terça-feira, 10 de agosto de 2021

Documentário é mergulho profundo no jogo dos seminários

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
Um jogador da Clericus Cup do Collegio Urbaniano em Roma

*Artigo da Irmã Rose Pacatte, membro das Filhas de São Paulo


‘Os documentaristas canadenses Brent Hodge e Chris Kelly gostam de fazer filmes sobre comédia, cultura pop e histórias únicas que revelam ‘mundos obscuros que as pessoas não conhecem’, explicou Hodge em entrevista.

Há cerca de seis anos, os documentaristas ouviram falar de uma partida anual de futebol italiana chamada Clericus Cup, um torneio para seminaristas de todo o mundo que estudam em Roma. É certamente único, por isso decidiram pegar os seus equipamentos e partir para Roma para fazer um documentário esportivo.

Kelly, cujo pai, Kenneth, na época estava estudando para ser um diácono permanente, foi com eles para ajudar a contextualizar o mundo eclesial que estavam prestes a entrar.

A Clericus Cup, fundada em 2007, consiste em duas divisões de equipes de seminaristas, alguns padres e talvez um bispo, de 16 seminários romanos. Inclui jogadores de 66 países e cinco continentes, mas, por acaso, em 2016-17, quando o filme estava sendo rodado, não havia seminaristas canadenses na liga.

O torneio ocorre de março a maio de cada ano. O North American College já venceu três vezes, mas o Collegio Urbaniano, com alunos da África e da Ásia, venceu quatro vezes, o máximo de qualquer equipe.

Em O jogo sagrado, depois de alguns comentários dos seminaristas sobre o sacerdócio ser para toda a vida, seu propósito de se tornar uma melhor pessoa, de buscar a perfeição e a necessidade do trabalho em equipe, encontramos o jovial Felice Alborghetti, da assessoria de imprensa do Centro Esportivo Italiano chegando em seu escritório em uma scooter. Alborghetti é o organizador do torneio e está especialmente interessado em promover a Clericus Cup por causa de seu foco explícito no cenário esportivo na Itália.

De acordo com Kelly, ‘Nós não roteirizamos o que aconteceu. Apenas o deixamos ser ele mesmo. Ele é um personagem extremamente hilário com uma arrogância italiana peculiar. Ele é ótimo’.

Após uma introdução de como o torneio foi fundado em 2017, os jogadores são apresentados e começamos a ver alguma ação. Meu jogador favorito é Eric Atta Gyasi, de Gana, que estuda no Collegio Urbaniano. Gyasi é desafiado academicamente (levou mais de 12 anos para terminar seus estudos antes da ordenação), mas é o melhor jogador de todas as equipes e tem um espírito verdadeiramente brilhante, apresentado no filme, por causa de seu senso de humor e entusiasmo.

Entrevistei Hodge e Kelly separadamente por telefone, e os dois admitiram imediatamente que o filme que concluíram não é o que pretendiam fazer.

Conhecemos esses homens e personagens’, disse Kelly, ‘e eles mudaram o curso do filme. Suas histórias eram fascinantes e uma curiosidade genuína nos dominou. O que os seminaristas nos contaram foi mais interessante do que a história do futebol, que, reconhecemos, é limitada’.

Logo a ênfase no futebol é substituída por entrevistas com seminaristas : Grayson Heenan de Detroit, Mike Zimmerman de Boston, Duarte Rosado, um jesuíta de Lisboa e, claro, Eric de Gana. ‘Quando você tem quatro caras incríveis prestes a assumir esse compromisso’, disse Kelly, ‘especialmente nos dias de hoje, quando as pessoas nem mesmo se comprometem com planos de telefone, e esses homens querem se comprometer com o sacerdócio, isso realmente chama sua atenção’.

No início, eles entrevistaram o padre Óscar Turrión, reitor do Pontifício Colégio Internacional Maria Mater Ecclesia e membro dos Legionários de Cristo. Turrión é generoso com seus comentários sobre o sacerdócio e os desafios que os seminaristas enfrentam.

Enquanto assistia ao filme, lembrei-me do padre mais velho, o padre Havel (Milos Forman), que ensinou o padre Brian (Edward Norton) num filme de 2000, Mantendo a fé. O padre Brian pede o conselho do padre Havel quando é tentado pelo reaparecimento de uma antiga namorada, Anna Riley (Jenna Elfman).

Padre Brian diz : ‘Fico pensando no que você disse no seminário, que a vida de um padre é difícil e se você se vê feliz fazendo qualquer outra coisa, deveria fazer isso’.

O padre Havel responde : ‘Esse foi o meu discurso de recrutamento, o que não é ruim quando você está começando, porque faz você se sentir como um fuzileiro naval. A verdade é que você não pode dizer a si mesmo que há apenas uma coisa que você pode ser, seja como padre ou casado com uma mulher, é o mesmo desafio. Você não pode assumir um compromisso real a menos que aceite que é uma escolha que você continuará fazendo repetidas vezes’.

Os cineastas se sentiram sortudos quando Turrión concordou em conversar com eles. ‘Mas não tínhamos ideia de onde sua história estava indo’, Hodge me disse. ‘Ele era mais velho, e reitor do colégio, estava feliz e tinha uma alegria de viver nele, foi o primeiro neste mundo de códigos sagrados da Igreja pelo qual nos sentimos bem-vindos. Nosso filme foi feito no estilo verité e sem agenda. Apenas deixamos a história se desenrolar’.

‘Fiquei chocado, mas não queria julgar’. Kelly disse : ‘Terminamos as filmagens em junho de 2017 e a notícia de que o padre Óscar Turrión tinha dois filhos e vivia uma vida dupla foi publicada em outubro’.

Perguntei a Kelly como se sentia a respeito disso e disse : ‘Foi um desafio. Adiamos o filme por três anos porque queríamos acompanhá-lo depois que foi demitido de seu cargo de reitor e de sua congregação’. Turrión disse no filme, ‘Deus não quer um padre feliz, quer um homem feliz’, então tinha isso. Ele estava sendo enganoso, mas acho que tinha que ser dessa forma nessas circunstâncias; ele sabia quando estava falando com a gente que a história ia sair à luz.

Os diretores perseguiram Turrión por três anos e finalmente se conectaram por meio da mídia social. Duas breves entrevistas em Zoom estão no filme. Kelly disse : ‘Parece que está em um lugar melhor agora’.

Os cineastas não queriam que o filme se tornasse apenas sobre o padre. A história de Turrión, e de fato não é, embora as páginas da Bíblia apresentando Gênesis 3 (A queda) formem um pano de fundo que é ao mesmo tempo uma mensagem e seu próprio comentário.

O filme está repleto de entrevistas com os quatro seminaristas mencionados, e eles parecem estar bem cientes dos desafios de se tornarem sacerdotes no século 21. Suas reflexões sobre o compromisso sacerdotal que estão prestes a assumir, desde a prática da pastoral aos enfermos até a celebração da Eucaristia e a resposta aos fiéis sobre a crise dos abusos do clero, são profundas, sinceras e atrativas.

Perguntei aos diretores por que sentiram a necessidade de incluir a crise no filme. Hodge, que não é católico e cresceu sem nenhuma prática religiosa, disse que sempre que dizia a alguém que estava fazendo um filme sobre padres católicos, eles perguntavam : ‘Você vai cobrir o assunto dos abusos do clero?’, disse, acrescentando : ‘Você teria que ser surdo para não mencionar esse problema’.

Kelly disse que agora com a revelação sobre os túmulos de crianças indígenas em antigos internatos, muitos administrados pela Igreja Católica, as coisas negativas tiveram que ser mencionadas no filme, complexo, inspirador e divertido.

O filme é para dois públicos’, explicou Kelly. ‘Minha esposa é uma das produtoras do filme e é judia. Ela ficava pedindo esclarecimentos, o que foi de grande ajuda. Embora não tenhamos conseguido explicar todos os detalhes, como a diferença entre um padre diocesano que faz os votos de celibato e obediência ao seu bispo, e um jesuíta como o agora padre Duarte, que faz votos de pobreza, castidade e obediência numa congregação religiosa, mas há suficientes referentes para católicos e não há muitos detalhes que possam atrapalhar os não católicos’.

Embora eu admita que queria ver mais futebol no filme, há muita humanidade e graça em O jogo sagrado.

Hodge disse que achava que este seria um filme de 90% de futebol, enquanto Kelly disse que o filme teria sido 30% sobre os seminaristas e 70% sobre futebol – agora é 70% sobre os seminaristas e suas jornadas.

O futebol é um jogo sagrado’, disse Hodge, que prefere a comédia ao espiritual. ‘Este filme é um mergulho profundo na vida do seminário, outro jogo sagrado, se você quiser, com regras e estruturas. Conhecemos alguns humanos que foram muito honestos conosco e encontramos indivíduos que serão nossos amigos para o resto da vida’.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1531492/2021/08/documentario-e-mergulho-profundo-no-jogo-dos-seminarios/

Nenhum comentário:

Postar um comentário