domingo, 8 de maio de 2022

Um pequeno percurso hermenêutico no Ocidente

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante

 

‘A questão hermenêutica do Ocidente não pode ser vista sem a sua preocupação com o texto bíblico por parte do povo judeu. A história judaica é contada a partir da sua relação com Javé e não deve ser desassociada dessa característica.

Diante dos diversos eventos históricos que aconteceram ao povo, tais como o primeiro Êxodo, quando o povo de Israel deixa o Egito, a presença da monarquia que se inicia com Saul e segue até o exílio na Babilônia, passando pelo período pós-exílio e os períodos de dominação egípcio, grego e romano, surge então uma necessidade espiritual por parte do povo de interpretar sua história, bem como seu livro sagrado, a Torá, que a fornece a ‘plena verdade necessária à vida do homem’.

Nesse sentido, é importante considerar que essa hermenêutica não tem um caráter filosófico, mas sim espiritual. Assim, dentro da hermenêutica judaica, como bem nos mostra Jearond, é possível identificar quatro métodos de interpretação : a literária, que de maneira mais simples consistia na interpretação do deuteronômio, partindo do pressuposto de que a interpretação do texto era o que estava escrito, a midrashica, que posteriormente desenvolvida, tinha o intuito de extrair do texto algo que a mais do que sua simples imediatez, a pésher, usado nas comunidade de Quram, cujo objetivo estava em descobrir os mistérios divinos, sendo uma atualização do método midráshico e alegórico, que tinha como intento uma leitura mais simbólica do texto da Torá.

O Cristianismo, que nasce dentro desse contexto de interpretação, desenvolveu a interpretação tipológica, ou seja, os textos judaicos eram lidos a partir do evento Cristo. Com a luta contra os gnósticos, duas escolas de interpretação surgem no meio cristão. De um lado, a escola de Alexandria que, ancorada na fé da Igreja, tinha o intuito de uma interpretação arraigada no método alegórico, sendo Orígenes um dos grandes expoentes dessa escola.

Do outro lado, a escola de Antioquia, mais fundada na tradição judaica, dava ênfase ao campo gramatical e textual das Escrituras, tendo sido um de seus teólogos Teodoro de Mapsuéstia denunciador do perigo da hermenêutica de Orígenes de negar a realidade da história bíblica. Ainda que as duas escolas trabalhem com paradigmas bem diferentes, ‘esses dois paradigmas não foram jamais observados de forma estritamente separados dentro da Igreja primitiva’.

Dentre os diversos teólogos que se aventuraram no campo de uma hermenêutica do texto bíblico, ora defendendo uma escola, ora defendendo outra, foi Agostinho o grande responsável por sintetizar as linhas de pensamento de Alexandria com a de Antioquia. Sua proposta foi fazer uma análise detalhada do texto para melhor compreender seu sentido espiritual. Como a coisa é diferente daquilo que ela se refere, as Escrituras devem ser vistas como produção humana que faz referência a Deus.

Seguindo Agostinho, as Escrituras poderiam, então, serem trabalhadas de forma análoga às formas de trabalho com textos não cristãos e ser interpretada usando os mesmos métodos utilizados para análises textuais. Uma vez que sua perspectiva para a interpretação do texto bíblico deve ser o amor e não o texto por si mesmo, pode-se dizer que a leitura hermenêutica de Agostinho se centra na prática.

Esse simples percurso mostra as diversas teias necessárias para se compreender a questão hermenêutica no cristianismo. Investir nisso é, ainda hoje, uma tarefa teológica de suma importância.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1577087/2022/05/um-pequeno-percurso-hermeneutico-no-ocidente/

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