Por Maria Vanda (Ir. Maria Silvia, Obl. OSB)
Este artigo foi gentilmente cedido por Dom João Evangelista Kovas, OSB, monge beneditino do Mosteiro de São Bento de São Paulo.
Desde o primeiro de meus artigos no Musu Lietuva venho falando de liturgia. Para cada artigo escolho uma festa litúrgica mais significativa do mês e aproveito para falar sobre ela e desenvolver algum assunto de fé a ela relacionado. Assim podemos refletir sobre a nossa fé e indicar a importância da liturgia na vida do cristão.
A proposta é simples, mas, reconheço, não deixa de causar certo estranhamento. Afinal, quem sabe exatamente o que é liturgia? A maioria das pessoas não ouviu falar de liturgia durante a sua formação catequética. Pelo menos, assim vejo acontecer com a maioria dos cristãos católicos que vem conversar comigo. A palavra “liturgia” causa até a repulsa esperada de quem ouve um termo técnico que desconhece. Parece um termo teológico sofisticado, que alguns teólogos imoderadamente zelosos querem fazer os leigos entender a todo custo.
No entanto, a liturgia é o centro da vida da Igreja e da vida pessoal de fé. Ela muda tudo para nós. De maneira geral, liturgia é toda celebração da Palavra de Deus na Igreja. A missa é uma liturgia. Toda celebração de algum sacramento é uma liturgia. A liturgia é, enfim, a oração da comunidade de fé. Nada mais simples do que isso, porém isso faz toda a diferença.
Perguntam muitas vezes a nós católicos qual é a diferença entre os cristãos católicos e os evangélicos. Eu ouso responder: a liturgia! Normalmente, se responde que é a salvaguarda da função do Papa, a veneração de imagens ou alguma questão doutrinal particular. As respostas variam muito, porém nada mais contundente do que a liturgia.
Há uma diferença muito grande entre aqueles que acreditam na Palavra de Deus, na Bíblia, e buscam sinceramente praticar os seus ensinamentos e aqueles que assim também o fazem, porém sabem que a Palavra de Deus deve ser ouvida e celebrada primordialmente na liturgia. O poder da Palavra não se restringe em algum milagre, que pode favorecer esse ou daquele crente, por mais maravilhoso que ele possa ser, como a cura de um câncer ou retomar a visão. Ninguém nega a grandeza disso. Porém, o benefício maior de Deus na nossa vida e na vida de todo fiel é a Eucaristia. O poder maior da Palavra de Deus proclamada na assembléia é o fato de transformar o pão e o vinho em corpo e sangue de Cristo. Ouvir e colocar em prática a Palavra de Deus é muito mais do que seguir uma norma moral. Na Igreja Católica, ouvir e praticar a Palavra de Deus tem seu início e seu fim na liturgia, quando o Povo de Deus se reúne para celebrar a Palavra de Deus e oferecer a Deus por Jesus Cristo um louvor perfeito.
A liturgia é a expressão maior da sacralidade de cada vida humana e da Palavra de Deus transmitida aos homens. Os católicos são aqueles que ouvem a palavra de Jesus de que devemos amar o próximo como a nós mesmos (cf. Mt 19,19; 2,39; Mc 12,31; Lc 10,27; Rm 13,9; Gl 5,14; Tg 2,8), ouvem ainda de Jesus que todos saberão que somos discípulos dele se amarmos uns aos outros (cf. Jo 13,35). E ouvindo esses dois ensinamentos, os católicos são aqueles que não os separam do “Fazei isso em memória de mim” (Lc 22,19; I Cor 11,24). Seguir a palavra de Jesus é reunir-se com os irmãos de fé em torno do mesmo altar e celebrar o milagre eucarístico, e, assim fazendo, levar toda essa riqueza para o seu dia-a-dia. Quem comunga do corpo e do sangue de Jesus é aquele que busca em sua vida a justiça, a retidão, o amor fraterno; é aquele que aprende a agir com prudência e sabe reconhecer com clareza as próprias maldades cometidas. Sabe pedir perdão a Deus e se reconciliar com o próximo. Em tudo isso, o católico é aquele que tem como ponto de partida a mesa eucarística e a tem como ponto de chegada. Pois não é outro o que celebramos, senão o próprio Filho de Deus, que se encarnou por nós, para nos salvar e para reunir em si uma multidão de irmãos em Deus.
Não nos esqueçamos nunca: a nossa identidade de cristãos é forjada e aprimorada na liturgia. Por meio dela, nós reconhecemos todos os benefícios que Deus fez em favor da humanidade e qual a esperança a que Ele chama a todos nós.
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