sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Papa da paz x Cruzada contemporânea


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja



O italiano Giacomo Paolo Giovanni - Bento XV - condenou a primeira guerra mundial classificando-a como ‘un inutile strage’ - massacre inútil - em sua encíclica Ad Beatissimi Apostolorum, de 1914. Os vários apelos que esse pontífice fez pela paz, em um momento em que a mentalidade militarista também penetrava nos ambientes católicos, soou como uma afronta para muitos que viam na guerra algo necessário. Em muitos momentos, ele foi uma voz no deserto, sendo rejeitado por várias figuras da alta diplomacia vaticana e por parte dos bispos que se deixaram seduzir pela propaganda nacionalista, como no caso da Áustria. Enquanto a encíclica, por determinação do papa, chegava a todas as conferências episcopais com um apelo para o fim dos combates, os bispos austríacos convidavam os fiéis a rezar e a torcer pela ‘vitória da pátria’.

De acordo com o professor Andreas Gottsmann, presidente do Instituto Histórico Austríaco de Roma, as organizações juvenis católicas na Áustria (Schützenkorps, Jugendwehr) introduziram, logo depois do início da guerra, uma educação pré-militar para os rapazes de fé católica, além de sustentarem e favorecerem a educação militar nos países e nas paróquias através de organizações paramilitares. Por isso, segundo ele, a primeira guerra mundial pode ser considerada ‘o pecado original do século XX’ porque levou a uma quase completa militarização da sociedade. A conferência episcopal austríaca, por sua vez, defendia esta nova política de militarização e as ‘boas intenções’ que levavam essas associações católicas a dar uma contribuição pela defesa da pátria.

Os bispos viam que o conflito servia para resgatar a importância dos mandamentos divinos que, à altura, não eram mais respeitados. No caso, em muitos dos escritos da conferência episcopal, a guerra é tratada como uma purificadora, quase como uma catástrofe natural, necessária e positiva, uma vez que consentia um novo início. Os bispos interpretavam os sucessos militares dos poderes centrais como um sinal divino e a justificativa para a guerra’, ressaltou Gottsmann.

No presente, Papa Francisco é um dos que intuiu - reportando-se aos erros dos religiosos que se deixam seduzir por essa mentalidade no século passado -, sobre os riscos não só da política em prol do armamento de civis, mas da ideologia que se constrói em torno dela. Como Bento XV e João XXIII, que lutaram incessantemente pelo fim dos conflitos em períodos distintos, o papa argentino tem a coragem de lutar contra uma corrente de pensamento que esvazia a verdadeira proposta do cristianismo e transforma o discurso religioso em baluarte de cruzadas contemporâneas.’


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