Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Abadia de São Martinho de Ligugé (França)
O evangelho de São Lucas 24, 35-48 : uma chave para a liturgia
‘Jesus não se assemelha ao Messias que os israelitas imaginavam, ou
seja, um rei, um sacerdote e um profeta que os libertaria da opressão dos mais
poderosos, perdoaria os pecados e traria a salvação consigo. No entanto, o
Apóstolo Pedro lembra que Jesus é o Messias que deveria vir, que cumpre
plenamente a profecia de toda a Escritura. A hora chegou : precisamos abrir
nossos olhos para receber a salvação. Apenas aqueles que se deixam iluminar
pela luz do Cristo ressuscitado têm o coração aberto para a inteligência das
Escrituras, para relê-las e redescobrir que Ele, o Salvador, nos salva pela
humildade, obediência, paixão e morte. É precisamente no momento crucial e
doloroso de Sua morte na cruz que Ele realiza as profecias. Como verdadeiro
sacerdote, Ele oferece o sacrifício definitivo e revela o poder da realeza de
um Deus de amor que não apenas salva Seu povo, mas permanece com ele para
sempre.
Os discípulos de Emaús reconheceram Jesus ‘na fração do pão’, e agora o
Senhor se apresenta pessoalmente no meio deles, mostrando-lhes os sinais da
crucificação para dissipar o medo e a dúvida; eles também podem tocá-Lo e comer
com Ele. O Cristo, o Vivente, assegura-nos de Sua presença real entre nós,
especialmente pela Palavra e pela Eucaristia. Podemos e devemos experimentar a
alegria de encontrar o Cristo diariamente, para poder comunicar com Ele e
receber o perdão, a vida e as bênçãos de que precisamos.
Jesus ressuscitado dirige esta saudação aos discípulos : ‘A paz esteja
convosco!’. A paz é o dom messiânico por excelência, é o dom da ressurreição de
Cristo. Mas não é uma paz fabricada de acordo com a mentalidade do mundo. Jesus
mesmo diz : ‘Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não a dou como o mundo a dá.
Não se perturbe o vosso coração, nem se atemorize’ (Jo 14, 27). A paz de Cristo
é uma paz que transforma a dúvida em certeza, o egoísmo em comunhão, o medo em
esperança. Este desejo de paz é profundamente litúrgico, é por meio dele que o
bispo inicia toda celebração litúrgica. Não é por acaso que o lema dos
beneditinos é ‘PAX’ – paz – e que São Bento é chamado o mensageiro da paz.
Geralmente, encontra-se a saudação PAX na entrada de todos os mosteiros;
às vezes até uma frase, por exemplo : Sit pax intranti, redeunti gratia
sancti (Paz àquele que entra; àquele que sai, leve consigo a graça do santo
[Bento], como na entrada da Abadia de São Paulo fora dos Muros, em Roma).
Aqueles que passeiam pelo claustro da Abadia de São Martinho têm diante de si
mosaicos que lembram com insistência o dom da paz. Não é apenas um desejo de
boas-vindas para aqueles que vêm ao mosteiro, mas o sinal de que a comunidade
acolhe o hóspede e lhe entrega, ao entrar e sair, o que tem de mais precioso :
a paz de Cristo, o dom pascal por excelência. A comunidade monástica em si é
chamada a viver de acordo com esta paz, buscá-la, preservá-la e irradiá-la para
o mundo : ‘Busca a paz e segue-a’, diz São Bento (Prólogo 17).
‘A paz não é preguiça, nem falsa indiferença, [...] a paz é a atitude de
uma alma unida a Deus na caridade.’ (Dom Delatte)
A paz nem sempre significa a ausência de problemas ou conflitos. Pelo
contrário, Jesus adverte Seus discípulos de que terão que suportar muitas
tribulações. A paz que Jesus conquistou com Seu sangue significa, antes de
tudo, a certeza de Sua presença, mesmo quando temos que atravessar um mar
agitado de dificuldades. Jesus está vivo, caminha conosco e nos dá Sua paz e a
alegria do Espírito Santo. Essa paz se realiza quando todos estão empenhados na
busca de Deus e do bem comum, quando existe um desejo sincero de comunhão,
caridade e doação de si. É esta paz, a paz do Cristo ressuscitado, que trocamos
durante a missa.
‘Fica conosco, Senhor.’ Livra-nos da ignorância e abre os olhos de
nossos corações para ouvir Tua palavra e obedecer a Deus. Concede-nos a graça e
a alegria extraordinária de encontrar-Te no pão partido a cada celebração
eucarística, e que nosso ser seja verdadeiramente transformado pela comunhão
com Teu Corpo e Sangue, para que nosso testemunho de fé seja crível, nossa
caridade sincera e Tua paz esteja em nós. Amém.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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