nova dimensão a que, habitualmente, chamamos de dimensão escatológica. A ressurreição descerra o espaço novo que abre a história para além de si mesma e cria o definitivo. Nesse sentido, é verdade que a ressurreição não é um acontecimento histórico do mesmo gênero que o nascimento e a crucificação de Jesus. É algo novo, um g6nero novo de acontecimento.

                                Ao mesmo tempo, porém, é preciso não esquecer que ela não está simplesmente fora ou acima da história. Como erupção para fora da história e par alem dela, a ressurreição tem contudo o seu início na própria história e até certo ponto pertence-lhe. Talvez se pudesse exprimir tudo isto assim: a ressurreição de Jesus ultrapassa a história, mas deixou o seu rastro na história. Por isso pode ser atestada por testemunhas como um acontecimento de uma qualidade completamente nova.

                              De facto, o anúncio apostólico, com o seu entusiasmo e a sua audácia, é inconcebível sem um contato real das testemunhas com o fenômeno totalmente novo e inesperado que as tocou externamente e que consistiu na manifestação e na fala de Cristo ressuscitado. Só um acontecimento real de uma qualidade radicalmente nova era capaz de tornar possível o anúncio apostólico, que não se pode explicar através de especulações ou e experiências interiores, místicas. Na sua audácia e novidade, o referido anúncio ganha vida a partir da força impetuosa de um acontecimento que ninguém tinha ideado e que ultrapassava toda a imaginação.

                            Mas, no fim, permanece para todos nós a pergunta que Judas Tadeu dirigiu a Jesus no Cenáculo: “Porque te hás-de manifestar a nós e não te manifestarás ao mundo?”(Jo 14,22). Sim, tal é a pergunta que gostaríamos de lhe fazer: porque é que não Te opusestes com fora aos teus inimigos que Te levaram à cruz? Porque não lhes demonstrastes, com vigor irrecusável, que tu és o Vivente, o Senhor da vida e da morte? Porque é que Te mostrastes apenas a um pequeno grupo de discípulos, em cujo testemunho temos agora de nos fiar?

                           A pergunta, porém, diz respeito não só a ressurreição, mas também a tôo o modo como Deus Se revela ao mundo. Porque só a Abraão e porque não aos poderosos do mundo? Porquê só a Israel , e não de modo indiscutível a todos os povos da terra?

                          É próprio do mistério de Deus agir desse modo suave. Só pouco a pouco é que Ele constrói na grande história da humanidade a sua história. Torna-Se homem, mas de modo a poder ser ignorado pelos contemporâneos, pela força respeitáveis da história. Padece e morre e, como ressuscitado , quer chegar à humanidade apenas através da fé dos seus, aos quais Se manifesta. Sem cessar, Ele bate suavement4 às portas de nossos corações e, se Lhas abrimos, lentamente vai-nos tornanado capazes de “‘ver”.

                         E, contudo, não é precisamente este o estilo divino? Não se impor pela força exterior, mas dar liberdade, conceder e suscitar amor. E, pensando bem, o aparentemente mais pequenino não é realmente grande? Porventura não irradia de Jesus um raio de luz que cresce ao longo dos séculos, um raio que não podia provir de nenhum simples ser humano, um raio mediante o qual entra verdadeiramente no mundo o esplendor da luz de Deus? Teria o anúncio dos apóstolos podido encontrar fé e edificar uma comunidade universal se não operasse neles a força da verdade?

                       Se ouvirmos as testemunhas com o coração atento e nos abrirmos aos sinais com que o Senhor não cessa de autenticar as suas testemunhas e de Se atestar a Si mesmo, então saberemos que Ele verdadeiramente ressuscitou; Ele é o Vivente. A Ele nos entregamos e sabemos que assim caminhamos pela estrada justa. Com Tomé, metamos a nossa mão no lado trespassado de Jesus e professemos: “Meu Senhor e meu Deus!”(Jo 20,28).                  



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