quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

O dilema das redes e a teologia

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 
*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante

 

‘Recentemente a Netflix lançou um documentário chamado O dilema das redes, que teve um grande impacto sobre muitos. Mesmo já sabendo sobre a coleta de informações pelas redes sociais ou até mesmo sobre o modo de desenvolvimento desses aplicativos – feitos justamente para viciar, fazendo com que os usuários despendam o maior tempo possível diante das telas –, ainda assim muitas pessoas se chocaram em ouvir tão explicitamente tais fatos por seus desenvolvedores.

O documentário também traz um alerta importante : é preciso que a população lute para que haja regulação e responsabilização de tais empresas pelos dados que possuem e, principalmente, pelo que fazem com eles. Em uma sociedade como a nossa, em que informação é poder, é inconcebível permitir que as redes sociais, ou qualquer outro órgão empresarial ou estatal possa fazer o que quiser com nossos dados.

Nesse cenário, como teólogos e teólogas, é necessário que se pense em que medida a teologia se implica nessa realidade. Com isso em mente, gostaria de pensar dois pontos neste pequeno artigo : o primeiro tem a ver com aquilo que a teologia pode aprender com tudo isso; o segundo, com aquilo que a teologia pode ajudar nessa reflexão.

O que a teologia pode aprender? Em primeiro lugar, o documentário deixa claro algo que já sabemos : vivemos em um mundo conectado, rápido, com linguagem própria, habitado em sua maioria pelos jovens e adolescentes de nossa geração que, a partir da criação de bolhas, vivem e interagem sempre com as mesmas pessoas, ouvindo e vendo somente aquilo que mais gostam. Em outras palavras, criaram um mundo para si e, a partir dele, toda a realidade é justificada e explicada.

Nesse cenário, é imprescindível para o pensar teológico que a linguagem da teologia seja atualizada. Seus próprios termos e sua forma de explicar as coisas precisam ser revistas a fim de ser uma linguagem que faça sentido para as pessoas de nosso tempo. Isso não quer dizer abrir mão de seus pressupostos de fé. Muito pelo contrário, atualizar sua linguagem implica em tornar seu discurso acessível às pessoas de nosso tempo. Assim como a teologia dos primeiros séculos tomou diversos termos extrabíblicos para poder dizer a fé para aquele tempo, é imprescindível que a teologia atual faça o mesmo movimento, reconhecendo que somente as linguagens bíblica e tradicional não dão conta do momento tecnológico em que estamos inseridos. Sem isso, a teologia continuará em sua bolha, falando somente aos seus achando que está alcançando milhares de pessoas, quando, na verdade, vive uma retroalimentação que não ajuda em nada na mudança da sociedade. Sair da bolha é tarefa fundamental para a teologia do século 21.

Por outro lado, a teologia também pode contribuir na discussão. Ela, que parte da fé na revelação, vê o ser humano como aquele que foi criado imagem e semelhança de Deus. Um sujeito possuindo a liberdade deve ser capaz de usá-la para a promoção de uma vida harmoniosa com seus irmãos e irmãs, bem como com a própria natureza. Nesse sentido, o caráter relacional é fundante do ser humano. Se Deus é Trindade, como afirma a fé cristã, então o próprio Deus é também relação. Sendo o ser humano imagem e semelhança de Deus, pensar tal humano ausente de relação seria um absurdo para a fé.

A ética cristã, então, está baseada nesse pressuposto básico de que todos e todas são filhos e filhas do mesmo Deus e, portanto, estão em relação de igualdade, devendo, como irmãos e irmãs, construir uma sociedade na qual reina a justiça, a paz e a misericórdia. Da mesma forma, todo ser humano tem um valor em si mesmo, não baseado nas coisas externas e, desse modo, não é negociável. Nenhum ser humano é melhor que outro e, consequentemente, na relação entre iguais, não é aceitável que alguns tenham mais direitos que os outros. A quebra do direito de um é a quebra do direito de todos.

Com isso em mente, podemos dizer que a violação da privacidade do sujeito e o tratamento do ser humano como mero produto, o que é feito pelas redes sociais, mostra-se antiético e passível de denúncia, a partir dos pressupostos da ética cristã que mencionamos.

Assim, ao insistir no valor do ser humano como imagem e semelhança de Deus, a teologia contribui com um critério importante para se pensar a regulação e responsabilização das redes sociais. Se por um lado a teologia tem que aprender com as redes, por outro, deve também confrontá-la e, a partir da fé, tentar ensiná-la.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1485998/2020/12/o-dilema-das-redes-e-a-teologia/

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