sexta-feira, 31 de agosto de 2012

A Conversão

Por Maria Vanda (Ir. Maria Silvia, Obl. OSB)

                                                           
 1. “A Pérola Preciosa”
 
                Fazei, ó meu Deus, que eu recorde e confesse, em ação de graças, as Vossas misericórdias para comigo! Permiti que os meus ossos se penetrem do Vosso amor e digam: "Senhor, quem é semelhante a Vos?"(1). Rompestes os meus grilhões e "ofertar-vos-ei um sacrifício de louvor"(2). Narrarei como os rompestes, e todos os que Vos adoram exclamarão: Bendito seja o Senhor no céu e na terra; o seu nome é grande e admirável" (3).

                As Vossas palavras tinahm-se gravado no íntimo do meu coração. Vós me cercáveis de todos os lados. Tinha a certeza de que a Vossa vida era eterna apesar de só a ter visto" em enigma e como num espelho"(4). Toda a dúvida sobre a substância incorruptível me fora resolvida, ao ver que dela provém toda a substância. Desejava.. não digo estar mais certo de Vós, mas mais firme em Vós. Tudo vacilava, porém na minha vida temporal e o meu coração precisava de ser limpo do antigo fermento. O verdadeiro caminho, que  é o Salvador, encantava-me, mas ainda me repugnava enveredar por seus estreitos desfiladeiros.
 
                Vós então me inspirastes a idéia- que, no meu conceito, julguei boa - de ir falar com Simpliciano (5),  que eu o tinha por um bom servo Vosso e em quem brilhava a Vossa graça.   Ouvira dizer. Além disso, que desde a juventude vivia devotamente para Vós.  Com efeito, já envelhecera, e, em tão longa idade, seguira sempre, com zelo ardente, o Vosso caminho.  Devia ser um homem muito experimentado e instruído. Assim era, na verdade. Queria por isso, falar com ele, das minhas inquietações, para que me descobrisse o modo de uma alma agitada como a minha adiantar no Vosso caminho.   
 
                Via cheia a Igreja. Uns caminhavam de uma maneira, outros de outra. Desagradava-me a vida que levava no mundo.  Era para mim de grande peso, agora que as paixões e a esperança de honra e dinheiro  já não me animavam, como de ordinário, a sofrer tão pesada servidão.  Sim, tudo isso já não me deleitava, em vista da Vossa doçura e da beleza da Vossa casa, que amei.  Mas ainda estava tenazmente ligado à mulher.  É certo que o Apóstolo não me  proibia casar, não obstante exortar-me a um estado melhor, porque queria ardentemente que todos os homens fossem como ele.  Eu, porém, demasiado fraco, escolhia o lugar  mais aprazível. Era só por isso que vivia de  hesitações em tudo o mais lânguido e enfermo por causa das preocupações enervantes, porque parecendo coagido a entregar-me à vida conjugal, via-me também obrigado a incumbir-me de novas obrigações que não queria suportar.
 
                Ouvira da boca da Verdade que “ existiam eunucos que a si próprios mutilaram por amor ao reino dos céus.  Mas Ela acrescenta: “ quem pode compreender, compreenda”(6).   “São vãos, por certo todos os homens  em quem não se acha a ciência de Deus, e que, pelos bens visíveis, não chegaram  a conhecer Aquele que é”(7).  Mas já não me encontrava naquela vaidade. Ultrapassara-a e, pelo testemunho de todas as criaturas, ó Criador nosso, Vos encontrara a Vós e ao Vosso Verbo que juntamente convosco é Deus, um só Deus, quem tudo criastes.
 
               Há outra espécie de ímpios que, “tendo conhecido a Deus, não O glorificaram nem lhe renderam graças”(8).  Tinha também caído neste pecado. “ A Vossa destra porém, amparou-me”(9)  e depois de me arrancardes de lá  me colocastes onde me restabelecesse, dizendo ao homem: “ a piedade é sabedoria”(10), não queirais parecer sábios, porque os que se dizem sábios tornam-se insensatos”(11). Já encontrara pérolas preciosas que devia comprar, depois de vender tudo o que possuía. Mas duvidava ainda.
    
       
Fonte :
PENSAMENTO HUMANO -  Confissões - Santo Agostinho - Ed. Universitária São Francisco  23a. Ed.  Cap.  VIII 

 

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