*Artigo
de Fabrício Veliq,
teólogo
protestante
‘O tema da Trindade, na história do Cristianismo,
sempre foi de difícil explicação para com os que não eram cristãos e de difícil
assimilação por parte de vários que já o eram. Essa característica, longe de
ser determinante, somente sinaliza que essa temática nunca foi uma questão
simples e, até hoje, para muitas pessoas até mesmo cristãs, ainda não é de
fácil compreensão.
Diversas foram as imagens usadas na tentativa de
explicar como se daria a ação trinitára e como que, ao mesmo tempo, esse Deus
não deveria ser visto como três deuses, antes, como somente um. As metáforas,
tais como as duas mãos do Pai de Irineu, sempre se mostraram como ótimos
artifícios para se tentar explicar aquilo que, muitas vezes, as palavras não
dão conta. Contudo, uma vez que toda metáfora pode ser usada tanto para o bem
quanto para o mal, é interessante sempre se estar atento/a para não cair em
erros que poderiam, de alguma forma, comprometer a mensagem cristã.
Um bom exemplo pode ser dado tomando a própria
metáfora de Irineu, das duas mãos do Pai. Esta ainda é muito utilizada quando
se deseja falar a respeito do diálogo interreligioso pelo viés pneumatológico,
considerando que uma mão é a do Filho, enquanto a outra é a do Espírito. Irineu
tinha em mente que a Trindade poderia ser representada pelo Pai que tinha duas
mãos e agia com ambas na história; em termos modernos, podemos pensar que, tal
como um pianista quando toca o piano, a metáfora de Irineu nos remete a essa
vontade única de ação que nunca é desvencilhada uma da outra; assim como o
pianista que ao tocar com suas duas mãos não faz com que a mão direita faça
algo que não se harmonize com o que a esquerda faz, assim também seria a ação
trinitária, de maneira que onde um está em ação os outros dois também estão.
No entanto, várias propostas de diálogo
interreligioso pelo viés pneumatológico, tomando a metáfora de Irineu, tiveram
o intuito de separar a ação do Filho da ação do Espírito, como se esses fossem
independentes um do outro em suas ações. De certa forma, sai a ideia do
pianista e entra a imagem de uma pessoa que espera um ônibus e enquanto mantém uma
mão dentro do bolso, com a outra faz o sinal solicitando a parada do veículo no
ponto. Em termos teológicos, seria como se enquanto o Espírito estivesse
agindo, o Filho não estaria fazendo nada. Esse uso da metáfora, embora pareça
resolver a questão do diálogo interreligioso pelo viés pneumatológico, negocia
uma das principais doutrinas da fé cristã que é, justamente, a fé trinitária de
que ali onde um age todos os outros também agem.
Somente com esse pequeno exemplo da questão
trinitária, é possível levantar três questões fundamentais com as quais o
Cristianismo atual, que deve ser aberto ao diálogo, deve lidar de maneira séria
: a primeira é com relação a manter-se fiel à sua identidade, sem negociar
aquilo que o cerne da sua fé afirma; a segunda é dizer essa mesma fé dentro de
um contexto contemporâneo, de maneira que faça sentido a homens e mulheres de
nosso tempo; a terceira é realmente fazer um diálogo com as questões da
contemporaneidade e das outras religiões, mantendo os dois primeiros pontos.
Transitar nessa interseção, sem dúvida, não é algo
fácil, mas é algo para o qual teólogos e teólogas atuais devem estar atentos,
caso queiram continuar o fazer teológico de uma maneira realmente cristã, a
saber, aberta ao diálogo com o diferente, firme em sua fé e disposto a
redizê-la diariamente.’
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