segunda-feira, 30 de novembro de 2020

O que significa evangelizar?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 
*Artigo do Padre Juan Ávila Estrada


Não se evangeliza condenando as posturas alheias, mas dando a vida pelas próprias

 

‘Evangelizar (‘dar a boa notícia’) é a grande tarefa da Igreja; é para isso que ela foi fundada, enviada e sustentada pela força do Espírito Santo.

Esta boa notícia não é outra coisa a não ser o amor de Deus, um amor tão incondicional, tão absoluto, tão veraz como a cruz; um amor que não é simplesmente ‘pela humanidade’ (expressão que fala muito, mas não diz nada), mas por mim e por você; um amor que não é produto da ganância ou da conquista pessoal, mas gratuidade benevolente do Senhor.

É um amor gratuito, tão gratuito, que não é merecido nem está sujeito às mudanças do nosso comportamento – ainda que necessariamente conduza a elas.

Não é fácil evangelizar, pois isso requer a experiência pessoal do amor de Deus, da sua ternura, da sua compaixão e do seu ‘fazer novas todas as coisas’ em mim; sem isso, podemos simplesmente transmitir verdades de fé reveladas pela Escritura, mas que correm o risco de nos tornar cristãos frios, desses que defendem conceitos, mas não permitem que estes transformem a própria vida.

Evangelizar não é ameaçar com a condenação eterna todos aqueles que fazem o mal; não é levantar a espada da justiça contra todos os pecadores, marginalizando-os e etiquetando-os como perdidos; tampouco é declará-los inimigos da própria causa só porque talvez sua ignorância não lhes permitiu ver a verdade, que é Jesus.

Luz

Evangelizar é mostrar os braços abertos de Jesus na cruz, que diz : ‘Eu fiz tudo isso por você’. É isso que realmente transforma o coração e nos leva à experiência de uma vida nova.

Evangelizar é acender uma luz. Mas como se acende esta luz? Mostrando a verdade. Que verdade? A verdade de uma pessoa, a verdade que é Jesus : ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida’. Só que este conhecimento da pessoa de Jesus não se limita a ‘saber coisas’ sobre Ele, mas significa viver a experiência do seu amor, compreender que o que Ele fez tem relação direta comigo.

Não se evangeliza enchendo a cabeça de conceitos. Uma fé que só toca a razão pode nos tornar fanáticos; por outro lado, uma fé que só toca as emoções pode nos tornar instáveis. Mas uma fé que toca a razão, a vontade e as emoções é tão poderosa, que transforma a vida de maneira notável.

É aqui que o comportamento se transforma; é aqui que se aprende que, pela fé, não se tira a vida de ninguém, mas se entrega a própria vida pelo bem dos outros.

Evangelizar não é abrir as portas do inferno para os pecadores, mas declarar o amor de Deus a cada pessoa, para que esse amor leve à conversão. É mostrar o rosto da Igreja : rosto da misericórdia e do respeito, rosto da bondade e do acolhimento, rosto daquela que é Mãe e Mestra.

Porque evangelizar é curar as feridas com o amor de Deus.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2020/11/29/o-que-significa-evangelizar/

domingo, 29 de novembro de 2020

Por que é tão importante fazer silêncio na missa?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 
*Artigo de Gelsomino Del Guercio


A eficácia espiritual da missa pode depender do seu silêncio

 

‘Nem todo mundo acompanha a missa com atenção. Às vezes, o padre é obrigado a interromper a liturgia para reprovar as conversas entre os fiéis. Esta chamada de atenção não é acidental, porque o silêncio durante a missa tem uma importância acima de tudo teológica. Descubramos o porquê.

 

Silêncio sagrado 

O silêncio na igreja durante o culto sagrado – explica à Aleteia o liturgista Pe. Enrico Finotti – é uma questão primordial, porque dele depende, em boa medida, a eficácia espiritual da ação litúrgica.’

 

No entanto, não considero oportuno intervir nas situações concretas, pois se supõe que cada sacerdote vai se comportar de maneira adequada em circunstâncias às vezes difíceis’, acrescenta.

 

À escuta de Deus 

Em sentido geral, explica o sacerdote, podem ser indicadas algumas pautas. Primeiramente, ‘o clima de silêncio interior e exterior é próprio de cada celebração litúrgica. De fato, trata-se de preparar a alma para escutar Deus, que fala ao seu povo; de elevar-lhe louvores com alegria e receber da sua misericórdia as maravilhas da graça, que são os sacramentos’.

 

A majestade do Pai 

Em segundo lugar, observa o Pe. Enrico, ‘Deus não pode jamais ser reduzido ao nosso nível. Ele permanece sempre permeado pelo fulgor da sua transcendência. Ainda que, com a Encarnação, o Filho unigênito tenha vindo habitar entre nós e tenha permanecido conosco como amigos, Ele não desviou o olhar da majestade divina do Pai, a quem demonstra uma absoluta obediência adoradora’.

 

Os 3 tipos de silêncio 

Sobre esta base teológica, a Igreja prevê mais de um tipo de silêncio : ‘O silêncio preparatório para uma celebração (para os ministros na sacristia e para os fiéis na nave); o silêncio ritual para realizar juntos os gestos e pronunciar as orações estabelecidas, mas também para interiorizar os conteúdos da Palavra proclamada e dos sinais santos presentes nos mistérios sagrados; e o silêncio posterior à celebração, para não dispersar imediatamente a intensidade do recolhimento interior’.

 

A importância do templo 

Para distinguir o ambiente de silêncio do da conversação e do encontro fraterno, ‘a arquitetura eclesiástica clássica outorga primeiro o vestíbulo da igreja e mais adentro o templo, que é o lugar de mediação e de passagem entre o culto do templo e o tumulto do mundo’.

 

No templo, a devoção do coração e o encontro adorador com Deus se traduz nessa ‘sóbria exaltação do Espírito’ que invade os fiéis no êxodo da assembleia santa, onde recebem a Palavra que salva e o Pão da vida eterna: uma fraternidade regenerada, que do lugar santo se expande para o mundo.

 

Educar os fiéis 

Infelizmente, constata o Pe. Enrico, ‘no contexto atual, o silêncio não é valorizado e se torna difícil colocá-lo em prática, inclusive na igreja, e a educação para o silêncio litúrgico deve ser retomada com constância e determinação’.

 

De fato, não existem alternativas : sem silêncio interior e exterior, qualquer tentativa de reflexão, de devoção e de contemplação se extingue ao nascer – adverte. De fato, não é possível considerar suficiente para o crescimento na fé uma celebração litúrgica só formal e exterior. Não podemos honrar Deus somente com palavras, sem uma adequada correspondência do coração.’

 

Fé e paciência 

Para concluir, o liturgista convida a não se surpreender pelas ‘dificuldades que o silêncio pode encontrar inclusive em seu próprio lugar, a igreja, e na ação mais santa, a liturgia’.

 

Não podemos desanimar. Trabalhemos com confiança, sustentados pela fé, para que, com paciência e gradualmente, o povo cristão alcance novamente essa maturidade religiosa de tempos melhores. Isso não será fruto de imposições formais, mas exigência de uma oração convencida e de uma fé viva.’’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2015/02/25/por-que-e-tao-importante-fazer-silencio-na-missa/

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

O ecumenismo que a gente não vê

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 
Papa Francisco e o Patriarca Bartolomeu se encontram em Istambul, em 2014

*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,

jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras

credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé

  

‘Em seus primeiros dias de pontificado, foi assim que o papa Francisco acolheu o chefe da Igreja Ortodoxa, Patriarca Bartolomeu I : ‘Bem-vindo, André’. No momento, quem não estava muito familiarizado com a bíblia não entendeu nada. Já para os jornalistas que cobriam os primeiros compromissos públicos do pontífice recém-eleito, em 2013, e conheciam minimamente o Novo Testamento (como no meu caso), a mensagem foi captada na hora.

Era 23 de março de 2013. O papa, que de acordo com a tradição católica é o sucessor do apóstolo Pedro, se encontrava com o sucessor do apóstolo André, o Patriarca Ecumênico de Constantinopla. Segundo as escrituras, Pedro e André, que integravam o grupo de 12 discípulos de Jesus, eram irmãos de sangue.

O abraço entre os dois líderes, naquele dia, não simbolizava somente um encontro protocolar entre representantes das duas instituições cristãs mais antigas do mundo, mas o desejo mútuo de superar as feridas do passado. Para início de conversa, era a primeira vez, desde o Cisma do Oriente, de 1054, que o Patriarca Ecumênico de Constantinopla participava da cerimônia de posse do Romano Pontífice.

No primeiro ano de pontificado de Francisco, portanto, eles selaram uma parceria que entraria para a história. É tanto que, dois anos após aquele evento, foi justamente o magistério de Bartolomeu I sobre o cuidado com a criação que inspirou Francisco a dar uma resposta católica à crise ambiental. E foi assim que nasceu a Laudato Si' sua segunda encíclica.

Esse abraço entre ‘confrades’ abriu as portas para que outros irmãos, de outras tradições cristãs, se sentissem também acolhidos e respeitados pelo papa. Duas ou três laudas de texto não bastariam para citar os vários momentos nos quais Francisco, ao longo desses 7 anos de governo, exprimiu, junto a anglicanos e luteranos, que o ecumenismo não pode se limitar a trocas de saudações e discursos bonitos.

Na visão do papa, é tempo de conduzir um diálogo pautado na imagem do poliedro. Afinal, por muitos anos, a esfera da autorreferencialidade institucional acabou afastando uma tradição da outra, colocando em evidência mais as rupturas históricas que os pontos em comum.

O modelo é o poliedro, que reflete a confluência de todas as partes que nele mantêm a sua originalidade. Tanto a ação pastoral como a ação política procuram reunir nesse poliedro o melhor de cada um’, disse Francisco na exortação Evangelii Gaudium, de 2013.

É no mínimo estranho que, em pleno século 21, católicos, ortodoxos ou protestantes ignorem o importância dessa aproximação. Os desafios são muitos. E para todos os cristãos. O santo padre tem a consciência que o tempo urge por essa unidade em prol do bem comum.

Os algozes extremistas que martirizam e perseguem os seguidores de Cristo, no Oriente Médio, não perguntam de qual denominação eles são antes de exterminá-los. Os matam, única e simplesmente, por professarem a fé em Jesus Cristo. E Francisco, em relação a esses episódios, falou em algumas ocasiões, que existe, hoje, um ecumenismo de sangue. Apesar das diferenças teológicas, os cristãos acabam se unindo no martírio, onde tudo começou.

 O ecumenismo ‘invisível’

Para quem nega a importância do ecumenismo, e como a religião cristã, ao longo dos séculos, foi se mesclando em torno de várias tradições, vai precisar rever muitos de seus costumes e conceitos.

A coroa de advento, composta por 4 velas que representam as 4 semanas que antecedem o Natal, é uma invenção luterana. Foi criada pelo pastor alemão Johann Hinrich Wicherne, em 1839, na cidade de Hamburgo. Na sua concepção original, o adereço possuía 24 velas. Reduziram a quantidade para 4, de modo que ela não ocupasse muito espaço na casa dos fiéis. A Igreja Católica, considerando o valor dessa devoção, a adotou em 1915, integrando-a às celebrações desse tempo litúrgico.

Já o pinheiro, transformado em símbolo cristão por São Bonifácio, no século 8, foi ornamentado pela primeira vez pelos luteranos, no século 16, para celebrar o nascimento de Jesus dentro das igrejas. Mas só virou moda entre as famílias alemãs pelos idos de 1800, de acordo com o etnólogo e historiador Alois Döring, em entrevista ao site oficial dos luteranos do Brasil. Aos poucos, a árvore de Natal passou a decorar a sala de estar de cristãos de outras confissões, até se transformar num hábito comum a católicos, luteranos e ortodoxos.

Decisiva para a sua difusão foi a guerra franco-prussiana de 1870. Na época, por ordem das lideranças militares alemãs, algumas árvores de Natal foram dispostas nas trincheiras, como sinal dos laços da Pátria’, salienta o estudioso.

O presépio em si foi criado por São Francisco de Assis, no século 13. Mas o presépio encenado, tal qual vemos hoje, também provém da tradição protestante. Foram os luteranos que, pela primeira vez, encenaram o nascimento de Cristo.

 Se observamos bem, é uma osmose de tradições que, no fim das contas, só contribuíram para reforçar um princípio cristão : a centralidade de Jesus Cristo. Para além dos documentos, convenções e acordos que já aconteceram entre representantes de várias igrejas, essa ‘teologia do povo’, que se manifesta nas devoções mais genuínas e singelas, também é canal de unidade. Do ‘André’ de Francisco à coroa do advento dos luteranos, a certeza que, no fim das contas, é para Deus que todas as coisas convergem. Resta aos homens a docilidade para corresponder a esses ‘movimentos’ do Divino.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1485450/2020/11/o-ecumenismo-que-a-gente-nao-ve/

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

'Samaritanus bonus': o dever do acompanhamento dos doentes

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 
Igreja Católica continua afirmando que "a eutanásia é um crime contra a vida humana porque, com tal ato, o homem escolhe causar diretamente a morte de um outro ser humano inocente"

*Artigo de Alexandre P. Martins,

professor de bioética e ética social


‘O título desse artigo é uma frase da conclusão da carta da Congregação para a Doutrina da Fé, Samaritanus bônus : Sobre o cuidado das pessoas nas fases críticas e terminais da vidaque trata sobre questões éticas e pastorais sobre o fim da vida, especialmente as relacionadas à eutanásia, à a morte assistida e ao cuidado com os enfermos em fase terminal. Essa carta apresenta uma teologia da pastoral da saúde que merece ser estudada e refletida por toda a comunidade católica, mas, particularmente, pelos agentes de pastoral da saúde, parte viva da Igreja que se dedica ao acompanhamento pastoral dos enfermos, realizando concretamente o dever evangélico de acompanhar os doentes, a exemplo do Bom Samaritano.

Samaritanus bonus foi criticada por não apresentar uma perspectiva ética ‘inovadora’, que abriria caminho para a aceitação moral do enceramento da vida por meio da eutanásia ou do suicídio assistido de uma pessoa enferma em situação terminal irreversível. Isso não aconteceu e a Igreja Católica continua afirmando que ‘a eutanásia é um crime contra a vida humana porque, com tal ato, o homem escolhe causar diretamente a morte de um outro ser humano inocente’. Dessa forma, o documento entente que a eutanásia é um ‘ato intrinsecamente mau’ e deve ser rejeitado em qualquer circunstância. A vida humana tem um valor intrínseco que não é diminuído quando uma pessoa não tem mais a mesma vitalidade e caminha para o fim da sua vida. Esse caminho final deve seguir o processo natural de morte, com o acompanhamento da comunidade cristã que promove o cuidado por meio da sua presença junto à pessoa que sofre e o auxílio da medicina para aliviar a dor física.

Muitas questões podem ser discutidas, levando em conta as bases éticas que a carta utiliza para fundamentar sua perspectiva. Pode-se também discutir a interpretação que faz da tradição moral católica para chegar ao total fechamento para qualquer possibilidade de abreviar o processo de morte de um paciente terminal. Ademais, são compreensíveis as interrogações sobre a ausência da visão do papa Francisco a respeito do discernimento pastoral a partir do imperativo da consciência, como ele apresenta na exortação apostólica Amoris Laetitia, apesar de frases de Francisco serem citadas no documento. Todos esses questionamentos, entre outros, têm sua razão de ser e merecem ser discutidos com atenção, embora não será este o objetivo dessa reflexão.

Apesar de vulnerável a fortes críticas, a Samaritanus bonus apresenta uma teologia do acompanhamento pastoral dos enfermos que certamente oferece uma contribuição ao trabalho da pastoral da saúde. A partir da parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 29-37), o documento apresenta que ‘é próprio da Igreja acompanhar com misericórdia os mais fracos no seu caminho de dor, para manter neles a vida teologal e orientá-los à salvação de Deus’. O samaritano é um ‘coração que vê’ o sofrimento do outro, não permitindo outra ação, senão a atitude de cuidar daquele que sofre.

Os agentes de pastoral da saúde vivem de forma privilegiada o ministério da Igreja de cuidar dos doentes, especialmente daqueles que estão sozinhos ou sofrem abandonados devido à sua situação social de pobreza e marginalização. Esse ministério está no coração do evangelho, como o documento destaca : ‘O evangelho da vida é um evangelho da compaixão e da misericórdia, direcionado ao homem concreto, fraco e pecador, para aliviá-lo, mantê-lo na vida da graça e, se possível, curá-lo de toda ferida’.

Reconhecendo essa missão evangélica e a importância da pastoral da saúde, a Congregação para a Doutrina da Fé afirma que o acompanhamento pastoral dos enfermos é parte integral do cuidado dos enfermos em fase terminal, enfatizando a necessidade dos cuidados paliativos, área médica da qual a pastoral da saúde – por meio de capelães e agentes –, deve fazer parte para proporcionar conforto emocional e espiritual. Diz o documento : ‘dos cuidados paliativos faz parte a assistência espiritual ao doente e aos seus familiares. Esta infunde confiança e esperança em Deus ao moribundo e aos familiares, ajudando-os a aceitar a sua morte. É uma contribuição essencial que diz respeito aos agentes de pastoral e à inteira comunidade cristã, a exemplo do Bom Samaritano, para que a rejeição dê lugar à aceitação e sobre a angústia prevaleça a esperança, sobretudo quando o sofrimento se prolonga pela degeneração patológica, ao aproximar-se do fim’.

Samaritanus bonus foi assinada pelo prefeito da Congregação da Doutrina da Fé – cardeal Luis Ladaria – em 14 de julho de 2020, Festa de São Camilo de Lélis, patrono dos enfermos e dos profissionais da saúde. Não acredito que ele tenha escolhido essa data por acaso, pois São Camilo continua sendo uma inspiração para o cuidado com os enfermos com o ‘coração nas mãos’. Esse documento agora acrescenta que precisamos de um coração que vê o outro que sofre, isto é, um coração samaritano. Com o coração que vê e que age nas mãos de quem cuida, ‘o acompanhamento pastoral chama em causa o exercício das virtudes humanas e cristãs da empatia (en-pathos), da compaixão (cum-passio), do responsabilizar-se pelo sofrimento e compartilhá-lo, e da consolação (cum-solacium), de entrar na solidão do outro para fazê-lo sentir-se amado, acolhido, acompanhado e apoiado’.

O acompanhamento dos doentes é a missão da pastoral da saúde. Se, por um lado, a Samaritanus bonus tem pontos passíveis de questionamentos, por outro, ela oferece uma rica reflexão à pastoral da saúde, uma reflexão que mostra a importância desse trabalho pastoral e que, ao mesmo tempo, oferece uma teologia sobre a missão da Igreja no cuidado com os enfermos, que merece ser estuda pelos grupos de pastoral da saúde para que cresçam no seu testemunho de acompanhar os doentes e sofredores com um coração que vê o sofrimento e age para aliviá-lo.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1484650/2020/11/samaritanus-bonus-o-dever-do-acompanhamento-dos-doentes/

terça-feira, 24 de novembro de 2020

O Vaticano de Francisco é casa dos pobres

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 
Papa Francisco inaugura centro de acolhida 'Palazzo Migliori', em 2019, destinado às populações carentes de Roma

*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,

jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras

credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


‘Quando olhamos para a suntuosa basílica de São Pedro, do século 16, considerada uma das obras barrocas mais impressionantes do período, vem à nossa mente o papa, os concílios e a genialidade dos artistas Michelangelo e Lorenzo Bernini. É quase impossível não associar a esses elementos. A Igreja, rodeada pelos edifícios que compõem o complexo do Estado do Vaticano, abriga, em seu subsolo, os restos mortais de São Pedro, o apóstolo que fora escolhido por Jesus para ser o chefe da Igreja Católica.

A casa de Pedro

A bíblia narra que, na casa de Pedro, em Cafarnaum, habitava um hóspede ilustre : Jesus Cristo. O Messias morou ali por um período para que pudesse exercer sua missão, que começou oficialmente quando ele completou 30 anos, de acordo com os evangelhos.

Sendo assim, podemos dizer que casa de Pedro, hoje, é o Vaticano. Entre idas e vindas ao longo da história, foi lá que o sumo pontífice, na pessoa de Pio IX, resolveu se estabelecer definitivamente em 1870. Desde então, o local tem sido palco de inúmeros eventos históricos. Foi lá que Pio XII, durante a Segunda Guerra Mundial, escondeu dezenas de judeus romanos que estavam na mira dos oficiais nazistas.

Para o papa Francisco, o local não é somente um centro administrativo ou espiritual. É casa de Jesus e de Pedro. O lugar onde ambos dividem o mesmo teto. Só que, desta vez, o ‘Pedro’ é argentino e o Jesus é o pobre abandonado, de várias nacionalidades, que passa fome e frio nas ruas de Roma.

O papa abriu, nas imediações de seu pequeno Estado, vizinho às famosas ‘colunatas de Bernini’, um posto de saúde para atender as populações carentes da capital. No local, também funciona uma barbearia e foram instaladas duchas com água quente, que ficam à disposição de quem precisa. E é justamente nesse prédio onde são distribuídos, desde a semana passada, testes de Covid-19 gratuitamente. Até agora, foram beneficiados não só os desabrigados da cidade, mas também os italianos que, por causa da pandemia, acabaram ficando desempregados.

Um hotel de luxo para os pobres

E quanto à mansão que o pontífice transformou em dormitório? Foi isso mesmo que você leu. Se chama Palazzo Migliori, um prédio histórico do século 18, cujo chão é todo em mármore e possui paredes repletas de afrescos. O local fica a poucos metros do Vaticano e estava destinado a se tornar um hotel de luxo.

A propriedade, que pertencia a uma família nobre da capital, foi doada à Santa Sé na década de 1930. Francisco suspendeu a venda e o transformou num dormitório com capacidade para abrigar 50 pessoas. O dinheiro arrecadado com a venda dos famosos pergaminhos que contêm a bênção apostólica pontifícia financiou todo o trabalho de reestruturação do prédio. Quem procura refúgio nesse centro de acolhida, tem direito a café da manhã, jantar, acesso à internet e pode consultar uma biblioteca repleta de livros interessantes.

O bispo de Roma em ação

Só na semana passada, o Vaticano, em parceria com alguns supermercados de Roma, distribuiu 5 mil cestas básicas às famílias de 60 paróquias romanas que se encontram em situação de dificuldade. Na ‘caixa de alimentos do papa’ um bilhete assinado pelo pontífice e algumas máscaras de proteção. Além disso, foram distribuídas outras 350 mil máscaras aos estudantes da rede pública de ensino que vivem na periferia da capital.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1484162/2020/11/o-vaticano-de-francisco-e-casa-dos-pobres/

domingo, 22 de novembro de 2020

Jesuítas apresentam guia para a pastoral em tempos de pandemia

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 
Em vista do bem mais universal, jesuítas buscaram preservar a saúde de seus membros

*Artigo do Padre Aaron Pidel, SJ 

Tradução : Ramón Lara


Experiência com a ‘Peste de Milão’ ilustra o discernimento necessário para a suspensão ou não de ministérios

 

‘Quando a Igreja Católica optou por se tornar virtual para seus encontros da Semana Santa no ano passado, tive dúvidas sobre a escala de valores relativa que isso implicava. Jesus certamente nos ensina a priorizar a saúde espiritual sobre as questões temporais : ‘E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo’ (Mt 10,28). Além disso, como jesuíta, estou angustiado pelas histórias de padres mais velhos, nossos antecessores, que se colocaram em perigo para levar a palavra de Deus aos fiéis no passado. ‘Para que servem os filhos de Loyola’, perguntou o bem-aventurado Miguel Pró numa carta escrita pouco antes do seu martírio, ‘se fogem ao primeiro sinal?’. O cancelamento dos sacramentos e ministérios por causa do coronavírus refletiria uma perda de fé ou pelo menos de coragem?

Com essa questão um tanto inquietante em mente, comecei a estudar o registro histórico, especialmente a resposta pastoral dos jesuítas na Itália à chamada Peste de São Carlos em Milão (1576-78). O que encontrei me surpreendeu. Mesmo no contexto da peste, os jesuítas restringiram as ofertas sacramentais para preservar a vida temporal, embora não a vida por si mesma. Mas, ao moderar estrategicamente sua ousadia, eles começaram a brigar com ninguém menos do que com São Carlos Borromeu. O ‘estudo de caso’ pode fornecer um padrão mais indulgente para avaliar a resposta pastoral da Igreja contemporânea.

Antes de descrever em detalhes a estratégia pastoral dos jesuítas e sua lógica, é importante observar algumas semelhanças e diferenças importantes entre la peste di San Carlo e nossa nova pandemia de coronavírus. Às vezes, presume-se que os primeiros modernos não tinham noção do contágio interpessoal e, portanto, do perigo que os ministros no meio da praga representavam, não apenas para eles mesmos, mas para os outros. Isto é falso. No século 16, o conselho de saúde milanês subscreveu a teoria do contágio, tomando isso como a justificativa para confinar os doentes em um hospital isolado (um lazaretto) fora das muralhas da cidade. A peste de Milão revelou-se muito mais virulenta do que a Covid-19. A maioria estima que ao longo de 18 meses, atingiu cerca de 17 mil milaneses, cerca de 15% da população da cidade. O número proporcional de mortes nos Estados Unidos seria de quase 50 milhões. Em suma, os jesuítas milaneses enfrentaram uma crise de saúde que, embora análoga à nossa, pertencia a outra ordem de magnitude.

Como os jesuítas em Milão reagiram a uma peste considerada altamente contagiosa? De acordo com o livro Plague? Contos jesuítas de doenças epidêmicas no século 16, de A. Lynn Martin, os religiosos adotaram o que era mais ou menos a política jesuíta ‘oficial’ para a pastoral no tempo da peste. Com a bênção do superior geral jesuíta, Everard Mercurian, isolaram a maioria dos jesuítas enquanto dedicavam alguns sacerdotes aos ministérios espirituais vitais para as vítimas da peste, especialmente a confissão. Naquela época, Milão tinha comunidades jesuítas vinculadas ao Collegio di Brera e à paróquia de San Fedele. Os religiosos mantiveram os professores e acadêmicos na faculdade, de longe o grupo maior, mas deixaram um punhado de voluntários na Casa di San Fedele para cuidar das vítimas da peste. Dois dos voluntários jesuítas caíram na peste quase imediatamente, e outros então se ofereceram para ocupar seu lugar. Embora os jesuítas não se esquivassem do heroísmo, canalizavam seus impulsos heroicos para colher os maiores dividendos espirituais de seu investimento na vida.

Essa resposta, entretanto, não agradou a todos. São Carlos Borromeu, então cardeal e arcebispo de Milão, censurou amargamente a Ordem Religiosa ao saber que os jesuítas de San Fedele não estavam junto aos enfermos, mas apenas ouvindo suas confissões. Um dos jesuítas do colégio, Bernardino Viottino, revelou em uma carta escrita ao padre Mercurian que tentou em vão apaziguar o arcebispo junto às autoridades teológicas. Tendo aduzido fortes opiniões contra a existência de uma estrita obrigação de dispensar a Comunhão às vítimas da peste, Viottino concluiu : ‘Monsenhor, ensinamos a doutrina que recebemos dos santos doutores e nada mais’. O cardeal Borromeo respondeu : ‘Você não é bispo e não cabe a você dizer o que devemos fazer. Não gosto desta doutrina e não a quero’. Sem dúvida, o arcebispo preferiu a abordagem dos capuchinhos, que enviaram seus frades em massa para ministrar no lazaretto, perdendo 10 ao todo. A Companhia de Jesus claramente usou critérios diferentes para determinar o escopo de sua resposta.

Que princípios guiaram sua deliberação? Os dois mais significativos eram a indiferença, no sentido jesuíta, e o bem mais universal. A indiferença jesuíta encontra expressão clássica no Princípio e fundamento, a consideração introdutória no livro dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio. Depois de observar que o propósito das pessoas humanas é ‘louvar, reverenciar e servir a Deus nosso Senhor, e por este meio salvar suas almas’, o Princípio e fundamento chega a uma conclusão bastante estimulante : ‘é necessário fazer-nos indiferentes a todas as coisas criadas, em tudo o que é concedido à liberdade do nosso livre arbítrio, e não lhe está proibido; de tal maneira que, da nossa parte, não queiramos mais saúde que doença, riqueza que pobreza, honra que desonra, vida longa que vida curta, e consequentemente em tudo o mais; mas somente desejemos e escolhamos o que mais nos conduz para o fim para que somos criados’. Essa indiferença à saúde implica, é claro, que um bom jesuíta arriscará sua saúde quando a salvação de almas o exigir. Mas a indiferença à doença, também implícita, significa que um bom jesuíta também não insistirá na autoimolação imprudente. A opção a ser escolhida deve depender unicamente de seu fim : o serviço divino.

De acordo com as constituições jesuítas, porém, este serviço divino maior é praticamente sinônimo do ‘bem mais universal’ : ‘Quanto mais universal é o bem, mais divino’. Este segundo princípio estabelece que os superiores jesuítas, olhando para a Igreja ‘universal’ ao invés de uma única região, devem priorizar missões que atendam às necessidades espirituais mais urgentes ou tenham uma influência espiritual de maior alcance.

Dado esse padrão na escolha das missões, facilmente se percebe por que os jesuítas chegaram a um julgamento prudente diferente daquele do cardeal Borromeo, cujo único horizonte pastoral permaneceu sendo sua diocese infestada de pragas. Como membros de uma ordem religiosa internacional, em contraste, o horizonte dos jesuítas incluía um empreendimento educacional extenso, mas cronicamente insuficiente. Em 1575, os jesuítas tinham 3.905 membros e 210 escolas, muitos deles em regiões de campo de batalha religiosa como a Alemanha. Diante desta situação, continuaram favorecendo a política que Juan de Polanco propôs a São Pedro Canísio já em 1562 :

A escassez de membros que temos na Alemanha obriga-nos a conservá-los da melhor maneira possível para o serviço divino e o bem comum. Embora devamos preferir o bem da alma alheia à nossa própria vida, não devemos expor a vida de um servo eficaz apenas para o consolo de uma pessoa, porque se o servo viver, poderá ajudar muitas almas.

Tendo responsabilidades diferentes das do cardeal Borromeo e ministérios tradicionais diferentes dos praticados pelos capuchinhos, os superiores jesuítas julgaram que o ‘bem mais universal’ seria mais bem servido pelo espírito de prudência e conservação do corpo docente da Ordem.

Em comparação com a abordagem dos jesuítas milaneses às doenças epidêmicas, a resposta da nossa Igreja contemporânea mostra diferenças instrutivas e semelhanças reconfortantes. Do lado das diferenças, os jesuítas milaneses priorizaram a confissão como o sacramento mais coerente com sua segurança. Os jesuítas teriam ficado intrigados ao ver como algumas paróquias durante a pandemia efetivamente suprimiram a confissão ou a restabeleceram por último, depois de todos os outros sacramentos.

Do lado das semelhanças, os jesuítas do século 16, assim como os pastores contemporâneos, não hesitaram em restringir os serviços sacramentais quando confrontados com doenças epidêmicas. Embora alguns, sem dúvida, acabem se afastando do apego excessivo à vida terrena, há boas razões para pensar que muitos permaneceram verdadeiramente indiferentes. Considerando imparcialmente que sua longevidade serviria melhor ao ‘bem mais universal’, eles exibiam uma espécie de autopreservação altruísta. Gosto de pensar que muitos na Igreja contemporânea, ordenados ou leigos, também são motivados por esta indiferença inaciana.

A estratégia pastoral jesuíta do século 16 sugere como se pode enquadrar a escala de valores do Evangelho com uma redução dos sacramentos em tempos de praga. Para aqueles jesuítas, a suspensão sacramental refletia não um medo excessivo do que pode ‘matar o corpo’, mas um julgamento prudente sobre o que pode salvar mais almas. Até o beato Miguel Pró admitia esse critério. Logo após perguntar retoricamente se os ‘filhos de Loyola’ poderiam fugir da luta algum dia, ele se conteve com humildade : ‘Não estou falando em geral; entendo que alguns certamente devem ser poupados, porque serão muito úteis algum dia’.

As palavras de Miguel Pro, portanto, têm duas formas. Lembram aos cristãos que optar pela autopreservação nem sempre é ‘vender’ ou diluir o Evangelho. Mas também lembram aos cristãos que, do ponto de vista do Evangelho, o objetivo de se abster dos sacramentos por um período não é viver mais; mas vivendo mais, sermos mais úteis.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1484257/2020/11/jesuitas-apresentam-guia-para-a-pastoral-em-tempos-de-pandemia/

sábado, 21 de novembro de 2020

Por que a preparação é a chave para uma vida espiritual intencional

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

*Artigo de Philip Kosloski,

escritor e designer gráfico


A santidade não acontece de forma simples e mágica; é o resultado de escolhas intencionais feitas todos os dias

 

‘Costumamos dizer que queremos ser uma pessoa melhor e, consequentemente, levar uma boa e condizente vida espiritual. Entretanto, geralmente, não fazemos nada para corresponder ao nosso desejo. Em vez de fazermos escolhas deliberadas todos os dias, erramos o alvo e tentamos ser bons, mas sem nenhum esforço pessoal.

Portanto, não deve ser surpresa para nós que, semanas depois, não estejamos nem perto de nosso objetivo.

São Carlos Borromeu comentou sobre este mesmo assunto em uma carta. De fato, ele se dirigindo aos padres. Mas suas palavras ainda podem ressoar em nós. Diz ele :

‘Admito que somos todos fracos, mas se quisermos ajuda, o Senhor Deus nos deu os meios para encontrá-la facilmente. Um padre pode desejar levar uma vida boa e santa, como ele sabe que deveria. Ele pode desejar ser casto e refletir as virtudes celestiais na maneira como vive. No entanto, ele não resolve usar os meios adequados, como penitência, oração, evitar discussões maldosas e amizades prejudiciais e perigosas. Outro padre reclama que, assim que entra na igreja para rezar o ofício ou para celebrar a missa, mil pensamentos enchem sua mente e o distraem de Deus. Mas o que ele fazia na sacristia antes de sair para a para a missa? Como ele se preparou? Que meios ele usou para organizar seus pensamentos?

Propósitos para uma vida espiritual virtuosa

Portanto, a chave para levar uma vida virtuosa e seguir o exemplo de Jesus Cristo é uma vida intencional. Isso significa que não apenas contamos com a graça de Deus, mas também fazemos escolhas intencionais, conhecendo nossos pontos fortes e fracos.

Conhecemos os momentos em que somos mais tentados. Então, cabe a nós fazermos escolhas para evitarmos as coisas que provocam as tentações.

Da mesma forma, Borromeo dá mais algumas sugestões sobre como viver intencionalmente a vida espiritual :

‘Meus irmãos, vocês devem compreender que para nós, religiosos, nada é mais necessário do que a meditação. Devemos meditar antes, durante e depois de tudo o que fazemos. O profeta diz : Vou orar e, então, entenderei. Quando você administra os sacramentos, medite sobre o que você está fazendo. Ao celebrar a missa, reflita sobre o sacrifício que está oferecendo. Quando você orar no ofício, pense nas palavras que você está dizendo e no Senhor a quem está falando. Quando você cuidar de seu povo, medite em como o sangue do Senhor o lavou, para que tudo o que você faça se torne uma obra de amor.’

Em suma, faça o que fizer, não seja passivo na vida espiritual. Faça escolhas deliberadas e prepare-se para o que está por vir. Só assim podemos nos aproximar de Deus, nosso objetivo final.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2020/11/04/por-que-a-preparacao-e-a-chave-para-uma-vida-espiritual-intencional/

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Momentos papais iluminam o que fazer na segunda onda de Covid

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 
Papa Francisco na bênção Urbi et Orbi

*Artigo de John L. Allen Jr., jornalista

Tradução :  Ramón Lara


‘Os Estados Unidos e a Europa enfrentam o ressurgimento da pandemia de coronavírus e estão caminhando para novos bloqueios em muitos lugares, por isso, parece ser um bom momento para olharmos para trás, para a experiência da primeira onda dez meses atrás e fazer um balanço das lições aprendidas.

Em termos católicos, as questões daquela época – que, sob várias formas, estão voltando ao primeiro plano agora – se dividem em três grandes categorias : relações Igreja-Estado e liberdade religiosa; consequências econômicas, sociais e políticas; e considerações pastorais.

Simbolicamente, um momento papal importante nos últimos meses captura os desafios de cada uma dessas questões.

Relações Igreja-Estado

Durante a primeira onda de bloqueios por coronavírus, a celebração pública da missa foi suspensa em praticamente todos os lugares, desencadeando um intenso debate no mundo católico sobre o cumprimento desses decretos governamentais.

Os críticos argumentaram que não era prudente a Igreja refutar a noção de que a adoração não é um ‘serviço público essencial’ e ascenderam os alarmes sobre as consequências de longo prazo de enviar a mensagem da necessidade da participação física na missa. Essa preocupação foi expressa até por um secretário do papa Francisco, o padre Yoannis Lahzi Gaid, em uma carta para amigos sacerdotes em Roma em 13 de março.

Penso nas pessoas que certamente abandonarão a Igreja, quando este pesadelo acabar, porque a Igreja os abandonou quando estavam em necessidade’, escreveu Gaid.

Gaid foi deposto de seu cargo em agosto.

O momento papal chave neste sentido ocorreu em 28 de abril, cerca de 36 horas depois que o primeiro-ministro italiano Giuseppe Conte anunciou planos para uma flexibilização gradual das primeiras restrições ao bloqueio pelo coronavírus no país. Quando o anúncio do Primeiro-Ministro não incluiu qualquer menção ao levantamento da suspensão da missa pública, a conferência dos bispos italianos rapidamente emitiu uma declaração exasperada e, durante as 24 horas seguintes, pareceu que alguns bispos italianos estavam preparados para começar uma batalha legal por motivos de liberdade religiosa.

Tudo isso foi interrompido quando o papa Francisco pronunciou estas palavras durante sua missa diária, transmitida ao vivo na manhã seguinte :Nestes dias em que começamos a ter regulamentos para sair da quarentena, rezemos ao Senhor para que ele dê ao seu povo, todos nós, a graça da prudência e da obediência aos regulamentos para que a pandemia não volte’.

Isso imediatamente tirou o fôlego de qualquer resistência por parte dos bispos italianos e deu um tom em toda a Europa. É importante destacar que, tanto na França quanto na Alemanha, casos de tribunais superiores que revogaram ou modificaram as proibições de culto não foram arquivados pelos bispos católicos – na França, foi uma coalizão de forças políticas de direita e católicos tradicionalistas; na Alemanha, foi o caso de uma associação muçulmana.

Pouco tempo depois, Conte revogou a suspensão da missa e até agora não se falou em reimpor a medida, mesmo com várias regiões da Itália entrando em um novo bloqueio devido ao aumento das taxas de infecção.

Uma abordagem diferente está sendo adotada nos Estados Unidos, onde a Diocese de Brooklyn entrou com uma petição na Suprema Corte para bloquear uma ordem executiva do governador Andrew Cuomo que, sendo católico, limita o número de pessoas que podem assistir aos serviços religiosos. Recursos semelhantes foram rejeitados pelos tribunais inferiores, mas alguns observadores jurídicos acreditam que haverá uma mudança ideológica com a recente adição da juíza Amy Coney Barrett ao tribunal.

Nas próximas semanas, os líderes da Igreja novamente enfrentarão escolhas difíceis sobre até que ponto cumprirão as restrições do governo em prol da saúde pública ou como os desafiarão em nome da liberdade religiosa. Na França, por exemplo, onde o governo decretou novamente a suspensão do culto público até pelo menos 1º de dezembro, alguns católicos estão pressionando os bispos a resistirem, até mesmo lançando a hashtag #oursoulsmatter (nossas almas importam) nas redes sociais.

No momento, não há indicação de que a ampla preferência de Francisco pela obediência das medidas mudou, mas também não há uma sensação de que o Vaticano irá substituir o julgamento de bispos e pastores em outras partes do mundo.

Consequências econômicas, sociais e políticas

O momento papal chave nesta frente veio claramente em 3 de outubro de 2020, na vigília da festa de São Francisco, quando o pontífice viajou a Assis para assinar sua nova encíclica, Fratelli tutti. Isso equivale à prescrição do papa para um mundo pós-COVID, e o drama agora parece ser o quão eficaz sua equipe se mostra em torná-lo real.

Em essência, Francisco defendeu uma reinicialização global massiva, dizendo que a pandemia expôs as ‘falsas seguranças’ do mundo.

Além das diferentes formas como vários países responderam à crise, sua incapacidade de trabalhar em conjunto tornou-se bastante evidente’, disse. ‘Quem pensa que a única lição a ser aprendida é a necessidade de melhorar o que já estávamos fazendo, ou de refinar os sistemas e regulamentações existentes, está negando a realidade.’

Ao longo do documento, o papa Francisco analisa o que considera errado na política global e no sistema econômico atual. O Sumo Pontífice critica o populismo, o nacionalismo e o liberalismo (junto com seu corolário econômico no capitalismo de livre mercado). Francisco exorta os esforços multilaterais para enfrentar os problemas globais e apela para políticas que priorizem os mais vulneráveis, incluindo os migrantes e refugiados.

O papa também faz uma crítica acirrada da cultura atual da mídia social hiper-polarizada e estimulante, sugerindo a fraternidade como um remédio para a toxicidade. Francisco apela pelos direitos e igualdade das mulheres, um maior cuidado com o meio ambiente, a defesa dos idosos e o fim do racismo, bem como dos protestos violentos que os episódios recentes provocaram.

Em suma, o papa Francisco em Fratelli tutti apresenta uma visão de como o choque da pandemia poderia criar as condições para uma mudança social que, de outra forma, poderia ser considerada muito abrangente ou radical.

Resta saber se terá alguma sorte em promover essa agenda, embora com a transição para o presidente eleito Joe Biden nos Estados Unidos, o papa possa pelo menos encontrar um parceiro cujos ideias estejam um pouco mais sincronizados com os seus.

Cuidado pastoral

No nível pastoral e espiritual, nenhum momento capturou melhor a essência dos desafios criados pelo coronavírus do que 27 de março, às 18h00. Hora de Roma, na Praça de São Pedro.

Foi então que o papa Francisco entregou talvez a bênção mais extraordinária na longa história do papado, oferecendo uma bênção surpresa Urbi et Orbi – ‘Para a cidade e o mundo’ – em meio à agonia da pandemia.

O cenário era realmente dramático : o papa Francisco sozinho naquela praça geralmente lotada, flanqueado pelas imagens de Maria Salus Populi Romani e o crucifixo milagroso de San Marcello, sua voz sendo levada através da chuva a uma cidade assustadoramente silenciosa, interrompida apenas pelo som angustiante de sirenes de ambulância passando.

A linguagem do papa parecia dar voz ao humor nacional. A tradução não faz justiça, esforçando-se para capturar a poesia do original italiano, mas provavelmente a frase mais citada veio perto do início.

Uma densa escuridão cobriu nossas praças, nossas ruas e nossas cidades; assumiu o controle de nossas vidas, preenchendo tudo com um silêncio ensurdecedor e um vazio angustiante, que pára tudo ao passar’, disse o papa.

Sentimos isso no ar, percebemos nos gestos das pessoas, seus olhares as denunciam. Nos encontramos com medo e perdidos’.

Tomamos consciência de que estamos todos no mesmo barco’, disse o papa, ‘todos frágeis e desorientados, mas ao mesmo tempo seres importantes e necessários, todos chamados a permanecermos juntos, todos precisando nos consolarmos mutuamente’.

Os italianos podem permanecer divididos sobre a resposta política à pandemia, com alguns pedindo restrições mais rígidas e outros – incluindo garçons, cozinheiros, funcionários de hotel, esteticistas, barbeiros e outros que temem perda de rendimentos e dificuldades familiares – argumentando amargamente que o fardo de manter o cofre público não deve cair desproporcionalmente sobre eles.

No entanto, esses trabalhadores estão unidos para relembrar aquele momento de 27 de março como a imagem icônica da pandemia, a única vez em que todos se sentiram unidos em um senso comum de dependência de algo maior do que eles.

De mil maneiras diferentes, bispos, pastores, religiosos e católicos leigos serão desafiados, ao longo das semanas, a criarem seus próprios momentos Urbi et Orbi em menor escala, captando o que as pessoas estão sentindo e oferecendo-lhes consolo de uma forma que supere o medo e os conflitos.

Não se pode apenas copiar o que Francisco fez, é claro, mas também não se pode ignorar o poder disso. Francamente, desde que a pandemia estourou, provavelmente não tivemos nada como a mensagem do papa para ilustrar melhor por que a contribuição religiosa e espiritual é, sem dúvida, ‘essencial’, afinal.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1483958/2020/11/momentos-papais-iluminam-o-que-fazer-na-segunda-onda-de-covid/