Por Eliana Maria
(Ir. Gabriela, Obl. OSB)
O mítico «Robô de Leonardo Da Vinci»
‘Se as suspeitas do pesquisador brasileiro Átila Soares da Costa Filho
estiverem corretas, a célebre ‘Mona Lisa’ — ou ‘Gioconda’ — deverá guardar mais
um dentre tantos segredos e curiosidades que fizeram da mesma a obra de arte
mais enigmática da História. O ‘código’ seria a representação da cabeça de um
leão-robô, estrategicamente fundida na paisagem montanhosa que circunda Lisa
Gherardini, a modelo para a obra-prima, hoje no Louvre em Paris. Mas, qual
seria o intuito por parte de Leonardo em inserir um leão mecânico no retrato
mais famoso do mundo?
A presença de uma referência leonina, por si só, já serviria como
assinatura para o artista, segundo Átila, já que a ‘Mona Lisa’ não é assinada.
De fato, ‘Leonardo’ significa ‘forte como o leão’, onde ‘leão’ — ‘leo’ — sendo ‘leo’
também um diminutivo de ‘Leonardo’. Além disto, o felino tinha o mesmo nome de
pontificado de um importantíssimo cliente seu, Giovanni di Lorenzo de Medici —
Papa Leão X — que, como veremos, terá uma participação crucial em um dos
projetos de Da Vinci à época... e justamente sobre um leão mecânico. Vejamos.
Segundo Átila, especialista em Arte e Tecnologia, Patrimônio e História
da Arte, a ‘Gioconda’ foi levada da Itália à França pelo próprio criador quando
convidado pelo rei Francisco I para ingressar como um ‘faz-tudo de luxo’
naquela corte. Daí, a pintura, executada por Leonardo até 1517, teria sido
comprada por Francisco e mantida em Fontainebleau — mais tarde, no Palácio de
Versalhes. O que ocorre é que, antes, em 1515, o Papa Leão X comissionara
ao artista um leão robótico no intuito de presentear Francisco para promover a
recente aliança entre França e Florença; assim como para receber o rei na sua
entrada triunfal em Lyon no mesmo ano. As festividades foram ali organizadas
pela colônia florentina local de comerciantes e banqueiros — daí, também, a
razão do leão, já que símbolo de Florença (o ‘Marzocco’), e cidade natal de Leão
X.
Seria esta a segunda vez (de três) em que Da Vinci produziria um leão
mecânico para um rei francês. Capaz de se locomover sozinho, o leão-robô trazia
uma surpresa-extra : avançando solenemente diante do monarca, depois de
açoitado três vezes pelo mesmo, se acionaria um mecanismo de abertura do peito
do leão, do qual cairá uma cascata de lírios a formar um tapete, símbolo do
reino francês, assim como decoração do brasão de armas da República florentina.
Fortemente impressionado com a inventividade de Leonardo, Francisco I o
convida para a corte em caráter definitivo. Mesmo com o próprio Michelangelo
tendo escrito sobre o insólito projeto, e tido o célebre biógrafo Giorgio
Vasari como testemunha, quem melhor nos deixou informações foi o cronista e
pintor Giovanni Paolo Lomazzo que, em 1584, fala do autômato como um ‘artifício
admirável’, ressaltando a capacidade de Leonardo de ensinar a maneira de fazer ‘os
leões andarem com a força das rodas’. Estas informações lhe foram passadas a
partir dos comentários de Francesco Melzi, aprendiz e companheiro do gênio
toscano até sua morte em 1519.
Na opinião de Átila Soares, incluir este feito (ainda que de forma
sutil) à ‘Mona Lisa’ teria sido também uma forma de eternizar sua mais recente
criação tecnológica numa fase bem ‘royale’ da carreira. O pesquisador também
informa que, em 2011, o artista americano Ron Piccirillo publicara sobre a
presença da mesma cabeça leonina — com a de mais alguns animais — entretanto,
em contexto mais filosófico e moral. Para Piccirillo, o leão (assim como os
outros bichos que alega ter identificado) seria uma referência a textos de
Leonardo sobre a inveja — nada a ver com a representação de um felino robótico
papal, como defende Átila.
Para sustentar a teoria, este último afirma que ‘a imagem comparativa
fala por si’, ou seja, que a cabeça na paisagem é assombrosamente similar à
reconstrução em metal, madeira e corda do ‘leão autômato’, realizado pela
equipe de Mario Taddei, diretor científico do Museu Leonardo3 de Milão. Mas, a
questão principal é : até que ponto seria acurada tal ‘recuperação’ feita por
Taddei em 2019, segundo os cânones artísticos do mestre? Na verdade, o que sua
equipe realizou foi uma revisão sobre as tentativas anteriores de se trazer o
mecanismo de volta à vida — incluindo, obviamente, o que deveria ter sido o
respetivo design. E, para tal, necessitou-se de uma análise sobre todas as
representações conhecidas de leões executadas por Da Vinci — o que é a medida
mais basilar possível diante de um desafio como tal.
Por sua vez, a cabeça na pintura também guarda forte semelhança com
alguns esboços leoninos que Leonardo desenhou entre 1508 e 1510 (conservados no
‘Codex Atlanticus’ ou Windsor). Percebam que a data bate perfeitamente com
aquela da comissão do primeiro leão mecânico por parte do rei Luís xii —
cujo esboço, certamente, seria aproveitado por Leonardo no desenvolvimento do segundo
e terceiro leões. E seria esta versão de Taddei a mais fidedigna já feita sobre
o segundo leão de Da Vinci cuja base estrutural foi, sobretudo, o conjunto de
esquemas, esboços e textos originais do ‘Codex Madrid’ — o caderno particular
de anotações deste. Ao longo dos experimentos, e sem o pleno amparo das
informações no ‘Codex’, entretanto, o time de Taddei também se viu forçado a
algumas decisões independentes, como a de prever a caminhada da criatura
através da análise dos ‘protorrobôs’ árabes que enchiam as ruas de Veneza, além
do estudo sobre um modelo mecânico de relojoaria do início do século XVI.
Afinal, Leonardo estava muito familiarizado com todo este universo tecnológico
e é altamente razoável que buscasse em tais recursos uma estrutura de trabalho
possível para suas ideias.
Conclui Átila Soares : «Em sendo, mesmo, algo intencional da parte de Da
Vinci, tal prática de ocultar referências em suas criações também é um fato já
bem considerado no meio acadêmico, sobretudo pelas palavras do próprio artista
no ‘Tratado da Pintura’ (1632). Dizia ele : ‘Não desprezes esta minha
opinião, na qual te é lembrado que não te seja penoso por vezes parar e ver nas
manchas das paredes, ou nas cinzas do fogo, ou nas nuvens, ou na lama, ou em
outros lugares semelhantes, nos quais, se forem bem considerados por ti, encontrarás
invenções admiráveis, que despertam a criatividade do pintor para novas
invenções, como composições de batalhas, de animais e de
homens, como várias composições de países e de coisas monstruosas, como de
diabos e coisas semelhantes, pois serão motivo de honra para ti; pois
em coisas confusas a mente desperta para novas invenções’. Para
Leonardo, certamente, tudo valeria como um exercício de percepções ou de
raciocínio para tornar qualquer pintura mais rica e interessante. Ou seja, nada
mais leonardiano como o que aqui também se sugere’’.
Fonte : *Artigo na íntegra
Nenhum comentário:
Postar um comentário