domingo, 29 de setembro de 2024

Uma iniciação às Sagradas Escrituras

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
As palavras divinas colocam a conversão humana para que brilhe nas pessoas e no mundo as obras de paz e de amor, em vista do Reino de Deus.  (@ BAV Vat. lat. 39, f. 67v)

 *Artigo de Dom Vital Corbellini,

Bispo de Marabá, PA 


As Sagradas Escrituras são palavras de Deus que possuem valor eterno pois elas vêm do próprio Deus para a realidade humana. Muitas pessoas elaboraram estas Palavras e sendo inspiradas por Deus, pelo Espírito Santo, escreveram a respeito do mistério de Deus, da vida humana e de sua salvação. É fundamental dizer também que as palavras divinas têm por objetivo a realização do amor a Deus, ao próximo como a si mesmo (cfr. Mt 22,37-39), impulsionando à salvação do ser humano. Elas colocam a conversão humana para que brilhe nas pessoas e no mundo as obras de paz e de amor, em vista do Reino de Deus. Cassiodoro, século V, leigo romano que elaborou uma obra que visava ao povo a iniciação às Sagradas Escrituras [1] colocou pontos importantes em seu tempo sobre a introdução às Sagradas Escrituras. A seguir nós veremos alguns dados elaborados por esta pessoa tão influente no período da Igreja primitiva.

A falta de mestres das Sagradas Escrituras

Cassiodoro reconheceu na sua época a existência de muitos mestres das letras seculares nas escolas, mas que faltavam mestres públicos das Sagradas Escrituras, divinas, para que assim a difusão da Palavra de Deus fosse mais ampla possível na Igreja e no mundo [2]. Ele entrou em diálogo com o Papa, bispo de Roma, Agapito I (535-536) para que na cidade de Roma, as escolas cristãs recebessem mais pessoas, educadoras educadores ligados às Sagradas Escrituras em vista do estudo, conhecimento da Palavra de Deus, da mesma forma como tinha em Alexandria, no Egito e também em Antioquia, na Síria [3]

O reconhecimento do livro do Gênesis

O autor romano falou do reconhecimento do livro do Gênesis como o primeiro livro das Sagradas Escrituras, onde se colocam os relatos da criação de todas as criaturas, sobretudo do ser humano, percebido como a imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,126), o paraíso, o pecado, o dilúvio e a aliança do Senhor para nunca mais destruir a natureza humana (cf. Gn 1-8). Ele lembrou São Basílio em relação a criação humana e os seres dados para a glória divina e humana. Ele mencionou também Santo Agostinho na disputa contra os maniqueus devido às idéias dualistas do deus do bem e do deus do mal que o bispo de Hipona, superou-as ao afirmar que o bem vem somente de Deus Criador e o mal proveio pela desobediência humana [4].

Uma palavra sobre os profetas 

Cassiodoro teve presentes os profetas, como anunciadores da vinda do Senhor Jesus neste mundo. Tudo estava em profunda ligação com a chegada do Messias. Ele comentou São Jerônimo que proporcionou claríssimas explicações sobre a generosidade do Senhor Jesus pela encarnação do Verbo neste mundo para nos salvar [5]. Ele também disse que o capítulo dezoito de Isaias é uma referência aberta aos mistérios de Cristo e da Igreja [6]. O autor romano disse que São Jerônimo comentou os profetas, classificando-os como maiores por serem longos os seus relatos, e os chamou de menores pela brevidade de seus livros [7].

Em relação ao saltério 

Cassiodoro falou que se alguns padres como Santo Hilário, Santo Ambrósio trataram alguns salmos, no entanto Santo Agostinho fez comentários de todos eles em grandes obras, escrevendo sobre a graça do Senhor, a sua atuação amorosa no mundo [8]. Para o autor romano os salmos são cento e cinqüenta de modo que eles são divididos em três secções como forma de honra à Santíssima Trindade e também para pedir ajuda, saúde, a graça do amor de Deus em cada ser humano [9].

Em relação aos evangelhos

O autor romano colocou a importância dos quatro evangelhos que a Igreja desde o inicio fechou o cânone sendo palavra de vida eterna de Jesus Nazareno, o enviado do Pai. São Jerônimo explicou as características particulares de cada evangelho de uma forma diligente para perceber a unidade dos livros. Ele colocou que diversos autores como Santo Hilário, Santo Ambrósio, Eusébio de Cesaréia, Santo Agostinho realizaram comentários muito importantes sobre os evangelhos [10] colocando como palavra plena de Deus revelada por Jesus Cristo em comunhão com o Espírito Santo.

A respeito das cartas dos apóstolos

Cassiodoro falou a respeito das cartas dos apóstolos para dar visibilidade a missão da Igreja antiga junto aos judeus e junto aos pagãos, após Pentecostes. O docetismo, o pelagianismo estavam ainda presentes, heresias que negavam a humanidade de Jesus, e o pecado original de modo que era preciso reforçar as cartas dos apóstolos, sobretudo aquelas de São Paulo onde se colocavam a humanidade e a divindade do Verbo na Pessoa de Jesus Cristo e o pecado original transmitido para toda a humanidade e através do batismo vem superado este pecado, ainda que persistam as tendências ao pecado, mas a graça de Cristo Jesus é superior ao pecado [11].

Em relação aos Atos dos Apóstolos e do livro do Apocalipse

Foram diversos os comentários a respeito dos Atos dos Apóstolos para colocar a presença do Espírito Santo sobre os Apóstolos na Igreja primitiva no anúncio da ressurreição de Jesus Cristo e na pregação evangélica nos diversos povos. Cassiodoro disse também que foi São Jerônimo quem comentou mais a respeito do livro do Apocalipse, conduzindo os leitores à uma contemplação superior e discernir com a mente os acontecimentos da Igreja primitiva e a realidade social do Império romano [12].

Os quatro Concílios reconhecidos 

Cassiodoro teve presentes que os Concílios de Nicéia (325), Constantinopla (381), Éfeso (431), Calcedônia (451) reconheceram os livros das Sagradas Escrituras como livros inspirados, de modo que eram lidos nas comunidades cristãs. As suas leituras davam luzes para as comunidades viverem a Palavra de Deus para assim enfrentarem as heresias, as hostilidades do tempo e a viverem o amor a Deus, ao próximo como a si mesmo (cfr. Mt 22,37-39) [13].

Os dois Testamentos segundo São Jerônimo 

Cassiodoro afirmou que São Jerônimo fez toda a tradução dos livros sagrados em latim, tendo presentes os livros do Antigo Testamento, sendo o Testamento primeiro da Palavra de Deus e o Novo Testamento, o Testamento segundo, realizado e assumido por Jesus Cristo, a Palavra do Pai. Os dois Testamentos são Palavra de Deus, pois Deus é o seu devido autor, proveniente de sua boca e tudo realizado em Jesus Cristo, o Messias, o Envidado do Pai. Segundo o autor romano São Jerônimo ordenou toda a sua tradução à Autoridade divina de modo a tornar a Palavra de Deus mais próxima do povo por causa da língua vernácula, o latim [14].

Esta introdução às Sagradas Escrituras feita por Cassiodoro ajude-nos na leitura da Palavra de Deus neste mês bíblico, fazer a compreensão em vista da conversão e testemunho de vida de todos nós, povo de Deus e ministros ordenados tendo presente o dom divino da salvação, dado por Deus Uno e Trino ao ser humano, pela realização de obras de caridade neste mundo.’ 

  

[1] Cfr. Casiodoro. Iniciación a las Sagradas Escrituras. Madrid: Editorial Ciudad Nueva, 1998.
[2] Cfr. Idem, pg. 67.
[3] Cfr. Ibidem, pg.  67-68.
[4] Cr. Ibidem, pgs. 81-82.
[5] Cfr. Ibidem, pg. 95.
[6] Cfr. Ibidem, pg. 96.
[7] Cfr. Ibidem, pg. 97.
[8] Cfr. Ibidem, pg. 99.
[9] Cfr. Ibidem, pg. 101.
[10] Cfr. Ibidem, pgs. 111-112.
[11] Cfr. Ibidem, pgs. 113-120.
[12] Cfr. Ibidem, pg. 121.
[13] Cfr. Ibidem, pg. 127.
[14] Cfr. Ibidem, pgs. 129-131.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2024-09/uma-iniciacao-as-sagradas-escrituras-dom-vital-corbellini.html

sábado, 28 de setembro de 2024

Evangelizando superamos a solidão

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo do Padre Thales Maciel Pereira


A evangelização na Igreja decorre da missão messiânica de Jesus, pois Ele foi constituído pelo Pai como o evangelizador por excelência. De fato, toda a vida de Cristo pode ser interpretada a partir da noção de evangelização. Ele, desde sua concepção até sua glorificação no mistério pascal, viveu para evangelizar os pobres, isto é, para comunicar uma boa notícia de salvação. Qual boa notícia é essa?

Suponhamos uma pessoa que sucumbisse a um terreno movediço. Imaginemos sua angústia ao tentar voltar integralmente à superfície. Tal pessoa, abandonada à própria sorte, certamente malograria em seu intento de autossalvação. Dali não sairia sem uma mão amiga que se lhe oferecesse como auxílio necessário. Assim é a evangelização, assim é a vida de Cristo.

Quando estamos sós, não conseguimos conferir sentido às nossas próprias vidas. Nós, seres de relação, necessitamos da interação e dos relacionamentos com os outros seres humanos para mantermo-nos nesta vida. No horizonte espiritual, também ocorre a mesma coisa : precisamos de uma presença amiga para que sejamos mantidos no horizonte da vida.

Isso parece tão verossímil a ponto de Joseph Ratzinger, o saudoso Papa Bento XVI, indicar que o medo mais radical do ser humano é o da solidão. Segundo ele, ‘A criança perderá o seu medo no momento em que uma mão se oferecer para guiá-la e uma voz falar com ela; no momento, portanto, em que a criança viver a experiência da presença de um ser humano amoroso. Mesmo aquele que estiver em companhia de um morto deixará de sentir um assomo de medo quando houver alguém junto dele, de modo que sinta sua presença. Na superação do medo se revela a sua natureza mais intrínseca, ou seja, o medo da solidão, que é o medo de um ser que só pode viver junto dos outros. O medo essencial do ser humano não pode ser superado pelos argumentos da razão e sim pela presença de alguém que ama’ (Introdução ao cristianismo, 221).

Assim, evangelizar significa comunicar uma notícia muito boa : você não está sozinho. A solidão radical do ser humano é superada mediante a abertura do coração a Deus e às pessoas que estão ao nosso redor para que nos completemos e nos compreendamos como seres de relação.

A salvação, portanto, não é uma realidade própria de indivíduos isolados e autocentrados, mas, fruto de uma relação íntima de comunhão entre a vida humana e a vida divina.

Evangelizar é superar a solidão. Ser evangelizador é participar da missão de Jesus, é proclamar – com a boca e com a vida – que sozinhos nada podemos, mas que, juntos, avançamos no aprofundamento da vida e no melhoramento do mundo.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/evangelizando-superamos-a-solidao.html


quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Jesus, modelo de oração e ação

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo do Padre Flávio de José Lima da Silva


A oração e a ação são duas realidades que marcam toda a trajetória pública de Jesus Cristo. Ao olharmos para os quatro evangelhos, facilmente identificaremos a oração e a ação no cotidiano da vida de Jesus. Na caminhada, anunciando o Reino de Deus, temos vários relatos segundo os evangelistas em que Jesus vai para um lugar deserto e afastado, muitas vezes sozinho, rezar, ter sua intimidade com o Pai, abastecer-se espiritualmente para realizar a missão que lhe foi confiada. 

A ação é a marca de Jesus Cristo; Ele não mede esforços, está sempre disposto, uma pessoa ativa e participativa na vida das pessoas. O Novo Testamento apresenta inúmeras ações de Jesus, que na sua grande maioria é em favor da vida e da dignidade das pessoas. 

Nosso Senhor Jesus Cristo é o modelo a ser seguido, sabemos disso, mas nem sempre queremos observar o Cristo como modelo, talvez por medo, insegurança ou, ainda, por nos sentirmos incapazes e indignos. Para tanto, ao olharmos para dentro de nós mesmos certamente iremos perceber nossas limitações, mas o próprio Jesus acreditou nos discípulos a ponto de lhes confiar a continuidade da sua missão. Sendo assim, não tenhamos receios e, a exemplo de Jesus, sejamos pessoas de oração e ação.

Como discípulas e discípulos de Jesus Cristo, aprendemos do Mestre como devemos fazer as nossas orações e com muita clareza Ele orienta para entramos em nossos quartos e rezarmos ao Pai que está no Céu (cf. Mt 6,9-13). Essa oração está interligada com a ação, não é possível separar essa que foi a trajetória que Jesus percorreu.

Para a vida cristã é impossível vivê-la sem a oração e ação, pois, sem essas duas atividades, fica insustentável, sem sentido. Dessa maneira, todas as pessoas que fazem a opção pela vida cristã necessariamente estão dispostas a seguir Jesus Cristo e também devem se esforçar para ser pessoas de oração e ação, a exemplo do Mestre, que com muito zelo e amor mostra o caminho que precisamos percorrer.

Por fim, uma vida cristã eficaz consiste no seguimento incondicional a Jesus Cristo. Ele é a fonte principal, modelo de oração e ação, sua vida doada nos impulsiona a segui-lo e sem Ele não teremos forças suficientes na oração e na ação, pois ambas caminham juntas e são fundamentais para uma vida de fé autêntica e verdadeira.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/jesus-modelo-de-oracao-e-acao.html


quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Deus tem um nome e este é sagrado

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Luiz Antônio de Araújo Guimarães 

 

‘Na sequência dos mandamentos da lei de Deus, contempla-se o : ‘Não tomar o seu santo nome em vão’. Quando lê essa mensagem, o jovem pensa logo : ‘Deus tem um nome?’. 

Veja bem : o nome é o que há de mais sagrado em alguém, imprime uma identidade e diferencia esse ser humano dos demais. Por exemplo : o José é diferente do Antônio, que consequente é diferente do Cícero e assim por diante. O nome traz consigo um caráter indelével, desde o dia em que aquela pessoa foi batizada. É pelo nome que a pessoa é identificada; também por meio dele a pessoa se apresenta; de igual modo é reconhecida por tal apresentação; a pessoa zela por seu nome, preservando sua identidade em aspecto sociomoral; enfim, o nome está concomitantemente intrínseco a cada pessoa e nem a morte pode apagá-lo. O nome se perpetua na história.

Se cada ser humano tem um nome, aquele que os criou também não o teria? Claro que sim! Diz o Catecismo da Igreja Católica no parágrafo 2143 : ‘Entre todas as palavras da revelação, há uma, singular, que é a revelação do nome de Deus. Deus confia o seu nome aos que creem nele; revela-se-lhes no seu mistério pessoal. O dom do nome é da ordem da confidência e da intimidade’. Nesse sentido, Deus, por ver em Moisés um crente, isto é, um homem que crê verdadeiramente, revela-lhe seu nome : ‘Eu sou aquele que sou!’ (Ex 3,14). Ou seja, Ele é aquele que é, que sempre existiu; não tem início e nem fim. Pelo contrário, tudo tem início e fim no nome dele. Por sua vez, mais tarde, na história da salvação, já no Novo Testamento, Ele se revela em Jesus como sendo o Emanuel, Deus conosco, a saber, conforme a profecia : ‘Eis que a virgem ficará grávida e dará à luz um filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, que significa ‘Deus conosco’’ (Mt 1,23). É como se dissesse ‘O ‘Eu sou’ caminha todos os dias com tudo o que existe e que existirá e além do mais conhece a cada um por seu próprio nome ao dizer ‘Não tenhas medo, pois eu te resgatei, chamei-te pelo teu nome, tu és meu!’ (Is 43,1)’. 

Deus, ao se revelar pelo nome, faz isso para aproximar-se do ser humano a fim de fazer com que este o conheça, ame e siga. É uma revelação de amor para com aqueles que foram criados à sua imagem e semelhança. É bem verdade que ao revelar seu nome, que é santíssimo, quer dizer, o maximamente sagrado, o homem não pode dizer o nome dele em vão. Daí que o Catecismo da Igreja Católica, ainda no parágrafo 2143, orienta : ‘O nome do Senhor é santo; por isso, o homem não pode abusar dele. Deve guardá-lo na memória, num silêncio de adoração amorosa. E não o empregará nas suas próprias palavras senão para o bendizer, louvar e glorificar’. É fazer como pede a Sagrada Escritura : ‘Para que, ao nome de Jesus, todo joelho se dobre no céu, na terra e abaixo da terra, e toda língua confesse ‘Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai’ (Fl 2,10-11).

É bom salientar que, ao dar-se a conhecer e tornar-se próximo, Ele não perde a condição divina. O próprio nome já assegura, é uma revelação, sendo do Céu para a Terra e não da Terra para o Céu; é nome divino, altíssimo. Sagrado, santíssimo, que toca esta pobre humanidade, assumindo a natureza humana em Jesus, o Emanuel, sem perder a sua natureza divina. 

Outra coisa não faça cada ser humano que tem um nome e que quer que este seja preservado, que reconheça o nome de Deus e lhe dê toda honra, glória e poder, pois é o ‘Nome que está acima de todo nome’ (Fl 2,9).’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/deus-tem-um-nome-e-este-e-sagrado.html


domingo, 22 de setembro de 2024

Uma experiência viva com Deus por meio dos sacramentos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Rafael Beck Ferreira


‘Nas mais diversas culturas, a água é compreendida como sagrada, fonte da vida, energia vital primordial. Importantes cidades foram construídas justamente próximas aos rios e ao mar. No cristianismo, os sacramentos são o grande rio que possibilita o desenvolvimento da vida na Igreja. Dos sacramentos os cristãos bebem e se alimentam desde o nascimento até o fim natural, do Batismo ao Viático e à Unção dos Enfermos. Esse rio nutrício nasce de um evento, sobretudo : o sacrifício de Jesus Cristo na cruz – do seu lado (coração) aberto pela lança do soldado brotaram sangue e água para a vida da Igreja. Desse manancial místico os sacramentos nasceram e, para nossa felicidade, essa nascente da graça jamais secará.

  Sendo assim, os sacramentos não se coadunam com o formalismo de um mero rito exterior (por exemplo : ‘Eu não acredito nisso, mas batizarei meu filho para ele receber o certificado’). Os sacramentos proporcionam o frescor de uma experiência revitalizante e salvífica. Se o pecado contamina, adoece e mata o indivíduo e a sociedade, os sacramentos salvam e conferem saúde. 

O setenário sacramental divide-se em : 1) sacramentos da iniciação cristã (Batismo e Confirmação, que nos ligam à família divina pelo vínculo do Espírito e pelos méritos de Cristo, e a Eucaristia, que atualiza a presença do vivente e a vida da Igreja na história); 2) sacramentos de cura (Reconciliação e Unção dos Enfermos, que purificam e vivificam nossa alma); 3) sacramentos de serviço (a vida que gera vida por meio da doação de si, expressão da caridade cristã).

  Nosso grande desafio, talvez, seja tornar a valorizar os sacramentos, desburocratizar o acesso a eles conforme recentes pedidos do Papa Francisco, celebrá-los com alegria, beleza e dignidade. ‘Existe estreito vínculo entre as três dimensões da vocação cristã : crer, celebrar e viver o mistério de Jesus Cristo, de tal modo que a existência cristã adquira verdadeiramente forma eucarística’ (Documento de Aparecida, 251). Na celebração dos sacramentos, jorra vida para a Igreja, vida em abundância (cf. Jo 10,10).’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/uma-experiencia-viva-com-deus-por-meio-dos-sacramentos.html


sexta-feira, 20 de setembro de 2024

A fé conduz ao amor

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre José Alem, CMF


‘Agora permanecem estas três : a fé, a esperança e o amor. Mas a maior delas é o amor (1 Cor 13,13)’


A Fé é um dom do amor de Deus para a nossa plena vida. A fé nos leva a crer nas verdades que não se veem e que são as maiores e mais importantes : crer no único e verdadeiro Deus, que é Uno e Trino, na existência de anjos, na existência de espíritos maus, na existência da alma, do céu, do inferno… Acreditar, enfim, em tudo o que a Igreja crê e ensina, fruto da ação do Espírito Santo, que a conduz pela história.

É preciso que nossa fé seja bem compreendida e vivida neste mundo, onde muitas pessoas não creem mais e, muitas vezes, até desrespeitam aqueles que creem. A fé é um ato de adesão, de decisão, de abertura da alma ao mistério de Deus que se revela. A fé faz ver, não com os olhos, mas com o espírito; dá luz e sabedoria para acolher o mistério revelado além das aparências.

E a fé gera também esperança. Podemos esperar sempre se temos fé. Esperar que tudo o que cremos se realize e nos conduza à vida plena. A própria vida não tem fim, apenas supera o limite do tempo e do espaço. A fé nos revela que a vida atinge sua plenitude e seu autêntico sentido na eternidade. A esperança nos conduz à confiança dessa vida plena que existe depois desta, isto é, o paraíso para os que viveram no amor, amando a Deus e ao próximo; o inferno, para os que não viveram o amor e, por isso, pecaram; e o purgatório, para aqueles que, mesmo amando, precisam purificar-se para serem plenos e, assim, gozarem do paraíso. E há ainda a caridade, que nos torna capazes de amar a Deus e ao próximo. A caridade é a plenitude de tudo. É viver na terra como no céu. É a vida de Deus em nós e entre nós.

São Paulo, na primeira carta aos Coríntios, capítulo 13, revela, conduzido pelo Espírito Santo, como entender e viver o amor como a plenitude da fé, da esperança, da vida. Ensina o que é amar como Jesus ama e como tudo um dia vai desaparecer, restando apenas o Amor. Quem vive no amor, por amor, sendo amor, salva sua vida. No amor está a fonte e o ápice da vida, como Jesus viveu e ensinou, e espera que seus discípulos vivam. São Paulo conclui sua mensagem de maneira clara e categórica : ‘Agora permanecem estas três : a fé, a esperança e o amor. Mas a maior delas é o amor’ (1 Cor 13,13).

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/maria-mae-do-verbo.html

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Maria, mãe do Verbo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Brás Lorenzetti


Existem inúmeros títulos marianos sobre os quais poderíamos discorrer ou muitos temas bíblicos à nossa disposição para refletir sobre eles, porém, fico pensando em como se poderia estabelecer uma aproximação ao tema do Mês Bíblico deste ano, que é o Livro de Ezequiel, e o lema ‘Porei em vós meu Espírito e vivereis’ (Ez 37,14). 

Algumas verdades e escritos de Ezequiel nos direcionam a Maria no sentido da profecia à realização. Se da parte de Ezequiel os oráculos proféticos anunciam uma realidade de salvação, em Maria a salvação se torna realidade; se os gestos proféticos querem mostrar a verdade e a presença de Deus no meio de povo, chamando-o à conversão, em Maria, na pessoa de um ser frágil e inocente, o Jesus Menino se torna presença viva de Deus, profeta verdadeiro e definitivo entre nós (cf. Jo 6,14); em relação às parábolas e alegorias proferidas por Ezequiel, como a do povo de Israel que se torna videira estéril, podemos dizer que Maria é videira que dá o fruto verdadeiro e definitivo, Jesus. Se a parábola da esposa infiel é uma forma de chamar o povo à fidelidade ao seu Senhor, em Maria vemos a fidelidade mais extremada e absoluta : ‘Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua Palavra’ (Lc 1,38); as visões e êxtases do profeta nos remetem ao realismo do Magnificat proclamado por Maria : ‘Desde agora me proclamarão bem-aventurada todas as gerações, porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é santo’ (Lc 1,46-55). Assim, em Maria as profecias se tornam realidade e os anúncios proféticos se cumprem plenamente. 

No campo social, o profeta acusa de infidelidade as lideranças políticas, religiosas e o próprio povo, enquanto Maria proclama que a presença de Jesus, o Deus feito carne, vai promover a solidariedade, saciando de bens os indigentes (cf. Lc 1,53), que os abastados, os que só confiam em sua riqueza e em sua presunção, os que só confiam na riqueza e na sua prepotência, vão sentir sua mão pesada e serão dispersados (cf. Lc 1,53). Se o livro do profeta Ezequiel é marcado pela esperança da restauração, em Maria a profecia se torna realidade : a esperança se chama agora Jesus de Nazaré, o Deus encarnado entre nós.

Que o Senhor derrame seu Espírito sobre nós, a fim de que tenhamos verdadeira vida e discernimento; que possamos ver a presença profética de Maria na vida da Igreja e sua intercessão nos torne fiéis ao Espírito que plenifica e dá vida; que venha sobre nós o dom da profecia e da disponibilidade total, como em Maria.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/maria-mae-do-verbo.html


domingo, 15 de setembro de 2024

Uma reflexão sobre os caminhos tortuosos da migração

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Migrantes em trânsito na região de Colchane, no Chile (Foto: OIM Chile)

*Artigo do Padre Alfredo J. Gonçalves, CS


‘Migrar é um direito, direto de ir e vir? Teoricamente, sim, na verdade não! Pelo contrário, para milhões e milhões de pessoas, migrar é uma obrigação. Migração forçada, compulsória. Sair não por decisão própria, mas por uma série de circunstâncias adversas. Alguns autores falam de fatores de expulsão. Fatores que pressionam as pessoas a deixarem sua terra natal, às vezes a família, amigos e parentes. A terra natal tem subjetivamente um caráter sagrado : nela estão sepultados os restos mortais dos antepassados. Os principais ‘fatores de expulsão’ estão ligados, em primeiro lugar, às condições socioeconômicas em que vive a população de origem. Faltam oportunidades reais de sobrevivência, o que leva a buscá-las em outra parte. Evidente que os países de origem coincidem com o subdesenvolvimento, a pobreza, a miséria e a fome.

Em segundo lugar, as tensões, conflitos e guerras formam um segundo bloco de expulsão. Diferenças e turbulências de ordem étnica, religiosa, política ou ideológica tendem a produzir refugiados em série. O refugiado é aquele que não pode voltar atrás, sob pena de perseguição, encarceramento ou morte. Daí a fuga em massa dos países conflagrados, com a intenção de encontrar um lugar de refúgio. Segundo o ACNUR, o número de refugiados e deslocados internos forçados em todo planeta já ultrapassa a casa dos 120 milhões de indivíduos.

Muitos migrantes estão sendo expulsos, em terceiro lugar, devido aos efeitos nocivos, e cada vez mais extremos, das mudanças climáticas. Estiagens, inundações, tornados, furacões, etc. afetam em geral os setores mais vulneráveis da população. Na verdade, não poucos destes migrantes já viviam em situação precária no país de origem, forçadas a ocupar os lugares mais perigosos e sujeitos a tragédias. Poder-se-ia dizer que essas catástrofes climáticas apenas marcam a hora da partida. Alguns falam de ‘refugiados climáticos’, expressão que o ACNUR ainda não reconhece. Claro, outras motivações levam as pessoas a migrar. Saúde, educação, moradia, turismo são algumas delas. Também vivem em constante migração aqueles que trabalham com os meios de transporte, tais como motoristas, marítimos, aeroviários… Sem ignorar, ainda, os missionários, peregrinos, soldados, técnicos de empresas transnacionais, entre outros.

Por outro lado, no processo de migração, os autores falam também em fatores de atração. Um dos mais batidos são as luzes, atrativos e oportunidades proporcionadas de modo particular pelo universo urbano. O termo ‘luzes’, neste caso, poderia servir de metáfora para os direitos humanos mais elementares : acesso mais fácil ao trabalho, à moradia, à escola, aos serviços de saúde, transportes, e assim por diante. Em outras palavras, os ‘fatores de atração’ pressupõem, em geral, os ‘fatores de expulsão’. A carência extrema alimenta o sonho de vida melhor, impondo a necessidade de migrar. O que significa que ‘fatores de expulsão’ e ‘fatores de atração’ comportam duas faces da mesma moeda.

O fenômeno migratório, cada vez mais intenso, diversificado e complexo inclui, via de regra, três aspectos : polo de origem, polo de destino e lugares de passagem. Alguns países são predominantemente pontos de saída, outros de chegada e outros ainda de trânsito. Mas não é incomum que algumas nações reúnam, ao mesmo tempo, duas ou três dessas circunstâncias, tais como Turquia e Grécia, México e Portugal, Espanha e Líbia, para citar casos específicos. O certo é que origem, destino e trânsito, apesar de existirem enquanto predominância, se cruzam e se misturam, se interpelam e se entrelaçam. O que levanta a dificuldade de trabalhar com o esquema estreito de ‘fatores de expulsão’ e ‘fatores de atração’.

Se é certo que os migrantes contemporâneos sabem evidentemente de onde partiram, poucos sabem onde replantar as próprias raízes. Tal como nas migrações históricas da Europa para as Américas, os migrantes de hoje nunca esquecem a terra onde nasceram e criaram raízes. Diferentemente daqueles, porém, grande parte dos atuais desconhece o lugar de chegada. Batem de fronteira em fronteira, até encontrarem acolhida. Em outros tempos, o lugar de origem e o lugar de destino estavam mais ou menos determinados. Não é o que ocorre atualmente. Aos milhares e milhões, os migrantes passam a errar de um lugar a outro, como aves de arribação, sem um galho onde repousar. Tudo na ‘aventura’ da migração se tornou mais incerto, mais inseguro e mais inquietante. Em conclusão, não custa lembrar que o direito de migrar (ir-e-vir) corresponde ao direito de permanecer em sua pátria. Tudo depende de oferecer a cada cidadão oportunidades iguais de desenvolvimento. Aqui, se fazem necessárias políticas públicas estruturais, no sentido de evitar a todo custo a migração forçada. Então, sim, migrar ou ficar será um direito de todos’.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://migramundo.com/uma-reflexao-sobre-os-caminhos-tortuosos-da-migracao/

sábado, 14 de setembro de 2024

Sua cruz me deu vida (14.set)

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Lino Rampazzo


Abrindo o livro do Atos dos Apóstolos, escritos por São Lucas, podemos verificar como nasceu a Igreja. Foi pelo anúncio do Evangelho. 

‘Evangelho’ é um termo de origem grega que significa ‘bom anúncio’. Qual foi este ‘bom anúncio’? Podemos responder com a seguinte afirmação : Jesus Cristo morreu e ressuscitou para a nossa salvação. 

Simplesmente do ponto de vista histórico, a morte de Jesus foi o assassinato de um inocente, mas, à luz da fé, sua morte foi o maior ato de amor da história, que salva a humanidade. Graças a esse grande ato de amor, Deus perdoa os homens, que são irmãos de Jesus, por isso Ele se tornou homem. É o Cristo mesmo que transmite o sentido verdadeiro da sua morte, mais exatamente nas palavras da consagração da Última Ceia : ‘Isto é meu corpo, dado por vós : fazei isto em memória de mim’ (Lc 22,19); ‘Este cálice é a nova aliança em meu sangue, derramado por vós’ (Lc 22,20).

É a partir desse anúncio que Pedro, no dia de Pentecostes, pede que os ouvintes da mensagem se arrependam dos pecados, recebam o Batismo e entrem a fazer parte da Igreja. Os novos cristãos ‘perseveraram na doutrina dos apóstolos, na vida da comunidade, na fração do pão, e nas orações’ (At 2,42). 

Ressalta-se que a expressão ‘fração do pão’ indicava a celebração da santa Missa. Nessa celebração, como acima lembrado, os cristãos sentem-se estritamente ligados à cruz, graças ao corpo de Cristo, ‘dado por nós’, e ao sangue de Cristo, ‘derramado por nós’.

Voltamos ao grande mistério do sofrimento e da morte de Cristo. Isso é demonstrado pela atitude dos discípulos de Emaús, que tinham perdido a esperança em Jesus diante da sua condenação à morte. A essa altura, o mesmo Jesus explicou como devia ser interpretada sua terrível morte : ‘Não era necessário que o Cristo sofresse essas coisas para entrar na sua glória? E, começando por Moisés e percorrendo todos os profetas, explicou-lhes em todas as Escrituras o que lhe dizia respeito’ (Lc 24,26-27).

A partir dessa ‘base da nossa fé’, começamos todas as nossas orações com o sinal da cruz, vivenciamos a sexta-feira como o dia da cruz de Cristo e o domingo como o dia da ressurreição. Celebramos a Semana Santa, com destaque na quinta-feira, dia da Última Ceia, na sexta-feira, dia da morte de Cristo, e no domingo da Páscoa, dia da ressurreição.

Vamos concluir estas reflexões com o hino que o apóstolo Paulo nos apresenta na Carta aos Filipenses : ‘Cristo Jesus, apesar de sua condição divina, não reivindicou seu direito de ser tratado como igual a Deus. Ao contrário, aniquilou-se a si mesmo e assumiu a condição de servo, tornando-se semelhante aos homens. Por seu aspecto, reconhecido como homem, humilhou-se, fazendo-se obediente até a morte e morte de cruz. Por isso Deus o elevou acima de tudo e lhe deu o nome que está acima de todo nome, de modo que ao nome de Jesus todo joelho se dobre nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor para a glória de Deus Pai’ (Fl 2,6-11)’.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/sua-cruz-me-deu-vida.html


sexta-feira, 13 de setembro de 2024

A guerra esquecida do Sudão

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Bernardino Frutuoso,

jornalista


Neste número da Além-Mar damos um grande destaque ao drama que está a viver o Sudão, envolvido num conflito esquecido, devastador e pouco mediatizado.

A guerra civil começou no dia 15 de Abril de 2023 com confrontos em Cartum, a capital do Sudão, entre o Exército sudanês e as Forças de Ação Rápida (RSF). As duas forças lutam pelo controle do poder no país. O conflito já fez mais de 15 mil mortos e 8,6 milhões de deslocados e refugiados; 24,8 milhões de sudaneses enfrentam insegurança alimentar e, sem ajuda internacional, um milhão de pessoas poderão morrer de fome este ano.

Um ano depois do início do conflito, em Abril passado, as Nações Unidas organizaram a conferência internacional do Sudão em Paris, procurando chamar a atenção para uma das maiores catástrofes humanas no planeta. António Guterres, secretário-geral da ONU, lembrou que, por estar com a atenção centrada nas tensões no Médio Oriente, o mundo «se está a esquecer do povo do Sudão». O diplomata português sublinhou que esta «é uma guerra contra os muitos milhares de civis que foram mortos e dezenas de milhares de mutilados para o resto da vida. É uma guerra contra os direitos humanos e o direito humanitário internacional». Da conferência resultaram as promessas de ajuda no valor de dois mil milhões de euros, mas ainda falta muito para os obter. 

Na declaração final, os participantes na conferência – co-presidida pela Alemanha, França e União Europeia – instaram as partes em conflito a porem termo às violações dos direitos humanos e a permitirem o acesso da ajuda humanitária. Um apelo que não foi ouvido. Percebe-se que nenhum dos grupos armados está disponível para conversar, alcançar um cessar-fogo e traçar um caminho para a paz. Pelo contrário, em Maio, milícias do Darfur que se tinham mantido neutrais desde o princípio do conflito decidiram apoiar o Exército e os combates estenderam-se também a El-Fasher, a capital do Darfur do Norte, a única cidade desse Estado que tinha escapado aos horrores da guerra. 

Sabemos que o país é rico em recursos naturais, nomeadamente urânio e ouro, e as potências estrangeiras, interessadas em explorar esses recursos, financiam os grupos envolvidos na guerra. Numa entrevista ao jornal Público, a investigadora Daniela Nascimento, professora da Universidade de Coimbra, especialista no Sudão, sublinhava, precisamente, que o conflito «está a ser apoiado a partir de fora» : «Temos a Arábia Saudita envolvida, temos o Qatar, os Emirados Árabes Unidos. Temos, por outro lado, as Forças de Apoio Rápido a serem apoiadas no terreno pelo Grupo Wagner, tendo como contrapartida o acesso às minas de ouro do Sudão.»

Apesar desta situação dramática, os missionários continuam o seu labor evangelizador no país. Os Missionários Combonianos e outros religiosos foram obrigados a deixar as suas missões e obras. Em Cartum, como refere o padre Jorge Naranjo, destruíram grande parte da cidade e o Comboni College (Universidade dos Combonianos) deixou de funcionar nas suas instalações e mudou-se para Porto-Sudão, no mar Vermelho, com aulas que se fazem sobretudo em modalidade virtual.

Sem perder a esperança, e levantando a nossa prece a Deus, sonhamos com um futuro melhor para o povo do Sudão’.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.combonianos.pt/alem-mar/opiniao/4/1234/a-guerra-esquecida-do-sudao/

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Povo da rua : a busca por visibilidade e as ações transformadoras da realidade

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Cintia Lopes


‘Os desafios da Pastoral do Povo da Rua para promover dignidade aos excluidos’

‘A população de rua no Brasil aumenta a cada ano em diferentes regiões do país. Em 2023, 261 mil pessoas viviam em situação de rua no Brasil, número onze vezes maior que há dez anos. Já nos dois primeiros meses deste ano de 2024, mais 10 mil pessoas foram para as ruas, totalizando assim aproximadamente 272 mil pessoas em situação de rua, sendo que 70% dos moradores de rua são negros e 87% estão na faixa etária entre 18 e 59 anos. 

Os dados foram divulgados no último levantamento feito pelo CadÚnico, o Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal, em março. Além disso, observa-se um crescente aumento de muitos migrantes nas ruas, como venezuelanos, haitianos, peruanos, senegaleses, cubanos, libaneses, entre tantos outros que se juntam a várias famílias brasileiras em situação de rua. É notório que a população está indo cada vez mais cedo para as ruas e permanecendo aí longos períodos. Quais seriam as principais causas para tantas pessoas nas ruas especialmente nos grandes centros urbanos?

É preciso observar que a violência estrutural que acomete parte da população brasileira é muito anterior à pandemia da covid-19, ainda que após o período pandêmico tenha havido um aumento de famílias inteiras e de mulheres nas ruas. Especialistas apontam que as principais causas são nesta ordem : conflitos familiares e comunitários, perda ou precarização de moradia, perda ou precarização de trabalho e o uso prejudicial de álcool e outras drogas são as principais causas que levam as pessoas à situação de rua no país, o que indica que é um problema principalmente relacionado a políticas públicas e econômicas.

Para atuar pelos direitos e necessidades dessa parcela da sociedade, que muitas vezes representa os excluídos, a Pastoral do Povo da Rua tem como missão criar vínculos com a população em situação de rua e identificar os potenciais de vida desenvolvendo ações que transformem essa exclusão em realidade de vida para todos, como reforça Ivone Maria Perassa, coordenadora nacional da Pastoral do Povo da Rua e há onze anos nela atuando. Ela explica que uma das principais funções da coordenação é fortalecer a atuação dos agentes da pastoral em escala nacional e contribuir com a formação para que os agentes consigam, de fato, junto com a rua pensar em ações transformadoras da realidade. ‘Por muito tempo e diversas vezes, quem atua com população de rua a vê composta por pessoas que precisam de comida, roupa, água e cobertor e aí geralmente ficam nessas ações. Na pastoral, nós consideramos que essas são ações emergenciais de que todo ser humano necessita, como comer, beber, dormir, tomar banho, mas não podemos ficar somente nelas’, pondera Ivone.

Ao longo de mais de quarenta anos, a pastoral contribui especialmente para que a população de rua se fortaleça, conheça seus direitos, organize-se em pequenos grupos ou comunidades e consiga dar seus passos de forma organizada na defesa dos seus direitos ou na proposição de políticas públicas. Dentre as conquistas, vale destacar a atuação no campo da política pública – com as criações de conselhos, comitês, portarias que garantem os direitos da população de rua tornando-a mais visível. ‘A visibilidade surge quando se está organizado. Essa é uma ação que a pastoral tem focado muito : fortalecer a organização dessa população para que possa sair dessa situação’, detalha Ivone, que explica ainda que ‘hoje a população de rua consegue entrar e fazer debate, dialogar com o judicial, com o ministério público, com o Executivo, com o Legislativo. Consegue ser respeitada ou ser ouvida enquanto em tempos passados eram barrados na porta’.

Dentre os projetos encabeçados pela pastoral, o ‘Moradia primeiro para população de rua, criado em 2019, tem como objetivo incluir pessoas em situação crônica de rua e proporcionar uma vida digna e reestruturada. Outro propósito é mostrar aos municípios que incluir a população na moradia é mais econômico e com resultados eficazes’, exemplifica a coordenadora.

O alto custo de vida e o desemprego crescente também contribuem para que a rua seja o destino de famílias inteiras : ‘A rua virou uma opção porque é o lugar em que as pessoas optam por viver já que não dão conta de pagar com o que recebem a comida, a moradia, o remédio e outras despesas. Após a pandemia, muitas outras pessoas com transtornos mentais, depressão profunda, sequelas respiratórias e que não são idosas não se sentem mais úteis na vida’, diz Ivone. À medida que as pessoas não dão conta de viver e de trabalhar temos um problema social e econômico. ‘Presenciamos uma crise pela falta de programas de moradias coletivas adequadas e residências terapêuticas para aqueles com transtornos mentais. Moradias dignas para essa população com um custo social, ofertas de trabalho que sejam de acordo com essa realidade de uma população que não tem um acesso tão ágil às tecnologias’, reflete ela. 

Hoje, a metade das vagas disponíveis nas moradias públicas – sejam em abrigos, albergues, casas de acolhimento – está como residências fixas. ‘São idosos, pessoas deficientes que estão lá porque não têm outro local para ir. Os equipamentos públicos que deveriam ser rotativos estão ocupados por residências coletivas fixas e precárias’, alerta Ivone.

Os municípios, de um modo geral, investem nos chamados programas de higienização, que é a expulsão das pessoas das suas cidades, de forma discreta, com o recolhimento de pertences e, por vezes, com atos de violência. O problema é então transferido, já que a migração acontece para municípios de pequeno e médio porte. ‘O grande desafio é fazer com que o poder público invista em programas que sejam de inclusão e de estruturação dessas vidas, focando projetos de geração de renda e inclusão na moradia. Entendemos que é a porta de saída para essa população’, diz ela. 

Uma das vozes mais atuantes e reconhecidas na luta contra a invisibilidade do povo em situação de rua é o Padre Júlio Lancellotti, vigário episcopal para a Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo (SP). Muitos dos projetos desenvolvidos por ele em conjunto com a pastoral são criticados por políticos conservadores e por uma parcela da sociedade. Ivone frisa : ‘O Padre Júlio tem tido uma força de expressão fundamental. Ele é firme naquilo que acredita, tem garra, resistência, consciência política, além de ser respeitado. Essa pressão que o Padre Júlio recebe é semelhante à que grupos que desenvolvem trabalhos diretos na rua com abordagem, entrega de alimentos, de roupas e cobertas têm sofrido no Brasil inteiro, por isso, nossa luta maior é por políticas públicas estruturantes’.

Os cidadãos comuns, especialmente cristãos católicos, podem ajudar efetivamente essa corrente de solidariedade e acolhimento dentro de suas próprias realidades, cidades, bairros onde moram. ‘Identifiquem pessoas em sofrimento nesse grau de abandono que é a situação de rua. Não se fechem. Conversem e ouçam o que elas têm a dizer. Se não tiverem nada mais para ofertar, a orientação é contatar as autoridades dos municípios para avaliar as possibilidades de casas de acolhimento e abrigos. A participação dos cristãos no suporte emergencial, em socorro à vida, é necessária em todos os momentos’, finaliza Ivone’.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/povo-da-rua-a-busca-por-visibilidade-e-as-acoes-transformadoras-da-realidade.html