terça-feira, 15 de dezembro de 2020

A importância das devoções papais em tempos sombrios

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 

*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,

jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras

credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


‘O papa Francisco mantém em seu escritório, no Vaticano, a famosa imagem de São José adormecido. Confidenciou isso em sua viagem às Filipinas, em 2015. Quando adquiriu a estatueta, o pontífice, que é um grande devoto do pai adotivo de Jesus, acabou criando um hábito peculiar : coloca um papelzinho, no qual elenca vários problemas (os da Igreja, presumo), embaixo da imagem. Ele explica que o gesto se inspira na forma como São José é retratado na bíblia : ‘enquanto dormia, a vontade de Deus se revelava na vida do esposo de Maria’, ressalta o santo padre.

O São José adormecido chamou a atenção de muitos fiéis ao redor do mundo por causa da sua originalidade. Não é difícil encontrar nas lojas de souvenir, perto do Vaticano, centenas de cópias do objeto sacro. Estão lá, à mostra, em quase todas as vitrines, e são um sucesso de vendas. No Brasil, por exemplo, já criaram até ‘terço de São José adormecido pelas causas impossíveis’.

Francisco valoriza e promove a religiosidade popular. Foi ele quem trouxe a devoção de Nossa Senhora Desatadora dos nós para a América Latina. Esse quadro de Maria, (em alemão, Knotenlöserin), é venerado no coração da Baviera, na Alemanha, desde 1700.  A própria família de Bento XVI, originária da região, era muito ligada a esse título mariano, inclusive.

A pintura chamou a atenção do então doutorando em Teologia, padre Jorge Mario Bergoglio, na década de 1980. Na época, ele vivia na cidade de Augsburg, onde focou sua pesquisa na obra do teólogo Romano Guardini. Encantado com a história da pintura, de autoria do artista alemão Johann Melchior Georg Schmittner, Bergoglio resolveu propagá-la em várias paróquias de Buenos Aires quando retornou à sua terra natal.

Para a nossa surpresa – e nem tanto – Francisco proclamou um ano dedicado a São José, que se estende até o dia 8 de dezembro de 2021. É um dos seus santos de devoção, a quem ele recorre nos momentos mais difíceis da sua vida. Tem até uma oração que ele recita diariamente, há mais de 40 anos, na qual pede a intercessão do patrono da Igreja. E parece que chegou a hora de ensinar sua receita de fé aos fiéis, como um bispo que se preze deve fazer.

O ‘homem da providência’, como é venerado pelo catolicismo, foi convocado pelo papa para dar uma forcinha pra gente em 2021. Viveremos uma fase de retomada, em que já poderemos vislumbrar a pós-pandemia tão sonhada, mas, ao mesmo tempo, repleta de desafios e recomeços. Francisco pensou em tudo isso. Na introdução de sua carta apostólica Patris Corde, que institui esse tempo especial em honra a São José, explica que esses meses de prova o levaram a tomar essa decisão.

Voltando no tempo

Os papas não ditam simplesmente ‘modas espirituais’, mas acompanham ‘os sinais dos tempos’ na hora de propor qualquer prática devocional. Percorrendo a história do papado, veremos que muitas dessas manifestações de fé surgem, justamente, em períodos conturbados.

A própria veneração à figura do Romano pontífice é resgatada com Pio IX, no final do século 19. Os santinhos do ‘papa exilado’, que circulavam em muitas cidades da Itália, retratando o líder religioso que acabara de perder seus territórios para o reino da Itália, em 1870, criou um clima de solidariedade coletiva entre os católicos. Anos depois, foi ele quem proclamou o dogma da Imaculada Conceição (1854), pondo em prática, pela primeira vez, as prerrogativas da infalibilidade papal. A partir daí, esse título de Nossa Senhora passou a ser difundido como nunca antes na história.

As devoções, as guerras e a política 

Algumas práticas de fé, no século passado, acabaram, inclusive, sendo instrumentalizadas. É o caso da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, uma aparição ocorrida em 1689, na França, cuja vidente foi a santa Margarida Maria Alacoque.

Durante a Primeira Guerra Mundial, famílias católicas inteiras consagravam, na simplicidade da religiosidade doméstica, seus parentes, que estavam no front de batalha, ao Sagrado Coração de Jesus. Por outro lado, os líderes de alguns países beligerantes (católicos) faziam cerimônias, em honra ao Sagrado Coração de Jesus, ‘pedindo forças para exterminar seus opositores’ (também católicos). Se baseavam na promessa feita por Jesus a Alacoque : quem se consagrasse a seu Sagrado Coração, triunfaria diante dos próprios inimigos.

Quando surgiu a ideia de consagrar alguns países e impérios europeus ao Sagrado Coração de Jesus, Bento XV, o papa da época, ficou entusiasmado com a iniciativa. Depois, quando percebeu que a prática consistia em praticamente declarar uma cruzada católica contra os próprios católicos, retirou seu apoio. Mesmo assim, sem aprovação oficial do sumo pontífice, o ‘ato patriótico e religioso’ acontecera, simultaneamente, em várias paróquias católicas do velho continente. Era 15 de junho de 1917.

Depois disso, os papas da era contemporânea, sobretudo os que vieram depois do Concílio Vaticano II, ao mesmo tempo que incentivavam a religiosidade popular, tiveram esse cuidado de não permitir que tais devoções, tão caras aos fiéis, se tornassem cavalos de batalha de projetos de poder. Não que a Igreja dificulte a sua difusão, mas fica em alerta quando percebe que elas são propagadas para outros fins. É por isso que, ainda hoje, Francisco tem um pé atrás com Medjugorje. Observa a aparição com muita cautela. Não impede que as pessoas peregrinem rumo à Bósnia e Herzegovina, mas acompanha, de perto, o desenrolar dessas revelações.

Por fim, é preocupante ver alguns políticos exibindo bíblias e rosários que sequer usam. Sem contar os que transformam trechos bíblicos em brasão de agendas ideológicas. Não que um homem público não possa manifestar sua fé. Se é uma religiosidade autêntica, por que não assumi-la? Porém, percebemos quando a intenção é a de, justamente, caricaturar o sentimento religioso. Os casos da atualidade são tão evidentes, que nem preciso citá-los.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1487829/2020/12/a-importancia-das-devocoes-papais-em-tempos-sombrios/

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