quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Shevchuk: guerra não impede o Natal. Parar de nos matar é o primeiro passo para a paz

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Salvatore Cernuzio,

enviado a Kiev (Ucrânia)


‘‘Parar as ações militares, deixar de nos matar, este será o primeiro passo para uma paz autêntica e duradoura. A paz é algo mais profundo do que a ausência de guerra. Não se trata apenas de vencer a guerra, mas de vencer o próprio espírito da guerra, vencê-la nas suas causas’.

Enquanto pronuncia mais um premente apelo sincero pela Ucrânia e seu povo, na estante atrás do arcebispo-mor de Kiev-Halyč, Sviatoslav Shevchuk, há um capacete e um colete à prova de balas. ‘Sinta o quanto eles pesam... no início costumávamos usá-los todos os dias. Alguém brincava : são as novas vestes litúrgicas!’, conta o chefe da Igreja Greco-Católica ucraniana aos jornalistas em missão nas Embaixadas junto à Santa Sé da Polônia e Ucrânia, que recebe no arcebispado com biscoitos e café.

A alegria do natal 

Muita coisa mudou desde aqueles primeiros dias terríveis no final de fevereiro da agressão russa na Ucrânia em que, diz Shevchuk apontando para uma janela : ‘dali se via descer uma chuva de fogo’. Ele próprio havia se refugiado com centenas de pessoas na cripta da Catedral da Ressurreição. Hoje ele fala mais relaxado. O seu pensamento dirige-se sobretudo para a chegada do Natal : ‘Temos o costume de entoar cânticos natalícios aos nossos próximos, especialmente aos mais necessitados, para partilhar alegria e as felicitações. Todos agora perguntam : haverá alegria de Natal, será permitido cantar ou devemos estar calados e chorar? Eu disse sim e sim, vai ter Natal. Temos o direito de celebrar a alegria natalina que não vem da diversão profana, mas do Céu porque vai nascer o Príncipe da Paz’.

Festa no front e em abrigos 

Essas festividades chegarão até o front. De fato, haverá alguém que cantará para os soldados engajados nas linhas de combate, anuncia Shevchuk. ‘Na época soviética – recorda – as canções natalinas eram uma forma de protesto contra o regime comunista ateu. As pessoas cantavam para superar ansiedades e tristezas. Os cantos são uma expressão da fé cristã, são uma catequese que canta o nascimento de Jesus, por isso muitos se preparam para ir cantar com os nossos soldados na fronteira. Sei que vários estudantes estão se organizando’. A mesma festa será realizada em todos os abrigos antiaéreos e em todos os abrigos : ‘Celebraremos o Natal no frio e no escuro. Isso nos fará experimentar na pele a história da Sagrada Família, também no frio e no escuro, mas com uma alegria celestial’.

Não se acostumar com isso 

É, portanto, uma mensagem de esperança que o líder greco-católico quer difundir em meio aos ataques na Ucrânia e à libertação de muitas cidades. ‘Sim, mas você tem que ter cuidado. Quando você ouve o alarme de ataque aéreo, não se dá mais muita atenção. Isso demonstra que o perigo não diminui, mas as pessoas se acostumam psicologicamente. É um risco, porque agora temos o fenômeno dos mísseis. Eles podem cair em qualquer lugar, tanto em Kiev como em Lviv. Não há lugar seguro na Ucrânia.’

A emergência do frio 

Diante da eventualidade, porém, é mais urgente lidar com as emergências. E a primeira no momento para a Ucrânia devastada pela guerra é o frio e a incapacidade de se aquecer devido a picos de corrente e racionamento de eletricidade. ‘O frio é a causa da quinta onda de deslocados internos’, explica Shevchuk. ‘Desde o início da guerra, primeiro os oligarcas pegavam o dinheiro e fugiam, depois aqueles que, com seus próprios meios, encontravam hotéis e outros lugares e ainda as pessoas sem nada que fugiam de mãos vazias. Penso na família da cidade de Boryspil', que caminhou descalça à noite 23 km, junto com seus filhos. Por fim, houve uma quarta leva de refugiados que não foi muito longe, mas procurou o primeiro povoado e esperou o momento de voltar para casa. Agora a nova onda, a quinta : os refugiados termais que fogem não da guerra, mas do frio e lotam o centro-leste da Ucrânia’.

Uma cozinha no subsolo da casa do arcebispo 

‘Não estávamos preparados para o fenômeno da falta de eletricidade e da necessidade de alimentar tanta gente’, diz Shevchuk. ‘De imediato, tomamos medidas para construir cozinhas para oferecer refeições quentes.’ Uma cozinha será construída logo abaixo de sua casa : ‘Em poucos dias ficará pronta, temos que organizar a logística de distribuição dos alimentos. Como Igreja não podemos pensar em alimentar a todos, mas tentamos receber todos que podemos. É o nosso cuidado pastoral’. Uma pastoral de proximidade.

Mensagens diárias de vídeo 

É precisamente essa proximidade que levou Shevchuk, todos os dias desde 24 de fevereiro, a produzir uma mensagem em vídeo divulgada na web. Uma iniciativa exigente, cuja origem o responsável da Igreja Greco-Católica assim explica : ‘No primeiro dia todos estavam desorientados, viam-se helicópteros russos e fogos do céu, o mundo inteiro começou a chamar-me : estão vivos? Onde estão? O que fazem? Não sabia o que dizer : não sei se estarei vivo daqui a duas horas, pensava. Então eu disse para o secretário : vamos produzir uma mensagem para confirmar que estamos vivos. Percebi que com essas mensagens eu poderia ajudar as pessoas a racionalizar o medo e falar sobre a esperança que vem da fé. Depois de 2-3 semanas, eu me perguntei : vale a pena? Então, um dia, fui à atormentada cidade de Zhytomyr e em uma paróquia uma idosa se aproximou de mim para dizer : 'Vivemos em constante terror, temos medo, é bom que fales conosco'. 'Mas, senhora, eu não sei mais o que dizer a vocês!'. 'Não importa o que dizes, importa que fales conosco'. Então compreendi que mesmo que não soubesse mais o que dizer, é importante que as pessoas ouçam a voz da própria Igreja que as acompanha’.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2022-12/ucrania-natal-guerra-sviatoslav-schevchuk.html

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