sexta-feira, 8 de março de 2013

Eucaristia : Memorial da Páscoa de Cristo (Capítulo 3 de 4)

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

   

Eucaristia, Sacrifício da Nova Aliança (9) 
 
Lembremos que a eucaristia é o sacramento do amor de Deus. É preciso com efeito compreender que Deus criou o universo tão-somente para unir todos os homens no amor. A história de Deus e de seu povo é só isso : um caminhar para a unidade de todos os homens nesse amor. Deus criou o homem para partilhar com ele tudo de sua própria vida, inclusive sua divindade – e a teologia oriental insiste muito nessa divinização do homem – partilhar tudo, inclusive sua divindade. Mas também Ele mesmo partilhar tudo de nossa vida humana no que ela tem de melhor, a amizade, a alegria e igualmente no que ela tem de menos bom também : a pobreza, a dureza do trabalho, a tortura, a injustiça, a morte enfim. Tudo isso Deus, em Jesus Cristo, veio partilhar conosco. ‘tudo o que é meu é teu’ : essa palavra do pai do filho pródigo ao filho mais velho, Deus não cessa de no-la repetir; esse é o grande amor, a amizade de Deus pelos homens. É essse amor, essa amizade que Deus vai selar na Aliança com seu povo. A Eucaristia será também o lugar onde, por nossa vez, vamos selar essa Aliança com Deus, vamos celebrá-la. 

Na Ceia da Quinta-feira Santa, ao pronunciar as palavras sobre o cálice, Cristo indicou da maneira mais clara possível, que a Eucaristia é um sacrifício de Aliança. É um dos aspectos mais explícitos do Novo Testamento (10). É até mesmo um dos pontos sobre o qual os quatro relatos estão de acordo, Marcos e Mateus dizendo : ‘Este é o meu sangue da nova Aliança’; Lucas e Paulo dizendo : ‘Este cálice é a nova Aliança no meu sangue’. Ora, digamos com clareza, essa noção de Aliança não nos é mais muito familiar, até se tornou estranha e no entanto é de suma importância no Novo Testamento e em toda a Bíblia. No tempo de Cristo e dos apóstolos as coisas eram bem diferentes; e o que nós dizíamos para o sentido do Páscoa é pelo menos também verdadeiro para a noção de Sacrifício da Aliança. Nenhum dos que assistiam à Ceia e seguramente nenhum dos primeiros cristãos se enganaria sobre o que Jesus quis fazer, nem sobre o sentido das palavras que tinha pronunciado : ‘Este é o meu sangue da Aliança’. 

Esta frase do Cristo remetia os judeus, tão impregnados do Antigo Testamento, à mesma frase pronunciada por Moisés precisamente durante a Aliança do Sinai, isto é, o acontecimento que tinha marcado mais profundamente a história do povo de Israel, acontecimento relacionado com a libertação do Egito. Pois Deus, com efeito, tinha libertado seu provo da escravidão para o conduzir ao Sinai e aí celebrar a Aliança e para fazer de Israel um povo livre, o povo de Deus, um reino de sacerdotes e uma nação santa ( Ex 19,6). 

Se quisermos compreender o que é a Eucaristia e o sentido que Jesus lhe quis dar, consideremos agora a Aliança do Sinai :

Então Moisés escreveu todas as palavras do Senhor. Levantando-se na manhã seguinte, ergueu ao pé da montanha um altar e doze colunas sagradas, segundo as doze tribos de Israel. Em seguida, mandou alguns jovens israelitas oferecer holocaustos e imolar novilhos como sacrifícios de comunhão ao Senhor. Moisés pegou a metade do sangue, colocou-o em vasilhas e derramou a outra metade sobre o altar. Tomou depois o livro da Aliança e o leu em voz alta ao povo, que respondeu : ‘Faremos tudo o que o Senhor falou e obedeceremos’. Moisés pegou, então, o sangue, aspergiu com ele o povo e disse : ‘Este é o sangue da Aliança que o Senhor fez convosco, referente a todas estas cláusulas’ (Ex 24,4b-8). 

Verificamos primeiramente que há um rito essencial, o rito do sangue, reservado a Moisés e contendo essas palavras : ‘Este é o sangue da Aliança...’, que Jesus retoma durante a instituição da Eucaristia. Esse rito do sangue tem um simboloismo natural muito expressivo. Esse sangue é derramado tanto sobre o altar, que representa Deus, como sobre o Povo, para significar uma realidade extremamente concreta : doravante um mesmo sangue circula nas duas partes contratantes da Aliança, uma mesma vida – pois como diz o Levítico, ‘a vida de um ser vivo está no sangue’ (Lv 17,11; cf. também Dt 14,21); entre Deus e o povo, circula por assim dizer, uma mesma vida, fazendo das duas partes contratantes da Aliança como que um único ser vivente. Esse simbolismo do sangue é muito importante porque o reencontramos exatamente na Eucaristia cristã : comungando o sangue de Cristo, consumindo o sangue de Cristo, é a própria vida de Deus que se torna nossa vida. A palavra de São Paulo : ‘Eu vivo, mas não eu, é Cristo que vive em mim’ (Gl 2,20), alcança aqui toda a sua amplitude e toda a sua dimensão. Portanto, a Eucaristia é igualmente, como podemos ver, um sacrifício de Aliança, onde um mesmo sangue, uma mesma via circula entre o Cristo Jesus, Deus que se fez homem, e o Povo que celebra. Mas há um outro elemento que o relato bíblico põe em evidência : o sacrifício de Aliança exige, paralelamente ao rito do sangue, um compromisso formal e explícito do Povo em relação a Deus; comprometimento a observar a ‘Lei da Aliança’. Para um judeu, não há Aliança sem Lei, não há sacrifício de Aliança sem o compromisso de observar essa Lei (cf. Ex 24,7). Retomando o rito da Aliança, temos o seguinte esquema : 

ü  Um sacrifício de novilhos cuja finalidade essencial é a obtenção do sangue;

ü  Este é derramado sobre o altar representando Deus como primeiro contratante da Aliança;

ü  A proclamação da Lei da Aliança e o compromisso do Povo a observá-la;

ü  Só então Moisés, aspergindo o Povo (segundo contratante da Aliança), pronuncia as palavras que Cristo vai retomar : ‘Este é o sangue da Aliança que o Senhor fez convosco, referente a todas estas cláusulas’. 

O vínculo entre Aliança e Lei é tão forte que o acontecimento do Sinai, no qual Deus se comprometeu em aliança com seu Povo, será chamado o ‘dom da Lei’ e os dois termos, Aliança e Lei, serão às vezes empregados como sinônimos (11). Para nos convencermos disso vejamos outro texto bíblico, o relato da celebração da Aliança no final da conquista daTerra prometida, no capítulo 24 do livro de Josué : 

O povo disse a Josué : ‘Serviremos ao Senhor, nosso Deus e obedeceremos à sua voz’ . Naquele dia, Josué fez uma aliança para o povo e lhe propôs, em Siquém, lei e decreto’ (Js 24, 24-25). A Aliança só foi concluída depois de o povo se comprometer a seguir o Senhor e a obedecer à sua voz. 

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(9) Devo muito à brochura do Padre S. Lyonnet : Eucharistie et Vie Chrétienne, (cf. nota 5).

(10) No Novo Testamento o relato da instituição da Eucaristia encontra-se em : Mt 26, 26-29; Jc 14, 22-25; Lc 22, 15-20; 1Cor 11, 23-26.

(11) Comparar, por exemplo, com 2Rs 22,8 e 2Rs 23,2.

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