domingo, 30 de agosto de 2020

As riquezas do papa

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 Papa reza por homem visivelmente emocionado, durante audiência geral de quarta-feira, no Vaticano

 *Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,

jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras

credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé 


‘Muitas vezes, aquela imagem do papa renascentista, que desfruta uma vida luxuosa e sem escrúpulos, segue firme no imaginário popular. Na cabeça das pessoas, o pontífice continua sendo aquele velho monarca que vive em função do acúmulo de riquezas. Porém, os tempos mudaram. Ainda bem.

É certo que a reputação do catolicismo, em algumas fases de sua história, não foi das melhores. E, na atualidade, alguns cardeais, bispos e padres continuam apegados àquele ‘espírito de corte’ ao qual o papa atual se opõe de maneira exemplar.

Mesmo assim, não podemos olhar para a trajetória do catolicismo pelas lentes de um anacronismo sem fim. Quando estudamos a disciplina histórica, é justamente esse tipo de tendência, em relação a qualquer tema, que precisamos evitar. Do contrário, corre-se o risco de conceber uma ‘história mitológica’, focada numa mera sucessão de eventos enquadrados pelas modalidades do presente.

O salário do papa

Deixando de lado os métodos de interpretação, a pergunta que não quer calar : Afinal, o papa recebe salário?  – A resposta é não. Em vez disso, padres diocesanos, bispos e cardeais recebem uma contribuição pelo serviço prestado à instituição, que na linguagem eclesial é chamada de ‘côngrua’.

O pontífice romano é o único chefe de estado que não recebe nenhum tipo de remuneração. Ele não pode ter jatinhos, carros particulares nem prédios. Suas despesas e necessidades são pagas pelo Vaticano. Além disso, é proibido acumular patrimônios em seu nome após a eleição. Cartões de crédito? Nem pensar.

Um dos documentos que atestam essa práxis contemporânea é o testamento de João Paulo II. Em um trecho da carta, ele diz : ‘Não deixo nenhuma propriedade em meu nome. Somente as coisas que usei no meu quotidiano. E peço que essas coisas sejam distribuídas como vocês acharem melhor’.

O papa Paulo VI, que governou a Igreja entre 1963 e 1978, declarou, em seu testamento, ‘que morreria pobre’, reconhecendo a Santa Sé como ‘sua herdeira universal’. Conservava imóveis de herança familiar, que eram administrados por seus parentes. 

No texto, pede que seus dois irmãos fiquem com uma parte e outra parte seja destinada ‘às boas obras e às pessoas necessitadas’. Pediu que lhe construíssem uma tumba modesta, sem decorações ou monumentos. E exigiu ‘um funeral simples e piedoso’, desprovido de todas ‘as pompas pontifícias’.

No caso do papa Francisco, é ainda mais evidente esse desapego. Por ser religioso jesuíta, não possuía nenhum tipo de propriedade antes de ser eleito papa. Sem contar que o seu pontificado, como vemos, é pautado pelo desprendimento.

Condena os padres que investem o dinheiro em carros luxuosos e faz um apelo para que esses clérigos, principalmente, adotem um estilo de vida modesto. Essa postura já é exigida pelo próprio Código de Direito Canônico – a lei da Igreja –, mais precisamente no artigo (canôn) 282 : ‘Os clérigos cultivem a simplicidade de vida e abstenham-se de tudo o que tenha ressaibos de vaidade’.

Escolheu viver numa casa rodeada de funcionários do Vaticano, renunciando ao apartamento pontifício, onde disse que se sentiria ‘muito sozinho’, caso o elegesse como sua moradia. Ordenou que o carro utilizado para deslocamentos dentro da cidade de Roma fosse trocado por um mais simples. E adotou, em 2013, um Ford Focus azul.

De acordo com o professor Rudy Assunção, especialista no pensamento de Bento XVI, o que consta até agora é que o papa emérito tenha somente uma propriedade, que foi adquirida por ele e pelos irmãos em 1969, quando ele ainda era professor. É uma casa que fica localizada na cidade de Regensburg, na Alemanha, e é nela que ele planejava viver sua aposentadoria e o resto de seus dias. 

As doações do papa

Existe um fundo que fica à disposição do papa, caso ele precise fazer uma doação em seu nome. Se chama Óbulo de São Pedro, e é um sistema de arrecadação de dinheiro destinado à prática da caridade. Quando lemos uma notícia a respeito de uma contribuição feita diretamente pelo pontífice em meio a crises humanitárias, é porque ele fez uso desse recurso.

Todos os anos, no dia 29 de junho, dia de São Pedro, o dinheiro recolhido pelas paróquias de todo o mundo é repassado para essa entidade. Durante a pandemia, o dinheiro usado na compra dos respiradores que foram enviados ao Brasil foi retirado desse montante.

O papado e o acúmulo de riquezas

A Igreja Católica foi governada por um pescador, monges e pontífices ‘antissistema’ que, por causa da sua coerência de vida, foram reconhecidos santos pela Igreja Católica.

Mas a instituição também foi conduzida por homens gananciosos, cujo programa de governo visava tão somente a expansão dos territórios pontifícios e o enriquecimento de suas próprias famílias. Sem contar os outros desvios morais que eram cometidos por esses homens, sem qualquer peso na consciência.

Não por acaso, o termo nepotismo surge, justamente, em âmbito católico. O nome está associado à prática de dar o título de cardeal a alguns parentes do papa, difundida entre séculos 14 e 17. O ‘cardinale-nipote’ – do italiano, cardeal-sobrinho –, era nomeado para assumir cargos de confiança na cúria romana. Em determinado período, ele chegou a atuar como uma espécie de secretário de Estado, e era um braço direito do sumo pontífice. O nepotismo foi abolido pela Igreja em 1692, através da bula Romanum decet pontificem, do papa Inocêncio XII.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1468117/2020/08/as-riquezas-do-papa/

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