Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Abadia de Keur Moussa
‘Qualquer que seja o modelo economico desenvolvido pelas comunidades, observa-se ao longo da história monástica que os mosteiros foram sempre forças de mudança social . Philibert Schmitz, historiador da Ordem beneditina, fala da «obra civilizadora» [2] dos monges da Europa. Em que medida o monaquismo atual pode desempenhar um papel de inovação e de desenvolvimento?
1. Porque são
os mosteiros lugares de inovação?
Se os mosteiros
estiveram sempre no meio da história dos focos de inovação e de desenvolvimento
quando isto não constituía de nenhum modo o seu primeiro objetivo, isto
significa que a estrutura monástica apresenta características próprias que
podem conduzir a esta dinâmica. Segundo Olivier de Sardan [3], a
inovação pode definir-se como um «enxerto de técnicas, de saberes ou de modos
de organização inéditos (em geral sob forma de adaptações locais a partir de
concessões ou de importações) sobre técnicas, saberes e modos de organização in
loco [4]. Ele sublinha também que a inovação deve ser considerada
como um processo social.
Para começar,
uma comunidade monástica não é um grupo econômico que tem o lucro como objetivo
a obter. A economia permanece teoricamente ao serviço da subsistência da
comunidade. Isto tem por consequência a possibilidade de se incorrer em risco
porque o objetivo imediato da comunidade não está no resultado de excedentes de
exploração ao fim do ano. A comunidade monástica é por outro lado durável; este
grupo tem uma duração de vida mais elevado do que uma empresa e pode assim
assumir risco ou investir em capital humano. A comunidade monástica projeta-se
em um longo termo ligado à ideia de estabilidade (stabilitas loci). Além
disso, este grupo está na maioria das vezes em paz social; define-se a si
próprio como um grupo de pessoas que procuram Deus. A dimensão durável da
comunidade torna assim possível a transmissão de experiências e de
conhecimentos. Vale lembrar por exemplo os trabalhos de copistas dos monges que
permitiram conservar e de transmitir durante toda a Idade Média os seus
conhecimentos em medicina, agricultura, botânica, etc. Enfim, a longa história
do monaquismo permite melhorar diferentes dimensões e tomar como exemplo a
experiência vivida por outras comunidades ou de outras épocas :
«A notável
estabilidade do monaquismo é em grande medida uma estabilidade da memória, uma
continuidade da compreensão que se estende por trinta gerações ». [5]
Mesmo que a comunidade seja recente, cada mosteiro integra-se na longa tradição do monaquismo, o que constitui um modo da sua legitimação. [6]
2. Economia e
desenvolvimento na África
Nos países em
vias de desenvolvimento onde o monaquismo é frequentemente uma implantação
recente, as comunidades realizam um papel importante para o desenvolvimento
econômico e social. Jean-Pierre Olivier de Sardan definiu o desenvolvimento
como um «conjunto de processos sociais induzidos por operações voluntaristas de
transformação de um meio social, empreendidas pela direção de instituições ou
de atores externos a esse meio, mas procurando mobilizar esse meio» [7].
No caso do monaquismo, o desenvolvimento assume no entanto diferentes
dimensões. Como já foi mencionado, inovação e desenvolvimento não são em si
objetivos da vida monástica, mas podem tornar-se elementos positivos. Isto
significa que o desenvolvimento é uma consequência de atividades motivadas por
um objetivo monástico, ou seja, que servem o fim religioso da vida monástica.
Por exemplo, os monges da Idade Média desenvolveram a força hidráulica para
ganhar tempo para a oração [8].
O
desenvolvimento ocasionado pelos mosteiros na África contemporânea é mais
frequentemente um acessório positivo que decorre das atividades ou inovações do
mosteiro. Como diz o Abade de Keur Moussa : «Nós não procuramos o
desenvolvimento, ele vem por acréscimo». As comunidades de inspiração
beneditina têm na sua tradição desenvolver dentro e à volta do mosteiro as
condições que lhes permitam prover às necessidades da comunidade. Isto
significa no contexto de uma nova fundação que os monges e monjas trabalharão
por tornar as suas terras aráveis, assegurar a presença de água e conduzir ou
produzir eletricidade. A abadia de Keur Moussa no Senegal adotou como divisa
esta frase : «E o deserto florirá» (Isaías 35, 1), tendo com efeito tornado
possível a agricultura das suas terras até então áridas e introduz novas
espécies no ambiente. O emprego de assalariados locais contribui também para o
desenvolvimento dando trabalho às pessoas dos arredores. Para um monge queniano
do mosteiro Our Lady of Mount Kenya, trata-se da dimensão principal da
sua atividade de desenvolvimento. Enfim, a formação de monges e monjas é também
uma parte direta do desenvolvimento. De maneira indireta, o mosteiro participa
no desenvolvimento da sua região enquanto atrai populações que vêm se instalar
nas imediações para se beneficiar de um trabalho, de um dispensário ou de uma
escola.
Uma outra dimensão do desenvolvimento monástico vem com efeito da resposta dos monges e monjas às exigências locais. Dado que as primeiras comunidades religiosas presentes na África eram congregações missionárias que tinham por fim desenvolver escolas, dispensários e hospitais, este mesmo tipo de demanda foi dirigido aos monges logo que se instalaram num ambiente novo. É por esta razão que os monges de Keur Moussa vindos de Solesmes trazendo com eles um modelo estritamente contemplativo e enclausurado de vida monástica, tiveram de abrir uma escola e um pequeno dispensário. Todavia, logo que lhes foi possível, confiaram a escola a leigos e o dispensário a uma Congregação apostólica de irmãs. Conforme disse um monge numa entrevista : «As mulheres que chegavam prestes a dar à luz eram assistidas pelos monges, quando essa não é de todo a missão de um monge!» As comunidades monásticas sustentam também por vezes programas sociais, por exemplo o mosteiro Our Lady of Mount Kenya participa num projeto de agricultura sobre o solo para ajudar as famílias pobres a tornarem-se autosuficientes.
3. A economia
monástica como economia alternativa
A economia
monástica pode também constituir uma força de mudança no próprio interior da
economia trazendo modos alternativos de vivê-la. Em contexto europeu por
exemplo, os mosteiros procuram oferecer uma alternativa à abordagem capitalista
e desenvolvem em certos casos reais reflexões e propõem cursos sobre este tema [9].
A irmã francesa Nicole Reille fala assim da economia das Congregações como de
uma «economia profética», graças ao testemunho que ela pode prestar ao mundo
através de investimentos éticos nas pessoas.
A dimensão
alternativa da economia dos mosteiros africanos é observável também em ligação
com o contexto específico, porque a alteridade não se constrói a não ser em
relação com as normas da sociedade. Uma primeira dimensão concerne a maneira
cujo trabalho é vivido e justificado na vida monástica. Dado que o trabalho
poderia à primeira vista entrar em contradição com o ideal monástico, os monges
e monjas utilizam diferentes formas de justificação nos relacionamentos. Por
exemplo, uma jovem irmã de Karen :
«Eu pratico o
trabalho com amor, não simplesmente para cumpri-lo. Faço-o com muito amor. Ao
ponto de as irmãs sentirem elas próprias que o seu hábito é lavado com amor. Se
fizerdes a limpeza de um espaço com amor alguém vai repará-lo e dizer : ‘Sim,
isto foi feito com amor’. Importa pouco para isso saber o que aprendestes na
escola, mas o que trazeis assim para a comunidade.»
Um exemplo
interessante vem de Séguéya na Guiné Conackry na situação particular deste
Estado comunista onde os monges contribuem dando um novo valor ao trabalho : os
monges trabalham com as suas mãos, eles tentam tudo fazer para obter uma
atividade lucrativa.
«A Guiné tem
como particularidade não ter uma verdadeira cultura do trabalho, por causa do
sistema político. As pessoas perderam a cultura do trabalho. E o fato de ver os
irmãos trabalhar e lavrar a terra deu às pessoas o desejo de fazer a mesma
coisa. Penso que é uma mensagem que passa.» (04/07/2016)
Uma segunda
dimensão é o management humano e social desenvolvido pelas
comunidades para com os seus assalariados. A dimensão social do recrutamento é
um critério que prevalece por vezes sobre o desempenho econômico. Em Keur
Moussa, o celeireiro explica :
«Primeiro a
dimensão social. Desde o começo, teve-se esta exigência social de querer ajudar
aqueles que não têm trabalho à nossa volta e que vêm pedir trabalho.
Gostaríamos de fazer mais, mas os nossos meios são limitados. Ajudamos muita
gente à nossa volta.» (04/07/2016)
Por outro lado,
certas comunidades africanas pagam as contribuições sociais dos seus
assalariados, o que não observamos sempre nas nossas sociedades.
Enfim, o
desenvolvimento durável e a ecologia são assuntos que se implantam cada vez
mais na agricultura biológica. No Kenya, os monges desenvolvem a energia solar
e a reciclagem da água para contornar esta dificuldade esperando ligar-se à
rede central. O mosteiro de Agbang (Togo), que vive também da energia solar,
constitui uma fonte de eletricidade para os Peuls da selva que vêm recarregar
os seus aparelhos celulares no mosteiro.
Conclusão
O que é a
economia monástica? Neste ponto, podemos dizer que não existe uma economia
monástica em si, mas diferentes formas de economia dos mosteiros que dependem
da história política e religiosa de cada país e do presente contexto econômico
e social. Todavia, observam-se certas tendências comuns no sentido que as
comunidades desejam imprimir à sua atividade econômica. A forma da economia
toca um papel importante para a plausibilidade da vida monástica numa sociedade
porque ela constitui frequentemente um dos primeiros vetores de comunicação com
o mundo. Ela influencia por outro lado a forma de vida monástica e
inversamente.
A economia dos mosteiros africanos é uma economia que ainda procura frequentemente a estabilidade e reflete as especificidades do contexto socioeconômico bem como as influências do modelo do fundador. Mas é também frequente que pelas suas atividades econômicas os mosteiros possam desempenhar um papel no desenvolvimento do seu meio ambiente. Sem que seja um objetivo da vida monástica em si, observa-se, segundo as palavras de Max Weber, uma «afinidade eletiva» entre economia monástica e desenvolvimento econômico, social e cultural do ambiente no qual o mosteiro está integrado. A vida monástica pode pois ter uma influência sobre o seu ambiente local e mesmo, quando a base monástica é suficientemente densa, influenciar a própria sociedade como se pôde ver na história europeia.’
[1] Isabelle
Jonveaux é socióloga, responsável por cursos na Universidade de Graz e membro
do CéSor (Paris). Trabalha principalmente sobre as questões da vida monástica
(economia, trabalho, ecologia, relações de gênero, disciplina do corpo,
ascese), internet e religião (práticas religiosas online, jejum de internet),
mas também de jejum e consumo alternativo (períodos de jejum e abstinência,
sobriedade positiva...). Desenvolve atualmente um projeto de investigação sobre
a vida monástica católica na África. O artigo proposto aqui é uma parte da sua
intervenção no colóquio do Instituto monástico de Santo Anselmo em Roma sobre
«Vida monástica e economia» (cf. Studia Anselmiana Monasticism and Economy:
Rediscovering an Approach to Work and Poverty, Acts of the Fourth International
Symposium, Roma, 7-10 de junho de 2016.
[2] P. Schmitz, História
da ordem de São Bento, tomo II. Obra civilizadora até ao século XII, Maredsous,
1943, p. 18.
[3] Jean-Pierre
Olivier de Sardan é um antropólogo francês nigeriano, atualmente professor de
antropologia (diretor de estudos) na Escola de altos estudos em ciências
sociais de Marselha.
[4] J.-P. Olivier
de Sardan, «Antropologia e desenvolvimento. Ensaio de socio-antropologia sobre
a mudança social», Marselha-Paris, 1995, http://classiques.uqac.ca/contemporains/olivier_
de_sardan_jean_pierre/anthropologie_et_developpement/anthropo_et_developpement.pdf
[acesso:11-11-18].
[5] R.H. Winthrop,
«Leadership and Tradition in the Regulation of Catholic Monasticism»,
Anthropological Quarterly 58 (1985) 30.
[6] B. Delpal, «O
Silêncio dos monges. Os Trapistas no século XIX», Paris, 1998, p. 15.
[7] Olivier de
Sardan, «Antropologia e desenvolvimento».
[8] M. Derwich, «A
vida quotidiana dos monges e cônegos regulares na Idade Média e Tempos
Modernos», Wroclaw, 1995.
[9] I. Jonveaux, O
Mosteiro no trabalho, Paris, 2011.
Fonte : *Artigo na íntegra