quarta-feira, 4 de março de 2020

Conectados na rede e desconectados do mundo


 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Viver cristão que se manifesta somente nas redes e não age no mundo não é autêntico
*Artigo de Fabrício Veliq,
teólogo protestante


‘Estamos numa era tecnológica. Embora haja ainda algumas pessoas que não se habituaram a isso, que nasceram antes da era da informática e dos computadores, é inegável que as telas ocupam também grande parte de suas vidas. Para os nascidos após a década de 2000 no mundo ocidentalizado, já se torna impensável um mundo sem telas, conexão com a internet ou redes sociais. Para os mais novos, então, um mundo sem redes sociais poderia parecer extremamente sem graça e sem nada para fazer.

Curiosamente, é interessante perceber que, ao mesmo tempo em que se cresce a conectividade em redes sociais e espaços virtuais, acontece também um distanciamento das relações pessoais e presenciais. Não é difícil encontramos grupos que dialogam diariamente em ambiente virtual, mas que demoram anos para se encontrarem presencialmente, face a face. Da mesma forma, não raramente se descobre que a pessoa super descolada, inteligente e mente aberta na internet, quando conhecida pessoalmente, revela-se preconceituosa e rasa em suas argumentações.

O mundo online oferece essa opção. Pode-se ser nas redes e passar a imagem nos ambientes virtuais que se quiser, mesmo não tendo nada a ver com a realidade do dia a dia. Afinal, a rede, principalmente as mídias sociais, é o lugar de pessoas felizes, sem problemas, sem stress, viajadas, descoladas, amigas de todas, dentre tantos outros adjetivos que se queira colocar. O importante é não deixar lugar para tristezas, desafetos e intempéries cotidianos, pois isso não cabe no ambiente que todos veem. A alegria deve ser pública e o sofrimento privado. Mesmo se compartilhado, deve ser somente para um grupo selecionado dessas mesmas redes. Nelas não há espaço para vidas imperfeitas, devendo o mundo sempre ser colorido, ensolarado e com um sorriso no rosto.

Embora seja tentador esse mundo online, sair dele é importante. Afinal, o mundo real acontece longe das telas. Nele se dá o encontro verdadeiro com o ser do outro, com a dor da vida, com as intempéries e alegrias advindas da experiência cotidiana e dos relacionamentos diários. Abrigar-se somente num mundo online, esquecendo-se do mundo real, não dificilmente se mostra como fuga que muitos buscam para não ter que lidar com o absurdo que, muitas vezes, a vida revela ser.

Do ponto de vista teológico, diante de um mundo virtual, com o qual cada vez mais pessoas se veem encantadas e onde desejam habitar 24 horas por dia, acredito ser de suma importância resgatar o princípio da encarnação e seu conceito de ‘assumir a carne do mundo’. Faz-se mister resgatar o valor do encontro com a pessoa e não seu avatar, de maneira que haja espaço para as alegrias e tristezas que somente uma corporeidade que se relaciona com outra pode trazer.

Isso não quer dizer que se deva abandonar as redes sociais ou usufruir dos benefícios da conectividade, o que não faria sentido. O que aqui se diz consiste na atenção ao grande perigo que há em imaginar a possibilidade de viver o cristianismo somente online, aparte da corporeidade. Somente ações efetivas, que tocam a realidade das pessoas – principalmente dos marginalizados da sociedade, que em sua maioria não estão nas redes –, tornam possível a real compreensão do princípio da encarnação.

Assim, um suposto viver cristão que se manifesta somente nas redes e não age efetivamente no mundo não é autêntico, mas somente culto à própria vaidade.’


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