quarta-feira, 25 de julho de 2012

Curarei os seus tormentos


Com liberdade vai Jesus ao encontro dos sofrimentos preditos a seu repeito. Por várias vezes os prenunciou as discípulos, tendo mesmo repreendido a Pedro que repelia o anuncio da paixão, e declarou que por eles se daria a salvação do mundo. Por isso apresentou-se aos que vinham buscá-lo, dizendo: Sou eu a quem procurais (cf. Jo, 18,5). Acusado, não respondeu. Podendo esconder-se, não o quis, embora por mais de uma vez se tenha furtado às ciladas dos perseguidores.



Chora sobre Jerusalém que pela incredulidade atraía para si a ruína e prediz a suprema destruição do templo outrora formoso. Com toda a paciência suporta ser batido na cabeça por homem duplamente escravo. Esbofeteado, cuspido, injuriado, atormentado, flagelado e por fim crucificado e dado por companheiro de suplícios a dois ladrões, contado entre os homicidas e celerados. Bebe o vinagre e o fel produzidos pela má videira, coroado de espinhos em lugar de louros e cachos de uva. Escarnecido com a púrpura, batido com a cana, ferido o lado pela lança e enfim levado ao sepulcro.



Tudo isto sofreu enquanto operava nossa salvação. Pois àqueles que se haviam escravizado ao pecado eram devidos os castigos do pecado. Ele, isento de todo o pecado, tendo cumprido toda a justiça, suportou a pena dos pecadores, destruindo por sua cruz o antigo decreto da maldição. Cristo, assim diz Paulo, nos remiu da maldição da lei, feito maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que pende do lenho (Gl 3,13; cf. Dt21,23). Com a coroa de espinhos põe fim ao castigo de Adão. Pois, após o pecado, este ouvira: Maldita a terra em teus trabalhos; germinarão para ti espinhos e abrolhos (cf. Gn 3,17-18).



Com o fel bebeu a amargura a dor da vida humana passível e mortal. Pelo vinagre assumiu em si a mudança do ser humano para o pior e concedeu a volta ao melhor. A púrpura significava o reino; a cana, o frágil poder do diabo. A bofetada publicava nossa liberdade, tolerando as injúrias, flagelos e chagas a nós devidas.



O lado aberto, à semelhança de Adão, deixa sair não a mulher que, por seu erro, gerou a morte, mas a fonte de vida que com dupla torrente vivifica o mundo. Uma, no batistério, nos renova e cobre com a veste imortal; outra, à mesa divina, alimenta os renascidos como leite aos pequeninos.




Fonte :
Do Tratado sobre a Encarnação do Senhor, de Teodoreto de Ciro, bispo
(Nn. 26-27: PG 75, 1466-1467). (Séc. V) "In Liturgia das Horas IV", pg.77/78
                              

OBLATOS : Entre o Céu e a Terra, Cidadãos do Oitavo Dia (Capítulo 3 de 3)

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB


São Mauro : primeiro discípulo de São Bento e primeiro oblato


5 – Escuta e estabilidade que se traduz em serviço
            ‘A estabilidade vai se traduzir em missão, que o Estatuto dos Oblatos coloca também como critério do chamado à oblação. Esta missão pode ser compreendida como serviço, bem delineada no documento do episcopado norte-americano do ano de 2002 (14). Alvo de uma confiança única, os cristãos são colaboradores de Deus em sua obra salvadora, redentora e santificadora, como já dizia São Paulo : Quer vivam quer morram é para o Senhor (cf. Rm 14, 8). Generosos, cheios do zelo bom agem a partir do amor e do senso de responsabilidade. ... O zelo bom, que separa dos vícios e conduz a Deus e à vida eterna. Exerçam, portanto, os monges este zelo com amor ferventíssimo (cf. RB 72, 1-3).
            São inúmeras as formas de serviço, de acordo com a vocação e as circunstâncias. A base será sempre o servir-se mutuamente na caridade (cf. RB 35,6). E ainda : Ponham em ação castamente a caridade fraterna (RB 72,8). Servos da Igreja, nela procuram carregar os fardos uns dos outros : Tolerem pacientissimamente suas fraquezas, quer do corpo quer do caráter (cf. RB 72,3). Desafios e dificuldades transformam-se em ocasiões de superação e alegria, como diz Paulo : “ALEGRAI-VOS!” (cf. 2Cor 7,4). A experiência pessoal de um Deus rico em misericórdia faz brotar a alegria e a esperança de ouvir um dia : Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino!
            A Virgem Maria ensina com seu exemplo o sentido do discipulado e serviço, como pede também São Bento : Mostre os preceitos divinos por suas ações (cf. RB 2, 12-13). Temos em Maria todos os elementos essenciais do discipulado e do serviço cristãos, a saber, chamado, dom, esposta generosa, criativa e prudente. Maria compreendeu o chamado a ser SERVA, no serviço e fidelidade. Como Mãe de Deus, sua missão traduziu-se no serviço materno a Jesus Cristo, desde a infância até a vida adulta e à morte na cruz. Como Mãe da Igreja, o serviço materno para com aqueles que dela se achegam como filhos (15) .
            Como realizar esta missão? O Espírito responde com o capítulo 2 do livro dos Gênesis : nosso chamado é um chamado a sermos bons servos da oficina humano-divina que nos foi confiada, o JARDIM a ser cultivado, utilizando mentes, corações e mãos. Diz São Pedro : Todos vós, conforme o dom que cada um recebeu, consagrai-vos ao serviço uns dos outros, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus (1Pd 4,10). Podemos elencar algumas características :
1.   RECEBER COM GRATIDÃO OS DONS DE DEUS : Glorificam aquele que neles opera dizendo com o profeta : “Não a nós, Senhor, não a nós, mas a vosso nome dai glória” (cf. Pról. 30).
2.  CULTIVÁ-LOS COM RESPONSABILIDADE : Se alguém deixar as coisas do mosteiro sujas ou as tratar negligentemente seja repreendido (cf. RB 32,4). Ou a responsabilidade para com os irmãos e irmãs : não negligencie ou faça pouco caso da salvação das almas a si confiadas (...) saiba que aquele que recebeu almas a dirigir, deve preparar-se para prestar contas (cf. RB 2,11.17).
3.  PARTILHÁ-LOS COM AMOR : A partilha dos bens, a exemplo  da primeira comunidade de Jerusalém : Seja tudo comum a todos (cf. RB 33 e 34). Ou como : o bom servo do Evangelho que distribuiu o trigo a seus conservos no devido tempo (cf. RB 64,21).          
4.  DEVOLVÊ-LOS MULTIPLICADOS AO SENHOR : Visão positiva da Regra Beneditina.    

6 – Um “Cantus Firmus” – conclusão que abre
            Ao chegar ao final destas considerações, noto que há um tema que perpassa nossa reflexão, como um cantus firmus que sustenta a arquitetura sonora de nossos passos em direção ao Reino. É o desejo da vida eterna, a dimensão escatológica, colocada em destaque pela Constituição Dogmática Lumen Gentium no capítulo VII : Ouçamos o texto conciliar : A prometida restauração que esperamos, começou já em Cristo, foi impulsionada com a vinda do Espírito Santo, e continua por meio dele na Igreja – que nos faz descobrir na fé o sentido da própria vida temporal – à medida que vamos realizando, com esperança nos bens futuros, a obra que o Pai nos confiou no mundo, e vamos operando a nossa salvação (cf. Fl 2,12). Dom Jean-Pierre Longeat OSB, Abade de Ligugé(16), observa ser esta perspectiva  escatológica a meta que concentra a atenção de monges e monjas e que pode ser vista como excentricidade, em um mundo marcado pela sombra da urgência e a atração do sucesso. Ter a vida eterna como meta, diz Dom Longeat, pode desconcertar a muitos, embora seja uma dimensão intrínseca a nossa vida batismal. Esta vida eterna é a chegada do Reino de Deus, que no Pai-nosso pedimos que venha várias vezes ao dia, pelo menos três vezes, segundo nossos antigos pais. Nesta expectativa o coração se dilata ao corrermos pelos caminhos dos mandamentos de Deus, com inenarrável doçura de amor – RB Pról. 49 – enquanto nos ocupamos de nossas tarefas, daquilo que deve ser feito aqui e agora na construção deste reino. Na bela expressão de Dom Jean-Pierre, somos pessoas do “Oitavo Dia”. Este é o dia que está ao mesmo tempo além e dentro da história.
            O oblato, movido pelo desejo de buscar a Deus, na escuta fiel e diária de sua palavra, com a vida pautada pelo ethos monástico da fé e da liturgia, testemunhará por sua estabilidade, que é possível viver no mundo sem ser do mundo. Ter um pé na terra e outro no céu. Que é possível continuar correndo para manter o precário equilíbrio de tal situação. Nesta corrida, continuará a ser discípulo na escola do serviço do Senhor, pronto a seguir Jesus a qualquer preço. Totalmente entregue em oferta a Deus e aos irmãos, segue o itinerário que a Regra e a tradição lhe apresentam, certo de CHEGAR (cf. RB 73,9), à meta desejada, à vida que não passa, e ver desde já o que olhos não viram e ouvidos não ouviram, e que Deus preparou para aqueles que o amam (cf. RB 4,77). Assim seja!’
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(14) – Cf. CONFERÊNCIA EPISCOPAL NORTE-AMERICANA, Stewardship, a Disciple’s Response, Cap. V, (2002)
(15) – Cf. LG VIII e Encíclica de SS. JOÃO PAULO II, “Redemptoris Mater”, 46, citados em id.
(16) – LONGEAT OSB, Jean-Pierre, “The Monastic Charism in the life of the Church”, in AIM English Language Bulletin, 97 (2009) 39-41.Cf.

sábado, 21 de julho de 2012

O sorriso de Jesus

Por Maria Vanda (Ir. Maria Silvia, Obl. OSB)


                               Não desejo te ver à sombra, onde nada é definido. Queria contemplar Teu Ser, em puro lume, às claras. Espero-te num amor de máximo envolvimento, sem fugas, separações, sem despedidas.

                               Desejo-te, (como a mim possível), pudesses te apresentar como um sol diferente, a reluzir fabuloso nas pontes, nas torres das cidades, nas mais altas nuvens, no breu das noites, com asas de plumas, realçadas em tons azuis; tu derramado em mantos de mil nesgas, resvalavas sorridente, no por do sol, depois nas estrelas, (que em Teu manto se colavam em mil). Engastavas os olhos da lua, com tua luz e raios resplendecentes e nela desvelavas Teus dedos, enchendo de rubor a face dessa amada.

                               No Éden enfim, pousavas e ficavas quieto inaudível, (como a querer manter-se fora de meu alcance, em anuviar-se de mim).

                              A partir daí, eu me derramaria em saudade de Ti, do Teu rastro luminoso, do teu sorriso rasgado e nunca visto, mas permanente em mim.

                                Minha alegria esmaecida resmungaria e de novo se acomodaria dentro do meu ser; até ser minha alma novamente sacudida por um último encontro: já num verde campo, entre montanhas e vales, onde eu, agora, justificada em Ti e por Ti, deixaria, sem medo de perdê-lo, que fosses descansar de buscar-me, sentando-se Radioso em Teu trono, ó meu amado Sorridente Pastor.

                                                                                
                                                                               Maria Vanda
                                                                               Ir. Maria Silvia

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Nossa Senhora do Carmo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB


Oração a Nossa Senhora do Carmo


“Nós vos suplicamos, Senhor,
que nos assistais
com a intercessão poderosa da
Santíssima Virgem Maria,
mãe e rainha do carmelo,
para que, guiados pelo seu exemplo e proteção,
subamos o monte da perfeição que é Cristo. Amém.”





Introito : Vultum Tuum - Sanctissimi Nominis Mariae 

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Odre novo, Vinho novo

Por Maria Vanda (Ir. Maria Silvia, Obl. OSB)
                                               

 Do Evangelho de Jesus Cristo
segundo São Mateus 9, 14-17


Naquele tempo : 


            Os discípulos de João aproximaram-se de Jesus e perguntaram :

           “Por que razão nós e os fariseus praticamos jejuns, mas os teus discípulos não?”

Disse-lhes Jesus: 
“Por acaso, os amigos do noivo podem estar de luto enquanto o noivo está com eles? Dias virão em que o noivo será tirado do meio deles. Então, sim, eles jejuarão. Ninguém coloca remendo de pano novo em roupa velha, porque o remendo repuxa a roupa e o rasgão fica maior ainda. Também não se coloca vinho novo em odres velhos, senão os odres se arrebentam, o vinho se derrama e os odres se perdem. Mas vinho novo se coloca em odres novos, e assim os dois se conservam.”




 Ó Senhor! Te entregaste por nós, à mais terrível morte. E assim nos fizeste odres novos, nos oferecendo o melhor vinho, (a tua Palavra e a tua perpétua presença), para nossa delícia. Foste o noivo fiel que, por imensurável amor, só trocaste de roupa e voltaste (em teu corpo glorioso), para permanecer entre nós, por todos os segundos de nossas vidas. Que povo mereceria tamanha honra? Tu escolheste o teu povo e a ele és fiel para sempre! Rogamos Senhor, ajuda-nos a acolhermos a tua Palavra viva, sempre.  Não permitas nos tornarmos remendos velhos, mas  atualizantes da tua memória, na Sagrada Eucaristia.  Ajuda-nos a tonamo-nos homens novos,  mantendo-nos fiéis aos teus preceitos.

 Que o Noivo retorne, em breve,  (com suas vestes gloriosas)  e encontre a sua esposa, fiel, vigilante, cordata e vivaz,  junto o seu amado povo, conclamando-nos:  olhem todos!  Lá vem o Pastor Fiel, em todo o seu  esplendor, como nos havia prometido. Venham! Venham! Não somente aqueles de vestes alvas, mas todos, encontrar o nosso Rei Salvador, enquanto convidados para seu  grande banquete celeste!

           Amém.


                                                                            Maria Vanda A. Silva
                                                                                (Ir. Maria Silvia)

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Regra de São Bento - Capitulo IV - Os Instrumentos das Boas Obras

Por Maria Vanda (Ir. Maria Silvia, Obl. OSB)

                               
"Em primeiro lugar, amar a Deus de todo coração, de toda alma e com todas as forças.

Em seguida, amar o proximo como a si mesmo.
Depois, não matar.
Não cometer adultério.
Não furtar.
Não cobiçar.
Não levantar falso testemunho.
Honrar todos os homens.
E não fazer a outrem o que não se quer para si.
Renunciar a si mesmo para seguir a Cristo.
Castigar o corpo.
Não procurar as delícias.
Amar o jejum.
Reconfortar os pobres.
Vestir os nús.
Visitar os enfermos.
Enterrar os mortos.
Socorrer os atribulados.
Consolar os aflitos.
Afastar-se dos costumes do mundo.
Nada preferir ao amor de Cristo.
Não satisfazer a cólera.
Não guardar tempo para a vingança.
Não guardar falsidade no coração.
Não conceder paz simulada.
Não negligenciar a caridade.
Não jurar para não cometer perjuro.
Dizer a verdade de coração e de boca.
Não pagar o mal com o mal.
A ninguém fazer injustiça, mas suportar com paciência a que lhe for feita.
Amar os inimigos.
Não amaldiçoar os que o amaldiçoam; mas ao contrário, abençoá-los.
Sofrer perseguição pela justiça.
Não ser soberbo.
Não ser dado à bebida.
Não ser voraz.
Não ter apego ao sono.
Não ser preguiçoso.
Não ser murmurador.
Nem detrator.
Por em Deus a esperança.
O que encontrar de bom em sua pessoa atribuí-lo a Deus e não a si.
Quanto ao mal, saber que é obra sua e a si mesmo atribuí-lo.
Temer o dia do juízo.
Ter pavor do inferno.
Desejar a vida eterna com todo o ardor de sua alma.
Ter todos os dias a morte presente diante dos olhos.
Velar a todo momento pelos atos de sua vida.
Ter como certo que Deus nos ver em todo lugar.
Quanto aos maus pensamentos que invadem alma, destruí-los imediatamente de encontro ao Cristo e manifestá-los ao pai espiritual.
Preservar a boca de qualquer assunto mau ou pernicioso.
Não gostar de falar muito.
Não pronunciar palavras inúteis ou que só provoquem risos.
Não gostar de risos frequentes ou ruidosos.
Ouvir com satisfação as santas leituras.
Entregar-se frequentemente à oração.
Confessar todos os dias a Deus, nas suas preces, com lágrimas e gemidos, as faltas da vida passada; e emendar-se daí em diante.
Não satisfazer os desejos da carne.
Odiar a sua vontade própria. 
Obedecer em tudo as ordens do abade, ainda mesmo que ele proceda de outra forma (o que Deus não permita), recordando-se do que ordena o Senhor : fazei o que eles dizem e não o que eles fazem.
Não querer passar por santo antes de o ser, mas sê-lo primeiramente para que o digam com mais verdade.
Cumprir todos os dias por meio das obras os preceitos de Deus.
Amar a castidade.
A ninguém odiar.
Não ter ciúme.
Não exercer a inveja.
Ser inimigo de contestar.
Fugir da altivez.
Venerar os anciãos. 
Amar os mais moços.
Orar pelos inimigos por amor a Cristo.
Reconciliar-se ante do anoitecer com seus contraditores.
Nunca desesperar da misericórdia de Deus.
Estes são os instrumentos da arte espiritual.
Se os cumprirmos dia e noite, sem interrupções , e os apresentarmos no dia do juízo, Deus nos recompensará com aquele prêmio por ele mesmo prometido: Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, o que Deus preparou para aqueles que o amam.
A oficina onde devemos trabalhar diligentemente com o auxilio desses instrumentos, é o claustro de mosteiro e a estabilidade na comunidade."



Introitus : GAUDEAMUS OMNES IN DOMINO,
pelo Coro Monástico da Abadia de Notre Dame de Fontgombault - França

 

quinta-feira, 5 de julho de 2012

OBLATOS : Entre o Céu e a Terra, Cidadãos do Oitavo Dia (Capítulo 2 de 3)

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB


São Mauro : primeiro discípulo de São Bento e primeiro oblato


3 – Oblatos à escuta, celebra e vive sua fé
            Procuramos penetrar no sentido do desejo de Deus e sua busca. Procuremos agora compreender como este cristão específico, que escolhe viver a graça batismal guiado pelo Evangelho através da ótica da Regra Beneditina, será marcado por algumas disposições básicas para dar à Igreja, que chama todos a ser discípulos e missionários, sua contribuição específica.
            Afirmar que o oblato é um cristão, como consta no Estatuto (10), faz eco a Santo Agostinho que gostava de dizer : “Pra vós sou bispo, convosco, sou cristão”. Também faz eco ao monaquismo de São Basílio, no século IV, que partia do mesmo princípio : o monge é um cristão. Apenas e tudo. Seu primeiro mestre, o Bispo Eustate de Sebaste, a quem a família de Basílio era fiel, não conseguia manter o movimento monástico nascente em um caminho de equilíbrio. Diante dos desvios que aconteceram na Capadócia, Basílio prefere não usar a palavra “monachus”. Chama suas comunidades de fraternidades, reunidas em torno da escuta da Palavra. Regra para ele é a Sagrada Escritura, sobretudo o Evangelho, linha seguida por todos os Pais da Vida Monástica. Bento tem São Basílio na maior conta e o indica no capítulo 73 da Regra como uma das doutrinas que nos fazem chegar por caminho reto a nosso criador (cf. RB 73, 4-5). Como Basílio, aponta a Sagrada Escritura como norma retíssima da vida humana (RB 73,3). Pede que o monge, “tomando por guia o Evangelho”, procure trilhar os seus caminhos. Assim, em questão de vocabulário, distancia-se de Basílio, mas não em questão de conteúdos. Também para Nosso Pai, o monge é acima de tudo, um cristão. Todo e qualquer capítulo da Regra de São Bento tem como fundamento a Cristo e ao Evangelho, seja citando-o explicitamente, seja como pano de fundo, seja através da indicação de atitudes evangélicas. O “nada absolutamente anteponham a Cristo, que nos conduza juntos para a vida eterna” (RB 72, 11-12) é uma realidade palpável ao longo de toda a Regra.  
            A espiritualidade beneditina é batismal, cristocêntrica. Seu chão é a Sagrada Escritura. O recente Sínodo da Palavra oferece-nos trilhas belíssimas de aprofundamento da realidade viva da Palavra, que não é um livro, mas uma pessoa, um rosto, Jesus Cristo. É o que podemos deduzir da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Verbum Domini. As intervenções dos padres sinodais versaram dominantemente sobre cinco aspectos : fundamentos doutrinais, hermenêuticos, ou seja, de interpretação da Sagrada Escritura, aspectos pastorais, espirituais, aqui a Lectio Divina, e éticos. Temas dominantes, a Homilia, a Lectio Divina, o Testemunho. E se Deus fala, o que é retomado com insistência, uma voz do plenário levanta-se e aponta ser Deus, eminentemente, um Deus que escuta em especial aos que não têm voz, o pobre, o aflito, a viúva. Um Deus que escuta seu povo, como Jesus também ouvirá. Deixemos falar a Exortação : “Mestra da escuta, a esposa de Cristo repete, com fé, também hoje : “Falai, Senhor, que a vossa Igreja Vos escuta”. E aqui é retomada a Encíclica Dei Verbum, que dá uma definição dinâmica da vida da Igreja: “São palavras com as quais o Concílio indica um aspecto qualificante da Igreja: esta é uma comunidade que escuta e anuncia a Palavra de Deus” (VD 51). Continha a Exortação, citando o Santo Padre Bento XVI : “Temos aqui uma advertência que cada cristão deve acolher e aplicar a si mesmo : só quem se coloca primeiro à escuta da Palavra é que pode depois tornar-se seu anunciador”.
            Fácil perceber aqui o profetismo de São Bento, enquanto eco antecipado a esta proposição. Faria eco tanto à escuta quando ao anúncio. Estamos mais acostumados com o aspecto da escuta, por ser a palavra que abre a Regra e nela constituir-se como um fio condutor. Somos convidados a escutar a Deus que nos fala no hóspede, no pobre, no peregrino, no abade, no enfermo, no irmão que cometeu alguma falta. Atitude contínua, desenvolvida pacientemente no debruçar-se diário sobre a Palavra da Escritura, atitude de “entrega” à leitura em determinados momentos do dia (cf. RB 48; 49,4). Lembremos ainda o Prólogo que personifica a Palavra de Deus como aquela pessoa que nos acorda cada dia. Ainda que São Bento não estabeleça normas quanto a um anúncio formalmente compreendido, chama a atenção para a relação entre o “receber e executar” (cf. RB Pról. 1), para a necessidade da coerência, quando pede que se “profira a verdade de coração e de boaca” (RB 4,28), e pede que se “entregue como resposta uma boa palavra, pois a palavra está acima da melhor dádiva” (RB 31, 13-14). O capítulo 66, dos Porteiros do Mosteiro, sobre a relação mosteiro-mundo, é todo marcado pela escuta e resposta, com qualidades especiais de prontidão, maturidade, presença ao outro, temor de Deus, caridade, sabedoria. Pequeno compêndio de missão pelo ser da pessoa já trabalhada pela palavra, como o ancião maduro, que falará por todo o conjunto performativo de sua palavra e expressão não verbal.
            Se algo marca nossa espiritualidade é a importância da Palavra de Deus em nosso itinerário. Desde Antão, jovem rico que fez a virada deste encontro evangélico e o transformou em um encontro feliz, com sequência positiva e de muito fruto. A história monástica é uma continuação no tempo da história da salvação na vida de cada um de nós. Dom Donato Ogliari (11) comenta quanto o impressionou ter o Abade Primaz chamado a atenção de todos os presentes na Conferência Monástica Italiana de que o futuro do monaquismo depende em grande parte da redescoberta do papel central da Lectio Divina pessoal e comunitária, digamos também aqui, familiar e profissional.
            Marca profunda da espiritualidade beneditina é também a Sagrada Liturgia. Trata-se de um “ethos litúrgico”(12), que nos interpela. Como vivemos a liturgia? Como rito apenas? Como Opus? Ou como lugar teologal da proclamação da Palavra que nos constitui no ser? Esta a forma com que a coloca a Exortação Verbum Domini em sua segunda parte, Verbum in Ecclesia. O parágrafo sobre a sacramentalidade da palavra é claro quanto à força performativa do anúncio da palavra na liturgia. Nela a palavra realiza o que significa, opera, age em nosso ser, faz-nos entrar no mistério pascal que trabalha em nós. Mais do que cerimônias, é nosso respirar, que transforma o tempo em tempo litúrgico. A vida celebrada transforma-se em uma peregrinação animada pela palavra. Os mistérios celebrados, os salmos rezados, encarnam-se em nossa humanidade, de modo que cada instante de nossa vida é contemplado, nenhum instante fica fora do mistério da salvação. HOJE, AGORA, é a hora. Note-se que o desejo nos movia para a vida eterna, mas esta tensão escatológica é equilibrada pela gravidade do tempo presente, todo perpassado pela presença de Deus (cf. RB Pról.10.44; cap. 19). Diz-nos a Exortação : “Daqui se compreende, que, na origem da sacramentalidade da Palavra de Deus, esteja precisamente o mistério da encarnação : O Verbo fez-se carne (Jo 1,14), a realidade do mistério revelado oferece-se a nós na carne do Filho”. E o oblato deseja ser oferta a Deus e aos irmãos pela oblação. Continua o texto : “A Palavra de Deus torna-se perceptível à fé através do ‘sinal’ de palavras e gestos humanos. A fé reconhece o Verbo de Deus, acolhendo os gestos e as palavras com que ele mesmo se nos apresenta” (VD 56).


4 – Estabilidade versus Instabilidade
            Outra característica espiritual beneditina é a estabilidade, constitutiva da profissão monástica. Em recente estudo, Madre Cristiana Piccardi OCSO, matriarca do mundo monástico contemporâneo (13), discorre sobre seus vários aspectos, contrapondo-a à instabilidade da sociedade atual. Como conservar e desenvolver a estabilidade, o amadurecimento da pessoa, a duração dos relacionamentos, a perseverança, garantias do domínio da profissão e da arte? Madre Cristiana, depois de interrogar-se por que Bento deseja a estabilidade para seus monges, fala da importância do estar na cela dada pelos pais do deserto, como da perseverança na solidão. Ao percorrer a história da estabilidade, nota Madre Cristiana como o mudar de lugar em nada diminuirá os combates a serem enfrentados e que estarão em nós mesmos. Bento compartilha da doutrina dos padres de Lérins, entre estes, de Cesário de Arles, seu contemporâneo, mas vive em contexto muito diverso. Estar em plena península itálica devastada pelas invasões bárbaras, significa enfrentar uma mudança de época, contexto que já vimos ser semelhante ao nosso e que determinará sua compreensão quanto ao mode de viver a estabilidade.
            Madre Cristiana distingue diversos níveis da estabilidade, o nível humano ou psicológico, o espiritual, o carismático, aqui entendido como patrístico, e, finalmente entra na dimensão esponsal da estabilidade. Destaco aqui o nível espiritual com três aspectos a saber : a luz, o tempo e a dor. A luz é a luz da fé batismal que cresce no seguimento de Cristo e que nos fixa em sua vontade, em um lugar estabelecido por seu amor, em total fidelidade a seu desígnio eterno. Esta luz-fé nos fortalece diante das tentações, impede-nos de vaguear, como vagabundos espirituais, giróvagos da vida, ajuda a conservar-nos centrados em nossa meta, sem buscar paliativos compensadores. Quando falta a luz-fé, pode-se cair com facilidade nas dúvidas, cansaço físico e espiritual, rotina, falta de luz, do infinito em nossa pequenez, somos revestidos de misericórdia e selados no amor.
            Madre Cristiana assinala a importância do tempo como possibilidade de intervenção de Deus, assim experimentado, o tempo torna-se história de salvação, onde se dá a aliança e a realização da promessa. Já abordamos acima. Por fim, encontramos o terceiro nível espiritual da estabilidade, a dor, traduzida em paciência, capacidade de suportar, carregar o cotidiano de nossas vidas com suas surpresas, desafios, na alegria do quarto grau da humildade: “Mas superamos tudo por causa daquele que nos amor” (cf. RB 7,39; Rm 8,37), na certeza de que, partilhando pela “paciência dos sofrimentos de Cristo, mereceremos ser coerdeiros de seu reino” (cf. RB Pról. 50).
            Ao desenvolvermos esta virtude da estabilidade, ofereceremos ao mundo atual a força para vencer a fragmentação do coração que lhe é característica, missão do oblato enquanto oferta aos irmãos. A vivência da estabilidade abrirá para nós e para a humanidade o eterno movimento de amor, do que nunca muda – citação de Dante na Divina Comédia – a perene estabilidade trinitária em eterno movimento de amor.’
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(10) – Cf. Estatuto - Cap. 1, art. 1
(11) – Id.
(12) – Cf. GIACOMELI, OSBCAM, Gianni, Conferência à Assembleia da CIMBRA, Vinhedo (2009) pro manuscrito.
(13) – Cf. PICCARDI OCSO, Cristina, “Estabilidad-Perseverancia em La dimensión esponsal de la vocación Monástica : respuesta al hombre hoy” in Cuadernos Monasticos 173 (2010) 187-224

segunda-feira, 2 de julho de 2012

A Nova Evangelização na esfera da Aviação Civil e do Migrante



O Papa Bento XVI recebeu em audiência, no começo de junho de 2012, na Sala do Consistório do Palácio Apostólico do Vaticano, os participantes do XV Seminário Internacional de Capelães católicos e membros das Capelanias da Aviação Civil, promovido pelo Pontifício Conselho da Pastoral dos Migrantes e Itinerantes.


O Santo Padre valeu-se deste momento oportuno para ressaltar os seguintes aspectos : 
 

1. A aviação não está imune à missão cristã, que é ‘levar Deus ao homem e guiar o homem ao encontro de Deus’;


2. Os aeroportos espelham a moderna globalização ao congregar pessoas de diversas origens, religiões, culturas e quadros sociais;



3. Os migrantes e aqueles que pedem asilo nem sempre tem como providenciar os documentos necessários para seguir adiante; desta forma, tornam-se vítimas de situações dramáticas, por vezes constrangedoras, em prol de ‘medidas de segurança para combater ataques terroristas’;



4. Estimulou os Capelães no anúncio da Boa Nova, a enfrentar a crise de fé que arruína a tantos, a portar o sinal luminoso da compaixão de Jesus Cristo e a manter suas capelas como ‘lugares de silêncio, de alívio espiritual e de serenidade’;



5. Destacou, ainda, que os trabalhadores de aeroportos convivem rotineiramente com ambientes tensos, de contínua mobilidade e forte aparato tecnológico, onde devem maximizar a eficiência e a produtividade, em detrimento do auxílio ao próximo;



6. Para finalizar, citou Nossa Senhora de Loreto, padroeira dos viajantes aéreos. Segundo a tradição, os anjos transportaram a Casa de Maria, de Nazaré a Loreto (Itália). Porém, há outro ‘vôo’ mais expressivo para a humanidade – aquele do arcanjo Gabriel na Anunciação à Maria : ‘Assim o Eterno entrou no tempo, Deus se fez homem e veio habitar entre nós’.
  



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