domingo, 9 de março de 2025

A atuação da reforma da Liturgia das Horas Monástica na Congregação Beneditina do Brasil

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Beneditinos de São Bento, Salvador, Bahia (Brasil). © AIM

 *Artigo de Dom Jerônimo Pereira, OSB

Mosteiro de São Bento de Olinda, PE


‘A vida liturgica emerge como a índole que, em certo sentido, distingue a vida monástica beneditina. Essa perspectiva norteou o Congresso internacional dos Abade e Priores Conventuais da Confederação Beneditina, sediado em Santo Anselmo, Roma, dos dias 19 de setembro a 04 de outubro de 1966, sob a direção do Abade Primaz Benno Walter Gut (1897-1970). O argumento central foi a reforma do Breviário Monástico. A acalorada discussão girava em torno dos temas da pluralidade ou uniformidade, do latim ou da língua vulgar, do canto ‘moderno’ ou do Canto Gregoriano, e, sobretudo para o Saltério, do aplicar o conceito da quantidade ou da qualidade. Era em jogo a procura do equilíbrio entre a letra e o espírito da Regra. O Congresso concluiu-se com a formação de uma comissão – De re liturgica – para estudar a forma mais adequada de responder e harmonizar esses impasses e acalmar os ânimos. No ano sucessivo se deu a segunda parte do Congresso (de 18 a 30 de setembro), como previsto. Votou-se nas propostas apresentadas pela comissão; elegeu-se o novo Abade Primaz, Dom Rembert George Weakland, formou-se uma nova comissão para prosseguir com os estudos, e no dia 15 de outubro do mesmo ano o Consilium ad exsequendam Constitutionem de Sacra Liturgia aprovou o uso ad experimentum do ordo provisório do Saltério, apresentado no Congresso pelo Abade Dom Emmanuel Maria Heufelder (1898-1982), Abade de Niederalteich, Alemanha.

No dia 10 de fevereiro de 1977, a Sagrada Congregação para os Sacramentos e o Culto Divino aprovou o documento litúrgico preparado pela comissão e apresentado para a aprovação pelo Abade Primaz no dia 11 de novembro de 1976, o Thesaurus Liturgiae Horarum Monasticae [1]. Para a distribuição do Saltério o Thesaurus apresenta quatro esquemas diferentes que levam os nomes dos seus autores : esquema A’ (da Regra de São Bento); B, organizado por um monge da Abadia suíça de Dissentis, Notker Füglister (esquema ‘Füglister’); C, chamado de ‘Scheyern’ por causa da Abadia homônima alemão onde foi idealizado e D, estruturado pelo trapista Chrysogonus Waddell, da Abadia de Gethsemani, Kentucky, Estados Unidos [2].

O processo de atuação em terras brasileiras

1. A constituição da commissio

Para atuar a reforma do Breviário Monástico em terras brasileiras, o Capítulo Geral da Congregação Beneditina do Brasil, sob a direção de Dom Basílio Penido, Abade do Mosteiro de São Bento em Olinda desde 1964 e Abade Presidente da Congregação de 1972 a 1996, instituiu uma comissão de monges e monjas sob a direção da Madre Maria Teresa Amoroso Lima (1929-2011), então Abadessa da Abadia de Santa Maria, em São Paulo. Compunha a comissão, além da supracitada Abadessa, Dom Timóteo Amoroso Anastácio (1910-1994), Abade do Mosteiro de São Sebastião, na Bahia; Dom Marcos de Araújo Barbosa, poeta e tradutor, da Abadia de Nossa Senhora do Monserrate, no Rio de Janeiro; Ir. Francisca Biolchini (1920-2012), da Abadia de Santa Maria em São Paulo; e duas monjas do Mosteiro de Nossa Senhora das Graças, em Belo Horizonte, a Ir. Maria Teixeira de Lima (1913-2012) e a Madre Martinha Marques Mello (1925-2020). Infelizmente, nos arquivos da Abadia de Santa Maria, não se encontram registros documentais dos trabalhos da comissão.

2. O método de trabalho da commissio e o resultado

A ‘renovação do Breviário Monástico’ consistia na tradução dos textos do então recentemente publicado Thesaurus. A comissão passou a reunir-se regularmente na Abadia de Santa Maria, em São Paulo. Segundo o testemunho da atual Abadessa de Santa Maria, Madre Escolástica Ottoni de Mattos, Dom Abade Timóteo Amoroso Anastácio, foi encarregado da tradução dos textos da Sagrada Escritura, procurando uma linguagem mais poética, enquanto os hinos eram traduzidos pela comissão, competindo a Dom Marcos de Araújo Barbosa os ajustes de métrica e rima da poesia. Os livros da Liturgia das Horas Segundo o Rito Monástico da Congregação Beneditina do Brasil foram publicados em quatro volumes. O primeiro veio à luz no ano de 1981, destinado ao ciclo das manifestações, Advento, Natal e Epifania, incluindo o Próprio dos Santos desse ciclo litúrgico [3]. O segundo volume, destinado às celebrações do Tempo Comum, incluindo as festas do Senhor : SS. Trindade, Corpus Christi, Sagrado Coração de Jesus e Cristo Rei, apareceu no ano seguinte, 1982 [4]. No início da Quaresma daquele mesmo ano de 1982 veio à luz o terceiro volume com os formulários para o ciclo da glorificação, Quaresma, Páscoa e Pentecostes [5]. O último volume, o Santoral, traz a data de apresentação da Festa de Santa Rosa de Lima, 23 de agosto do mesmo ano [6].

Os volumes são apresentados pela Madre Maria Teresa como experiência e publicação provisória, em vista de uma publicação completa e definitiva três anos mais tarde. Em todo o caso, apresentam-se escassos de oficialidade : não constam de um nihil obstat e apresentação da parte do Abade Presidente da Congregação e não têm nenhuma forma de ‘Praenotanda’.

3. Características gerais dos volumes

Em linhas gerais, os volumes, dos quais nunca veio à luz a prometida publicação completa e definitiva, têm a mesma apresentação assinada pela Madre Maria Teresa. Algumas linhas mestras foram observadas para essa publicação ‘provisória’, das quais apontamos as mais universais : Para manter reduzidas os números das páginas dos fascículos, não se incluiu a totalidade dos textos do Thesaurus, escolhendo apenas os esquemas A’, da Regra de São Bento, e o esquema B (esquema ‘Füglister’) de distribuição do Saltério. Em muitos casos, em vista do canto, os textos das antífonas do Thesaurus foram substituídos pelos textos do Psalterium Monasticum, de então recente edição pelos monges de Solesmes [7]. Pelo mesmo motivo incluíram-se somente as memorias obrigatórias. No fascículo do Tempo Comum foram incluídas as antífonas do Magnificat e do Benedictus com respectivos responsórios para as semanas pares (II) e ímpares (I). Para o final das Vigílias deu-se a possibilidade de usar o esquema da Regra de São Bento, presente também no Psalterium Monasticum solesmense. Os responsórios das Vigílias, tomados da Liturgia das Horas Romana, apareceram como apêndice, na espera da publicação do Lecionário Beneditino.

4. Questões ligadas ao canto

Com a tradução dos novos livros da Liturgia das Horas Monástica surgiu o problema da adequação do canto, especialmente das antífonas que tinham passado por mudanças dos mais diversos gêneros (mudança de lugar e de ordem, substituição, desaparecimento etc.), sem contar o número de novos textos dos responsórios breves e dos hinos, além das várias festas novas. Para responder a essa lacuna, a Madre Maria Teresa apresentou ‘pela comissão’ o Antiphonale Monasticum pro Diurnis Horis (Ad instar manuscripti) [8]. O Antiphonale oferece ‘melodias gregorianas para todos os textos, tiradas, em primeiro lugar, das fontes indicadas no ‘Thesaurus’, e também do ‘Psalterium Monasticum’ de Solesmes’. Para estar de acordo com o Psalterium solesmense substituíram-se antífonas indicadas no Thesaurus por outras com sentido similar e já musicadas. Alguns textos foram adaptados a melodias já existentes e copiou-se muitos responsórios breves publicados pelas Beneditinas do SS. Sacramento de Alatri, Itália.

O trabalho de confecção do Antiphonale pode ser dividido praticamente em três etapas : a primeira corresponde ao período da coleta de livros ‘antigos e novos’ entre as comunidades; a segunda, a experimentação que algumas comunidades faziam à medida que as folhas (folhetos) eram impressas e, finalmente, a reunião de todo o material num volume que supera o número de 900 páginas. O critério fundamental era que tudo se aproximasse ao máximo da Liturgia das Horas Monástica que era já em processo de uso nas comunidades. O Antiphonale, impresso de forma muito artesanal, apresenta duas datas. Na primeira página encontra-se a data de 24 de novembro de 1981, onde a Madre Maria Teresa assinala o início das comemorações do 700 aniversário do início do Louvor Divino na Abadia de Santa Maria. Duas páginas depois, no fim da apresentação geral do volume, aparece a data da Festa da Exaltação da Santa Cruz (14 de setembro) de 1982.

Conclusão e questões abertas

Passadas 4 décadas, a Congregação Beneditina do Brasil nunca procurou levar a cabo o projeto de uma edição definitiva dos seus livros corais. Uma série de inciativas foram tomadas isoladamente, fazendo com que cada comunidade se organizasse de acordo com as suas próprias forças para manter, dentro do possível, uma celebração coral digna.

É bem verdade que somente em 2018 apareceu a tradução oficial da Bíblia, obra da Conferência episcopal (CNBB), de onde se deveriam extrair os textos para o uso litúrgico, cujo Saltério não se adequa ao canto, especialmente coral, e esse ano o Missal Romano, com a tradução dos textos eucológicos.

Com relação ao canto, convém salientar que nem todas as comunidades, pelas mais variadas razões, fazem mais um uso abundante do latim, e consequentemente do Canto Gregoriano, nas suas celebrações, tanto da Missa quanto do Ofício, o que, se de um lado lamenta-se a perda de um tesouro multissecular, de outro alegra-se, porque tal ‘acidente de percurso’ suscitou o desenvolvimento de um repertório justo à atual situação, embora correndo-se sempre o risco de melodias de gosto duvidoso.

O grande desafio de uma reedição dos livros corais para a Congregação Beneditina do Brasil, o que se faz absolutamente necessário, é a manutenção do equilíbrio em manter alta a qualidade da oração coral em todos os seus elementos, sem sufocar a criatividade operosa de cada comunidade, masculina e feminina, levando em consideração as suas mais variadas características, e o fato de estarem espalhadas num território multicultural e de dimensões continentais, chamado Brasil.’

[1]   Thesaurus Liturgiae Horarum Monasticae, éd. Secretariatus Abbatis Primatis, Tipografia Leberit, Rome, 1977.

[2]   Cf. R. M. Leikam, «El Thesaurus liturgiae horarum monasticae de 1977 y la renovación del opus Dei benedictino», Cuadernos Monásticos 86 (1988), 299-330.

[3]   Liturgia das Horas Segundo o Rito Monástico I: Tempo do Advento, Natal e Epifania, éd. Congregação Beneditina do Brasil, Lumen Christi, Rio de Janeiro, 1981.

[4]   Liturgia das Horas Segundo o Rito Monástico II: Tempo Comum, éd. Congregação Beneditina do Brasil, Lumen Christi, Rio de Janeiro, 1982.

[5]   Liturgia das Horas Segundo o Rito Monástico III: Tempo da Quaresma, Páscoa e Tempo Pascal, éd. Congregação Beneditina do Brasil, Lumen Christi, Rio de Janeiro, 1982.

[6]   Liturgia das Horas Segundo o Rito Monástico IV: Próprio e Comum dos Santos, éd. Congregação Beneditina do Brasil, Lumen Christi, Rio de Janeiro, 1982.

[7]   Psalterium Monasticum cum Canticis Novi & Veteris Testamenti. Psalterium Monasticum iuxta regulam S.P.N. Benedicti et alia schemata Liturgiae Horarum Monasticae cum canto gregoriano cura et studio monacorum solesmensium; abbaye Saint-Pierre, Solesmes, 1981.

[8]   Antiphonale Monasticum pro Diurnis Horis (Ad instar manuscripti), ed. Abadia de Santa Maria, São Paulo 1981.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.aimintl.org/pt/communication/report/125

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