Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Papa Francisco na bênção Urbi et Orbi
*Artigo de John L. Allen Jr., jornalista
Tradução : Ramón Lara
‘Os
Estados Unidos e a Europa enfrentam o ressurgimento da pandemia de coronavírus
e estão caminhando para novos bloqueios em muitos lugares, por isso, parece ser
um bom momento para olharmos para trás, para a experiência da primeira onda dez
meses atrás e fazer um balanço das lições aprendidas.
Em
termos católicos, as questões daquela época – que, sob várias formas, estão
voltando ao primeiro plano agora – se dividem em três grandes categorias :
relações Igreja-Estado e liberdade religiosa; consequências econômicas, sociais
e políticas; e considerações pastorais.
Simbolicamente,
um momento papal importante nos últimos meses captura os desafios de cada uma
dessas questões.
Relações Igreja-Estado
Durante
a primeira onda de bloqueios por coronavírus, a celebração pública da missa foi
suspensa em praticamente todos os lugares, desencadeando um intenso debate no
mundo católico sobre o cumprimento desses decretos governamentais.
Os
críticos argumentaram que não era prudente a Igreja refutar a noção de que a
adoração não é um ‘serviço público essencial’ e ascenderam os alarmes
sobre as consequências de longo prazo de enviar a mensagem da necessidade da
participação física na missa. Essa preocupação foi expressa até por um
secretário do papa Francisco, o padre Yoannis Lahzi Gaid, em uma carta para
amigos sacerdotes em Roma em 13 de março.
‘Penso
nas pessoas que certamente abandonarão a Igreja, quando este pesadelo acabar,
porque a Igreja os abandonou quando estavam em necessidade’, escreveu Gaid.
Gaid
foi deposto de seu cargo em agosto.
O
momento papal chave neste sentido ocorreu em 28 de abril, cerca de 36 horas
depois que o primeiro-ministro italiano Giuseppe Conte anunciou planos para uma
flexibilização gradual das primeiras restrições ao bloqueio pelo coronavírus no
país. Quando o anúncio do Primeiro-Ministro não incluiu qualquer menção ao
levantamento da suspensão da missa pública, a conferência dos bispos italianos
rapidamente emitiu uma declaração exasperada e, durante as 24 horas seguintes,
pareceu que alguns bispos italianos estavam preparados para começar uma batalha
legal por motivos de liberdade religiosa.
Tudo
isso foi interrompido quando o papa Francisco pronunciou estas palavras durante
sua missa diária, transmitida ao vivo na manhã seguinte : ‘Nestes dias
em que começamos a ter regulamentos para sair da quarentena, rezemos ao Senhor
para que ele dê ao seu povo, todos nós, a graça da prudência e da obediência
aos regulamentos para que a pandemia não volte’.
Isso
imediatamente tirou o fôlego de qualquer resistência por parte dos bispos
italianos e deu um tom em toda a Europa. É importante destacar que, tanto na
França quanto na Alemanha, casos de tribunais superiores que revogaram ou
modificaram as proibições de culto não foram arquivados pelos bispos católicos
– na França, foi uma coalizão de forças políticas de direita e católicos
tradicionalistas; na Alemanha, foi o caso de uma associação muçulmana.
Pouco
tempo depois, Conte revogou a suspensão da missa e até agora não se falou em
reimpor a medida, mesmo com várias regiões da Itália entrando em um novo bloqueio
devido ao aumento das taxas de infecção.
Uma
abordagem diferente está sendo adotada nos Estados Unidos, onde a Diocese de
Brooklyn entrou com uma petição na Suprema Corte para bloquear uma ordem
executiva do governador Andrew Cuomo que, sendo católico, limita o número de
pessoas que podem assistir aos serviços religiosos. Recursos semelhantes foram
rejeitados pelos tribunais inferiores, mas alguns observadores jurídicos
acreditam que haverá uma mudança ideológica com a recente adição da juíza Amy
Coney Barrett ao tribunal.
Nas
próximas semanas, os líderes da Igreja novamente enfrentarão escolhas difíceis
sobre até que ponto cumprirão as restrições do governo em prol da saúde pública
ou como os desafiarão em nome da liberdade religiosa. Na França, por exemplo,
onde o governo decretou novamente a suspensão do culto público até pelo menos
1º de dezembro, alguns católicos estão pressionando os bispos a resistirem, até
mesmo lançando a hashtag #oursoulsmatter (nossas almas importam) nas redes
sociais.
No
momento, não há indicação de que a ampla preferência de Francisco pela
obediência das medidas mudou, mas também não há uma sensação de que o Vaticano
irá substituir o julgamento de bispos e pastores em outras partes do mundo.
Consequências
econômicas, sociais e políticas
O
momento papal chave nesta frente veio claramente em 3 de outubro de 2020, na
vigília da festa de São Francisco, quando o pontífice viajou a Assis para
assinar sua nova encíclica, Fratelli tutti. Isso equivale à
prescrição do papa para um mundo pós-COVID, e o drama agora parece ser o quão
eficaz sua equipe se mostra em torná-lo real.
Em
essência, Francisco defendeu uma reinicialização global massiva, dizendo que a
pandemia expôs as ‘falsas seguranças’ do mundo.
‘Além
das diferentes formas como vários países responderam à crise, sua incapacidade
de trabalhar em conjunto tornou-se bastante evidente’, disse. ‘Quem
pensa que a única lição a ser aprendida é a necessidade de melhorar o que já
estávamos fazendo, ou de refinar os sistemas e regulamentações existentes, está
negando a realidade.’
Ao
longo do documento, o papa Francisco analisa o que considera errado na política
global e no sistema econômico atual. O Sumo Pontífice critica o populismo, o
nacionalismo e o liberalismo (junto com seu corolário econômico no capitalismo
de livre mercado). Francisco exorta os esforços multilaterais para enfrentar os
problemas globais e apela para políticas que priorizem os mais vulneráveis,
incluindo os migrantes e refugiados.
O
papa também faz uma crítica acirrada da cultura atual da mídia social
hiper-polarizada e estimulante, sugerindo a fraternidade como um remédio para a
toxicidade. Francisco apela pelos direitos e igualdade das mulheres, um maior
cuidado com o meio ambiente, a defesa dos idosos e o fim do racismo, bem como
dos protestos violentos que os episódios recentes provocaram.
Em
suma, o papa Francisco em Fratelli tutti apresenta uma visão
de como o choque da pandemia poderia criar as condições para uma mudança social
que, de outra forma, poderia ser considerada muito abrangente ou radical.
Resta
saber se terá alguma sorte em promover essa agenda, embora com a transição para
o presidente eleito Joe Biden nos Estados Unidos, o papa possa pelo menos
encontrar um parceiro cujos ideias estejam um pouco mais sincronizados com os
seus.
Cuidado pastoral
No
nível pastoral e espiritual, nenhum momento capturou melhor a essência dos
desafios criados pelo coronavírus do que 27 de março, às 18h00. Hora de Roma,
na Praça de São Pedro.
Foi
então que o papa Francisco entregou talvez a bênção mais extraordinária na
longa história do papado, oferecendo uma bênção surpresa Urbi et Orbi – ‘Para
a cidade e o mundo’ – em meio à agonia da pandemia.
O
cenário era realmente dramático : o papa Francisco sozinho naquela praça
geralmente lotada, flanqueado pelas imagens de Maria Salus Populi Romani e o
crucifixo milagroso de San Marcello, sua voz sendo levada através da chuva a
uma cidade assustadoramente silenciosa, interrompida apenas pelo som angustiante
de sirenes de ambulância passando.
A
linguagem do papa parecia dar voz ao humor nacional. A tradução não faz
justiça, esforçando-se para capturar a poesia do original italiano, mas
provavelmente a frase mais citada veio perto do início.
‘Uma
densa escuridão cobriu nossas praças, nossas ruas e nossas cidades; assumiu o
controle de nossas vidas, preenchendo tudo com um silêncio ensurdecedor e um
vazio angustiante, que pára tudo ao passar’, disse o papa.
‘Sentimos
isso no ar, percebemos nos gestos das pessoas, seus olhares as denunciam. Nos
encontramos com medo e perdidos’.
‘Tomamos
consciência de que estamos todos no mesmo barco’, disse o papa, ‘todos
frágeis e desorientados, mas ao mesmo tempo seres importantes e necessários,
todos chamados a permanecermos juntos, todos precisando nos consolarmos
mutuamente’.
Os
italianos podem permanecer divididos sobre a resposta política à pandemia, com
alguns pedindo restrições mais rígidas e outros – incluindo garçons,
cozinheiros, funcionários de hotel, esteticistas, barbeiros e outros que temem
perda de rendimentos e dificuldades familiares – argumentando amargamente que o
fardo de manter o cofre público não deve cair desproporcionalmente sobre eles.
No
entanto, esses trabalhadores estão unidos para relembrar aquele momento de 27
de março como a imagem icônica da pandemia, a única vez em que todos se
sentiram unidos em um senso comum de dependência de algo maior do que eles.
De
mil maneiras diferentes, bispos, pastores, religiosos e católicos leigos serão
desafiados, ao longo das semanas, a criarem seus próprios momentos Urbi et Orbi
em menor escala, captando o que as pessoas estão sentindo e oferecendo-lhes
consolo de uma forma que supere o medo e os conflitos.
Não
se pode apenas copiar o que Francisco fez, é claro, mas também não se pode
ignorar o poder disso. Francamente, desde que a pandemia estourou,
provavelmente não tivemos nada como a mensagem do papa para ilustrar melhor por
que a contribuição religiosa e espiritual é, sem dúvida, ‘essencial’,
afinal.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1483958/2020/11/momentos-papais-iluminam-o-que-fazer-na-segunda-onda-de-covid/