domingo, 8 de agosto de 2021

Tempo de decidir, momento decisivo e complexo. Orar a própria situação de eleição - Parte 2

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo d0 Padre Alfredo Sampaio Costa, SJ


‘Nestes tempos sombrios, somos assolados por medos de todo tipo. Se não bastasse o pavor de sermos contaminados ou de contaminar nossos entes queridos, experimentamos também o medo de olhar para dentro de nós mesmos, pois somos conscientes que nem sempre temos vivido essa situação de modo conforme ao Evangelho. Mas é preciso rezar (e muito!) durante o tempo da pandemia. Vamos dar mais um passo esta semana, lembrando, no entanto, que cada passo implica o anterior, que continua sendo válido.

Segundo passo – Atentos aos desejos profundos que nos movem

Para sermos pessoas de discernimento precisamos ter a paixão de fazer em tudo a vontade de Deus, como Jesus. Paixão pelo Reino, pela verdade, pela justiça, pela paz. Ter um grande desejo de conhecer sempre mais e melhor o que Deus quer de nós, aqui e agora1. Ao rezar sobre o que fazer nesse tempo de indecisões e inseguranças, Inácio nos orienta a considerarmos que força ocupa em nossa vida essa Paixão pelo Reino!

Diante de cada possibilidade que se apresenta a nós, importa muito considerar os motivos interiores que nos movem a tomar esta ou aquela decisão. Normalmente somos movidos por uma mistura de motivos, alguns deles talvez nos atraiam mais. A presença de motivos mistos não nos impede de sermos conscientemente movidos pelo Amor de Deus, mas é preciso dirigir nossos pensamentos e sentimentos para Deus com todo o nosso coração, alma e mente, com toda a nossa força 2. O Amor de Deus é que deve ser o motivo principal que nos move.

Rezar nossos desejos profundos, que movem nossa decisão : ‘O Reino de Deus é semelhante a um tesouro escondido em um campo que um homem encontra’ (Mt 13,44). Esse tesouro está em nós. Decidir a própria vida é buscar e encontrar esse tesouro oculto, nosso desejo profundo. Essa busca de nosso tesouro exige paciência e escuta, isto é, atenção e disponibilidade aos sinais que Deus nos faz, em nós mesmos e ao nosso redor. A filósofa judia Simone Weil pressentia isto quando escrevia em seu livro Attente de Dieu3 : ‘Os bens mais preciosos não devem ser buscados, mas sim esperados, porque o homem não pode encontrá-los por seus próprios meios’.

Desejos e discernimento : Os desejos têm uma grande importância no discernimento espiritual. O jesuíta Anthony de Mello ilumina essa verdade em uma história que ele nos conta de como devemos proceder para descobrir o chamado de Deus:

O discípulo era um judeu. Ele perguntou : ‘Qual boa obra eu devo realizar que seja aceitável a Deus?’. ‘Como eu poderia saber?’, disse o Mestre. ‘A sua Bíblia diz que Abraão praticou a hospitalidade e Deus estava com ele. Elias amava rezar e Deus estava com ele. Davi governou um reino e Deus estava com ele também. Há algum modo para que eu possa encontrar o trabalho que me cabe fazer?’. ‘Sim. Procure pela mais profunda inclinação do seu coração e a siga4.

Contrariamente ao modo negativo que os desejos são vistos na tradição cristã posterior, Jesus dirigia as pessoas a irem ao encontro dos seus desejos quando elas estavam em busca de direção para suas vidas. O evangelho de João (1,30-36) descreve a experiência dos dois discípulos de João Batista que se põem a seguir a Jesus e este se volta e lhes pergunta : ‘O que vocês querem?’. ‘Rabi, onde moras?’. ‘Vinde e vede’. Santo Inácio nos seus Exercícios também segue essa visão positiva dos desejos na vida espiritual. Ele instrui os exercitantes a iniciarem cada período de oração comunicando os seus desejos que enchem o seu coração (EE 48). ‘Pedir o que quero e desejo’ é essencial à oração inaciana. Inácio articula uma espiritualidade do desejo5.

Selecionando nossos desejos na oração : Quando olhamos para nossos corações, deparamo-nos com uma mescla de desejos, sonhos, esperanças, necessidades, temores e desejos. Alguns dos nossos desejos são compatíveis com outros; alguns são mutuamente excludentes. Somos conscientes também que os desejos podem afetar nossa vida seja positiva seja negativamente. Alguns desejos podem nos escravizar e dissipar nossas energias; outros têm a capacidade de gerar poder e energizar nossas vidas. Eis porque é muito importante rezar sobre os nossos desejos : A oração é o lugar onde nós selecionamos os desejos que nós escolhemos seguir6. O processo envolve identificá-los, avaliá-los e selecioná-los.

Discernir o desejo é separar o que há nele de ambição e o que há de comunhão : do desejar coisas ao viver a comunhão de desejos entre pessoas. Separar as duas forças do desejo humano : discernir o ‘Desejo’ nos desejos dispersos, descobrir que somos ‘desejáveis’ para os demais e que somo ricos para bendizer. O progresso no amor e no desejo é um despojamento de tudo e de todos. Temos que tender a uma libertação do coração, que vai se abrindo ao amor e à graça de um novo encontro. Trata-se de despertar uma atenção aguda às atrações do coração, à emergência do Desejo7.

Seguir a Jesus no ‘mais’ do desejo : A pessoa que se põe em contato com os relatos do evangelho é chamada a se identificar com as figuras evangélicas em sua forma de experimentar a proximidade de Jesus, no seu convite a viver uma vida diferente da que vivia até então, nas vicissitudes que esse caminho de seguimento comporta; é chamada, em suma, a converter estas experiências concretas em experiências-chave para sua própria vida. Desde modo, viver o seguimento de Jesus se converte em uma categoria evangélica da vocação cristã e reflexa, com as estruturas dinâmicas próprias desta figura, o processo de aventura de reabilitação radical do desejo, que se converte em processo de amadurecimento e confirmação da eleição de vida8.

Jesus, o mediador do Desejo de Deus, pelo fascínio e atração que suscita, seduz e adestra o desejo a ir mais longe, mais além dos desejos cultivados pelo mundo, mais além inclusive do que o próprio sujeito desejante se suponha capaz de alcançar, nem sequer de poder imaginar : o ‘mais’ do desejo. A missão de Jesus é iniciar-nos no desejo vindo de Deus, porque não conhecemos o dom de Deus, e a este nem a carne nem o sangue podem revelar, mas só Deus mesmo, no rosto e no amor de seu Amado. Jesus é o Mestre do desejo e seu Desejo é o original, onde se podem mirar todos os desejos realmente humanos.’

 

Notas :

(1) Luís González-Quevedo, Discernimento Espiritual – As Regras Inacianas, São Paulo: Loyola 2013,12.

(2) Cf. Tad Dunne, Spiritual Exercises for Today, 154.

(3) Simone Weil, Attente de Dieu, Paris: La Colombe 1950, 120.

(4) Anthony de Mello, One Minute Wisdom, New York: Doubleday and Company 1975, 15.

(5) Wilkie Au and Noreen C. Au, The Discerning Heart. Exploring the Christian Path, New York/ Mahwah, N.J. : Paulist Press 2006, 133.

(6) Wilkie Au and Noreen C. Au, The Discerning Heart, 138.

(7) Xavier Quinzá Lleó, Ordenar el caos interior. Una propuesta espiritual. Santander- Bilbao: Mensajero – Sal Terrae 2011, 94.

 (8) Xavier Quinzá Lleó, Ordenar el caos interior, 104-105.

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1532032/2021/08/tempo-de-decidir-momento-decisivo-e-complexo-orar-a-propria-situacao-de-eleicao-segundo-passo/

Nenhum comentário:

Postar um comentário