No século V a.c. dizia Sócrates que é mais nobre para a alma sofrer uma injustiça do que proferir uma iniqüidade, injúria ou praticar um ato injusto; no Evangelho de São Marcos, asseverava Jesus que o que provém do âmbito externo não é o que faz o Homem impuro, mas o que lhe sai de dentro é o que lhe conspurca a alma.
Passados mais de 2000 anos da época em que viveram tais personalidades, o significado elíptico, o intuito de cada uma das mensagens – que são congruentes e professam a mesma filosofia – parece ter-se diluído nas relações sociais que compõem nosso cotidiano. Olvidou-se do verdadeiro sentido das mensagens aludidas e, pior, inverteram-se-lhes a lógica, de forma que hoje se afigura ser mais “vantajoso” incorrer em um ato injusto a fazer-se vítima dele. Porém, para efeito de análise deste pensamento e um verbero concludente aos hábitos atuais, faz-se preciso, antes, explanar com clareza o que tais mensagens professam.
Para os gregos antigos, à época do esplendor ateniense e das ciências a que se devotavam, o mundo, o universo (cosmos), era dotado e regido por uma razão natural que conferia uma lógica aos fenômenos naturais e uma dinâmica ao funcionamento desse todo; de forma que, através desta razão normativa, a cada parte desse mesmo cosmos imputava-se um lugar e uma função específicas, cujo equilíbrio e consonância com a lei natural asseguravam o bom funcionamento de todo nosso universo.
Fortemente associado a isto, cria-se também a necessidade de se estabelecer uma comunhão da alma do homem com o cosmos. Advogando a tese de que a alma era composta por diversas partes, fazia-se necessário demonstrar ou fornecer uma forma de equilíbrio interno da alma entre suas diversas partes. Isto para que se pudesse estabelecer uma comunhão mais ampla da alma com a ordem do todo.
Daí o porquê de que naquela sociedade tanto se cultivassem as ciências matemáticas, uma vez que seu objeto consistia na transcrição, bem como a explicação para o entendimento humano, dos fenômenos e das dinâmicas naturais, a fim de melhor se compreender a ordem do cosmos e, assim, “ligar-se” a ele, integrar-se nele, desvelando as funções e deveres específicos do indivíduo para com este universo.
A partir daí, despontava a noção clássica do “bom, belo e justo”, em que se designava com tais adjetivos aquele indivíduo cuja alma encontrava-se equilibrada e em conformidade com o todo; ou seja, em consonância com um universo racional naturalmente ordenado, (bom, belo e justo) e que, por conseguinte, se fizesse como um ser virtuoso, apartado de qualquer vício, honesto e saudável.
Assim, nesta linha de raciocínio, a quem perpetrasse uma injustiça ou levasse a efeito uma iniqüidade a alma achar-se-ia desequilibrada e, portanto, em dissonância com a ordem do cosmos; encontrando-se este ser num estado de enfermidade, necessitada de reparos, pois apartada das virtudes, da beleza, da benignidade.
Por conseguinte, a assertiva de que é melhor e mais nobre para a alma sofrer uma injustiça ou adversidade se coaduna com o pensamento grego.
E é com este sentido, que Jesus vale-se para professar sua máxima, de que aquele que se encontrar em desequilíbrio e desassociado da ordem do universo acha-se não somente enfermo, mas também com a alma a caminho de uma perdição eterna que o ausenta da comunhão com Deus.
Sócrates se funda num ser elevado, criador do universo, para afirmar, que haverá perdição da alma caso seu portador não se conduzisse em vida, em consonância com as leis do universo. E para isso deveria empreender o equilíbrio de sua alma, afastando-se de todo e qualquer vício.
Observa-se que, da mesma forma que nos tempos de Sócrates e de Jesus Cristo, o pensamento não foi bem compreendido ou seguido, haja vista que, modernamente, experimentamos atrozes sofrimentos advindos de atos violentos, extremamente desumanos e injustos, que atentam contra as mais comezinhas normas naturais universais.
Destarte, após rematar a leitura deste pequeno texto, espero que a indagação com a qual tal se inicia, o leitor consiga respondê-la, optando pela melhor alternativa e dessa forma condicionar a própria compostura, sem se esquecer de que não se deve almejar ser bom, belo e justo unicamente por capricho ou emulação; mas porque nada deve haver de pior do que condenar a própria alma à perdição eterna, em razão de se haver em desarmonia com a ordem racional de um ser onipotente e da distância leviana dos bons valores e das virtudes.
Em suma, sejais puros e não praticais qualquer injustiça. E como prêmio receberá o que mais almeja: receber aquilo que, primeiro, deu ao outro.
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