sexta-feira, 28 de maio de 2021

Charles de Foucauld: o irmão universal

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Padre Francisco Tallys Rodrigues


‘Na dinâmica da boa-nova do Reino de Deus anunciado por Jesus, aqueles que acolheram sua proposta deverão se distinguir pela capacidade de amar, de renunciar aos próprios interesses e viver a fraternidade numa comunidade de irmãos e irmãs. Por conseguinte, a simplicidade emerge como característica inerente àquele que tornou o bem-amado Jesus, o centro e sentido de sua vida. Nesta esteira, Charles de Foucauld apresenta-se como testemunho da radicalidade e acolhida evangélica expressos na simplicidade e cuidado com o próximo.

Charles de Foucauld era originário de uma família abastada da França, tendo acesso às melhores possibilidades oferecidas pelos bens materiais. Faltava-lhe, entretanto, uma razão/sentido pela qual gastar a vida, engajar as suas melhores energias. Seguindo o caminho de seu avô, ele entra no exército e destaca-se, desde o início, por sua enorme capacidade intelectual.  A experiência da expedição francesa no norte da África, no contato com os mulçumanos, aprofunda o seu desejo por buscar o sentido para a sua vida. De volta a França, a confissão diante do padre Huvelin marca um momento de virada em sua vida. Descobre a existência de um Deus que o ama e pelo qual deveria viver. Diante disso, torna-se necessário abandonar qualquer conforto, luxo ou riqueza para dedicar-se a Jesus.

Tem início um longo itinerário de busca por um seguimento mais radical do evangelho. A austeridade vivida no exército abre caminhos para a busca de uma vida mais simples, despojada, mas ainda pequena, insuficiente diante do evangelho. Peregrina até a Terra Santa, passando por mosteiros e congregações no desejo de viver mais semelhante a Jesus, por ele chamado de Bem-amado. A experiência em Nazaré o marca profundamente. Ele se impressiona com a pobreza e simplicidade do local onde morava Jesus. Como o Bem-amado poderia ter vivido tanto tempo num lugar tão simples?

A experiência em Nazaré o faz compreender que é preciso tornar a vida mais simples, mais despojada e aberta ao próximo. É necessário, como Jesus, ocupar o último lugar, aquele espaço que ninguém deseja, que ninguém quer. Passa-se da riqueza e do acesso aos bens para a pobreza e a simplicidade evangélica. Não é preciso estar em Nazaré para viver como Jesus. Cada espaço pode tornar-se uma nova Nazaré : espaço de oração, acolhida, simplicidade e fraternidade.

Charles torna-se padre a fim de anunciar o Evangelho a todos os povos. Procura os locais mais escondidos e necessitados. Encontra Tamanrasset, um vilarejo de mulçumanos, esquecido em meio ao deserto do Saara. Torna aquele espaço a sua morada. A casa de Charles é local de acolhida e descanso de viajantes, peregrinos e pessoas necessitadas. Todos podem entrar e sair, encontrando acolhida na casinha de Nazaré.

A simplicidade de vida experimentada em Tamanrasset permite que Charles estabeleça um diálogo fecundo com o Islã. Diálogo que não se prende a questões teóricas, mas que se experimenta na concretude da vida, nos gestos, palavras e partilhas vividos. Procura ajudar a todos em suas necessidades, fazendo-se presente na vida do povo, dividindo seu tempo entre orações, trabalhos, acolhida e vivência com os moradores. Entretanto, durante um longo período de seca, será a vez de Charles receber ajuda ao invés de oferecê-la. Doente e à beira da morte, os seus amigos mulçumanos andam mais de quarenta quilômetros para encontrar leite suficiente a fim de que Charles possa ter suas forças reestabelecidas. Ele se estabeleceu em Tamanrasset com a finalidade de salvar aquele povo por meio do anúncio do Evangelho, agora eram eles que o salvavam da morte. Enfim, a simplicidade permite ultrapassar barreiras religiosas, étnicas e culturais a fim de garantir a vida.

A vida do irmão de Nazaré ensina que cada um deverá fazer o melhor que pode em cada ação que realiza por menor que seja. As pequenas atitudes vividas com sabedoria e simplicidade podem transformar pessoas, famílias e comunidades. Mais do que nunca se torna necessário insistir na vivência da fraternidade que se expressa na escuta atenta a cada pessoa. Viver uma vida simples numa fraternidade procurando acolher o outro que necessita de escuta e atenção, estando atento às suas necessidades. Charles tinha o sonho de que todos pudessem entender-se como responsáveis pelo anúncio do evangelho por meio do testemunho de vida. Para ele, o ponto de convergência era o batismo. Todos são convidados a responder este chamado onde quer que se encontrem : padres, irmãs/irmãos, leigos, animadores.

Charles morreu em 1916, vítima de um conflito entre grupos rivais no entorno de Tamanrasset. Morreu inocente e vítima como tantos e tantas outras num século marcado por guerras e agitações. Porém, mesmo antes de sua canonização, o seu testemunho tem alimentado e animado batizados e batizadas na vivência do Evangelho. As fraternidades, congregações e institutos nele inspirados, procuram tornar cada lugar um espaço de acolhida e fraternidade, assumindo a vida oculta de Nazaré, isto é, dando testemunho da boa-nova do Reino Deus numa vida simples e austera juntos aos sofredores e esquecidos. Oxalá possamos assumir a mesma paixão que animou a vida do irmãozinho de Nazaré e repetir, como ele, na oração do abandono : ‘Meu Pai a vós me abandono : fazei de mim o que quiserdes! ... Estou pronto para tudo, aceito tudo, contanto que vossa vontade se faça em mim e em todas as vossas criaturas...

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1518294/2021/05/charles-de-foucauld-o-irmao-universal/ 

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