sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Festa da Exaltação da Santa Cruz


Por Salete Therezinha (Ir. Catarina de Sena, Obl. OSB)



          A Igreja celebra no dia 14 de setembro a Festa da Exaltação da Santa Cruz, na qual celebramos todo o mistério salvífico de Deus expresso pela Cruz. Segundo Raniero Cantalamessa, a cruz atravessa toda a história da salvação, fazendo-se presente no Antigo Testamento como figura, no Novo Testamento como fato – cruz da história –, e no Tempo da Igreja como mistério.
            Justamente, o renovar desse mistério é necessário ainda hoje: o desvelamento ritual da cruz, que se dá na liturgia, deve ser acompanhado de um desvelamento pessoal, que acontece na vida e no coração de cada fiel. É preciso saber compreender o mistério da Cruz de Cristo para a nossa vida. É necessário entender que a Cruz, como sinal histórico de condenação e maldição, adquiriu com Cristo um simbolismo de salvação, perdão, esperança e glória.
            Não é fácil na sociedade de hoje, hedonista, consumista, narcisista, fazer com que as pessoas compreendam o mistério da Cruz, que se contrapõe escandalosamente à cultura do prazer, na qual estamos imersos. Por que há essa dificuldade? Talvez porque os homens insistam em separar dois pólos que são inseparáveis: prazer e dor. Eis todo o drama da existência humana. Porém, se ele for compreendido verdadeiramente a partir da Cruz e da Luz de Cristo, é possível desfrutar a verdadeira alegria, paz e felicidade. A Cruz não é contrária ao nosso prazer. Ela não nos impõe uma escolha entre ela e o prazer, mas nos ensina a submeter o nosso prazer à vontade de Deus, a procurar somente aquilo que é agradável a Deus, a viver todas as coisas em nossa vida em plena obediência à Palavra de Deus, a única com o poder de nos preservar da dor e da morte. “A vontade de Deus é a cruz do prazer”.
            É no caminho de uma reflexão mais aprofundada sobre o mistério da Cruz que expomos a proposta da coluna intitulada “Espiritualidade da Cruz”. Nosso objetivo é apresentar pequenos textos com explicações de passagens bíblicas que falam sobre a cruz, para que possamos ter uma profunda compreensão do mistério da cruz. A partir da exegese dessas passagens bíblicas, faremos a leitura do que nos diz hoje a Cruz de Cristo, do Verbo Encarnado, e de que maneira ela nos ensina e nos ajuda a sermos dóceis aos ensinamentos e à Palavra de Deus. Eis um breve trecho do Comentário ao Evangelho de João, de Santo Agostinho, que nos dá a ideia do sentido da cruz para todo o cristão que busca verdadeiramente seguir a Cristo:

“Se alguém contemplasse de longe a sua pátria, mas de permeio estivesse o mar, veria aonde chegar, mas não disporia dos meios para ir até lá. O mesmo se passa conosco (…) Vislumbramos a meta a alcançar, mas de permeio está o mar do século presente (…) Ora, a fim de que pudéssemos dispor também dos meios para lá chegar, veio de lá Aquele para quem nós queríamos ir (…) e forneceu-nos o madeiro com o qual atravessar o mar. De fato, ninguém pode atravessar o mar do século presente, se não é levado pela cruz de Cristo (…) Não abandones a cruz, e a cruz te levará”.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Ruínas da cidade

Por Salete Therezinha (Ir. Catarina de Sena, Obl. OSB)



Altiva e resistente
A árvore - solitária - se desvenda
Aos olhos curiosos e sensíveis.


Ó homens! Que figuras estranhas produzis com vossas mãos

As mãos talham agressivamente
E a natureza se oferece numa plasticidade, ao mesmo tempo,
Admirável e assombrosa.

Ah! Se o olhar soubesse demorar um pouco mais
- transpor as primeiras impressões...
a brincadeira de imaginar formas -
Tremeria de espanto ao ver se revelar
O peso da imobilidade.

Um tronco de árvore?...
Um contorno de ave?...
Um fragmento de vida se extinguindo...

Uma árvore devastada,
Isolada na agitação da cidade
- Sutilmente - ela imita uma ave.
Mas quanta impressão dolorosa!
Essa árvore... essa ave...imponentes carcaças.

A imaginação nos ilude,
Por alguns instantes distrai.
A consciência nos desperta para a natureza agonizante.
E molestada pelas mãos estúpidas,
Sua voz se plastifica.

Ah! Quantos monumentos, assim,
Espalhados pela cidade...
Surpreendentemente esculpidos, brutalmente estéreis.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A ostra, o grão de areia e a pérola (2)

Por am Kroschinski 
 "Todos nós somos diferentes. Não existe um só ser no mundo que seja idêntico a outro". 
(Clique aqui para ler a primeira parte!)

- João, não vem com essa que não sou idiota. - diz Ana.
- Não disse isso de você. Na verdade você é minha amiga e eu nunca diria, pois jamais vi você como uma idiota. Na verdade acho você bem inteligente, é a melhor aluna da sala. – João pára um momento e ri.
- Por que está rindo? Pergunta Ana. – Tem algum motivo para isso?
- Calma. Fique tranquila. É que eu me lembrei do primeiro dia que te vi. Na verdade eu fiquei intrigado, nunca tinha visto uma menina ajudando o pai.
- Como assim? – pergunta Ana não entendendo do que João falava.
- Você estava ajudando o seu pai a recolher terra. Lembra?
- É verdade, tinha bastante terra e ninguém para ajudar meu pai. E eu sempre ajudo meu pai e aquele dia foi muito legal, ele me ensinou a usar o prumo. Sabe aquela régua com uma aguinha colorida que faz com que deixemos as paredes ou superfícies retas. Foi legal, mas meus braços ficaram doendo depois.  De noite meu pai fez massagem nos meus braços e disse que a dor passaria com o tempo e o costume. E que essa dor era como a dor da vida, dói muito quando não estamos preparados para ela, mas quando nos preparamos ela é tranquila. 
- Eu acho que seu pai tem razão. E aí está a resposta da sua pergunta.
- Hummmm!!! Como? Aonde foi que eu me perdi? O que tem a ver, eu carregar terra com meu pai e ser diferente.
- Tudo, pequena flor. – Diz João apertando a bochecha direita de Ana, que faz uma cara de que voei. – Então me deixe continuar o raciocínio. – fala João agora fazendo caras e bocas de sabido.
- Claro que sim. Convença-me. – fala Ana chacoalhando a cabeça negativamente por instante e fixa o olhar em João.
- Não é o fato isolado de carregar terra que a faz diferente. Você carrega terra por que é diferente. E isso que é maravilhoso e é único em você. Como eu te disse, aquele dia eu fiquei intrigado, mas depois de uns dias lembra o que aconteceu?
- Não, o que aconteceu?
- Você salvou minha bíblia e a mim de levar uma surra. – Fala com tristeza.
- Mas é claro, primeiro que eu não ia deixar aqueles meninos sem noção baterem em você. E eles estavam em maior número.
- Não se trata disso. Eles continuavam em maior número mesmo com você. Eram dois para não dizer um por que eu não brigaria. Afinal em questão de ser diferente, eu ganho de você.
- Eu sabia. Eu já sabia disso quando te conheci, que você era um menino criado diferente, não como os daqui da vila pérola, que resolvem tudo no braço. Eles se acham machões e são apenas primitivos.
- Então, percebeu onde o fato de você ser diferente é o que te faz única. Se você não fosse diferente nós não seriamos amigos. Eu não teria mais minha bíblia que ganhei da minha avó, e eu teria levado uma surra daquelas.
- Será? – Ana gira os olhinhos por momento enquanto pensa.
- E o que eu achei mais impressionante em você, é que você só conversou com cada um e ninguém saiu ferido. Você resolveu de maneira diferente e brilhante a briga, claro que todos ficaram com medo de você inclusive eu, mas quando te vi resolvendo a situação senti um alivio.
- É? Será que eu tenho esse poder? – diz Ana sorrindo.
- Todas as pessoas são obras de Deus, mas algumas são diferentes, elas são na verdade especiais como às pérolas. E essas como minha avó diz: são especiais e raras. Difíceis de encontrar.
- Não entendi. – fala Ana curiosa
- Por que para que se forme uma pérola é necessário um conjunto de coisas, não é fácil. As pérolas se formam dentro das ostras de um pequeno grão de areia, por exemplo. E a ostra vai fabricando uma meleca que envolve esse grãozinho, assim que ela se defende, pensando que ele vai lhe fazer mal. De qualquer maneira ela quer ficar longe do intruso.
- Verdade? Então eu posso dizer que a ostra é as meninas e os meninos? – fala com um ar de felicidade.
- Pode, é claro Ana. E digo mais, e você era o grãozinho de areia, que eles sem saberem transformaram em uma pérola.
- Gostei disso. – fala com um sorriso. – E você é quem nessa história.
- Bem eu sou o pescador que achou a ostra e a curou.
- E ficou rico, vendendo a pérola? – Sabido você. Vamos dividir o dinheiro?
- Não Ana, quando se acha uma pérola dessas não se vende, ela se torna nossa amiga.
- Agora eu entendi. Você é o pescador e eu sou uma pérola? Por ser diferente eu sou eu. E você é você.
- Certo. E que bom que você é diferente de mim. – fala João com um suspiro de alívio por ver a tranquilidade em sua amiga Ana.
- Que bom que você é meu amigo. – fala Ana batendo levemente no ombro de João.
- Annnnnaaaaa!!!!! Joããããããoooo!!! O sinal já tocou. O recreio acabou, vamos... vamos...
- Estamos indo professora!!!! – grita Ana.
- Estamos indo Professora!!!! – grita João.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A ostra, o grão de areia e a pérola (1)


- Nossa Ana!!! O que aconteceu por que você esta chorando? – pergunta João assustado
- Por nada, não.
- Esse nada parece bem ruim. Nunca vi você assim. Na verdade nunca te vi chorar.
- Você não me conhece há muito tempo, então não pense que me conhece, por que com certeza você não me conhece. – Fala Ana enraivecida.
- Eu concordo com você, mas você pode me contar por que esta assim, dessa maneira eu vou passar a te conhecer. – Fala João com uma voz baixa e doce.
João se aproxima e limpa algumas lágrimas que rolavam face abaixo de Ana. Enquanto ela olhava para ele com um olhar assustado pela gentileza e comovido por ele não ter ido embora e sentado ao seu lado.
- Agora me conte o que aconteceu. O que poderia ser assim tão ruim que merecesse tantas lágrimas. Olhe para esse céu, para o sol, olhe essa árvore que nos acolhe nessa refrescante sombra debaixo de seus braços. – Fala sorrindo afetuosamente enquanto acaricia o ombro de Ana demonstrando que realmente estava presente e preocupado.
Ana enxuga suas lágrimas e engole outras tantas. Enquanto olha ao seu redor e para o João com uma sensação tão boa. A sensação de que alguém a via, se preocupava e estava disposto a falar sobre seus problemas. Isso era um alivio e fez com que Ana parasse de chorar.
- Só você mesmo, João.  Fala Ana com um sorriso sem jeito, tampando a boca.
- Não me enrola, fala logo. O que aconteceu para você ficar assim.
- Quer mesmo saber?
- Não, eu perguntei por perguntar. Claro que eu quero. Fale.
- Na verdade isso já vem há bastante tempo. Eu percebi que sou diferente.
- Diferente, diferente como? Explique melhor esse diferente.
- Diferente. Assim... hummm... Eu não vejo graça em brincar como as outras crianças, eu não gosto do que normalmente as outras crianças gostam. E ainda para ser pior não gosto do trabalho de ajudar minha mãe, sempre prefiro ajudar o meu pai. Enquanto todas as meninas querem ser professoras, médicas sei lá, eu quero ser policial. E hoje quando estava saindo com meu livro para o recreio as meninas me chamaram de aberração. Disseram que eu sou feia, que meu cabelo parece crina de cavalo e que eu sou uma Maria Farrapo. Eu sei que minha calça é feia, mas o que eu posso fazer se minha mãe arrumou a do meu irmão e esse tênis horrível, mas era o mais barato que tinha. Não estou assim por que as meninas falaram, mas é por que meu irmão fala a mesma coisa. Eu to cansada de ouvir que sou lixo.
- Ah!!! Agora sim consigo compreender o motivo de tantas lágrimas. Da dor.
- Você esta chorando por que as meninas disseram que você é diferente ou que você se veste mal?
 - E tem diferença?
 - Claro que sim. O se vestir bem ou não é algo que depende de cada pessoa. Eu por exemplo não vejo nada de estranho na sua roupa. A roupa que você veste não faz você, apenas te protege do sol, do vento, da chuva, mas é só isso, qualquer outro sentido é de cada pessoa, e sendo assim. O que eu gosto você pode não gostar e vice e versa. Então chorar por isso e tempo jogado fora, agora se você esta chorando por que é diferente também não vale a pena. E daí? Todos nós somos diferentes. Não existe um só ser no mundo que seja idêntico a outro.


Continua...