terça-feira, 21 de agosto de 2018

Qual é o meu chamado? Como discernir sem uma sarça ardente

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Eu gostaria de dizer que imediatamente ouvi uma voz estrondosa ou que alguma das minhas plantas de casa pegou fogo espontaneamente. Infelizmente, não foi assim.
*Artigo de Jennifer Goodyer,
escritora e artista

Algum tempo atrás, ouvi um sermão sobre dizer ‘sim’ ao chamado de Deus, no qual o pastor nos perguntou como reagiríamos se tivéssemos um momento como o de Moisés com a sarça ardente. Teríamos a coragem de dizer ‘sim’ ou nós, como Moisés, pediríamos desculpas e sugeriríamos educadamente que Deus perguntasse a outra pessoa?

Foi um bom sermão, encorajando a oração reflexiva sobre onde Deus poderia estar nos chamando. Infelizmente para mim, veio em um momento em que estava fervorosamente orando por orientação vocacional, buscando desesperadamente respostas para perguntas que não iam embora. Eu sentia um chamado para algo, sabia que estava à beira de algo novo, mas não sabia o que, não tinha ainda consistência. Quando rezei, houve um silêncio ensurdecedor. Tudo o que eu conseguia pensar era em como Moisés foi afortunado por receber um momento em que seu chamado se tornasse absolutamente inequívoco. Naquela noite, orei para que Deus falasse comigo, para que pedisse qualquer coisa para mim, para que me desse clareza.

Eu gostaria de dizer que imediatamente ouvi uma voz estrondosa ou que alguma das minhas plantas de casa pegou fogo espontaneamente. Infelizmente, não foi assim. Em vez disso, houve mais silêncio. Inscrevi-me para a direção espiritual e durante o meu primeiro encontro disse à minha diretora sobre o meu sentimento de um chamado ainda sem consistência e expus toda a extensão da minha angústia. Ela ouviu com paciência, compreensão e compaixão. No final, ela fez uma reflexão em resposta para o que eu tinha partilhado, eu estava claramente sendo levada a algum lugar, mas me sentia em uma luta constante para não perder a paciência enquanto o 'para onde' se tornava claro. Inicialmente fiquei desapontada; eu já sabia disso e estava secretamente esperando que ela, a minha acompanhante espiritual, tivesse algum tipo de mensagem profética para mim. Mas então percebi o quanto ela estava certa. Lembrei-me de uma citação de um dos meus heróis espirituais, Henri Nouwen : ‘Você não pode ver todo o caminho à frente, mas geralmente há luz suficiente para dar o próximo passo’.

Eu tinha esquecido que deste lado do céu andamos à luz de tochas. Eu estava esperando a luz do dia. Como nos diz São Paulo, ‘agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face’ (1 Cor 13,12).

Esse limite colocado em nossa visão pode às vezes parecer mal-intencionado e talvez, em tempos sombrios, até cruel, mas na verdade é o oposto : um presente para nosso próprio bem. Se fôssemos ver todo o caminho, provavelmente nos afastaríamos com medo ou cairíamos no conformismo. Ambos seriam más notícias para o nosso desenvolvimento espiritual. Em vez disso, Deus graciosamente nos dá o que precisamos para dar o próximo passo ao longo da jornada, assim como um pai amoroso gradualmente revela gentilmente as verdades sobre os caminhos do mundo.

Mas mesmo quando aceitamos que devemos andar à luz de tochas, é provável que na maioria das vezes ainda fiquemos lutando contra essa realidade. Essa luta tem dois lados. Às vezes, ficamos para trás, onde a luz está brilhando, com medo ou sem vontade de dar o próximo passo, dizendo ‘sim’ para uma nova oportunidade, um relacionamento mais profundo ou um pedido de ajuda. Como diz Brené Brown, recusamo-nos a aparecer e ser vistos. Esta foi a luta de Moisés e muitas vezes é a nossa também. Nesses momentos, podemos até chegar ao ponto de evitar a oração porque já sabemos o que essa voz ainda pequena nos sussurra em nossos corações.

Em outras ocasiões, nos recusamos a permanecer no umbral da luz das tochas porque estamos ansiosos para avançar. Queremos ver todo o caminho, não apenas o próximo passo. Sentimos que Deus está aprontando alguma coisa e queremos saber o que. Abrimos nossas Bíblias, lemos livros, perguntamos a amigos, Google. Nestes momentos, nossa vida de oração está provavelmente mais fervorosa e exigente. Até certo ponto, tudo isso é bom. Jesus encoraja a persistência na oração, e se nós sentimos um chamado sem consistência ainda, devemos estar inclinados a isso e nos abrir para ouvir o que Deus está nos dizendo.

Como Nouwen explica em seu livro sobre discernimento, Deus está nos falando o tempo todo, convidando-nos a um conhecimento mais profundo dele e de nós mesmos; tudo o que nos resta é aprender a ler os sinais da vida cotidiana. Mas às vezes nosso desejo por respostas torna-se ansioso e egoísta e nos tornamos frustrados e incapazes de estar presentes. Nesses momentos, precisamos desacelerar, esperar e voltar para a luz da tocha, onde apenas o próximo passo é claro.

Inicialmente, isso pode parecer decepcionante : estamos prontos para agir e esperar é improdutivo e entediante. Contudo, se perdermos nossa disposição de esperar, também perderemos nossa capacidade de sermos liderados. Em vez de permitir que a luz nos guie, começamos a tentar controlá-la. Se estamos constantemente nos esforçando para ir além da luz, esquecemos de nos deliciar com a luz. E prazer que devemos, porque a luz que nos guia é a Luz do mundo. É o próprio Jesus quem segura a tocha que guia nosso caminho.

Quer estejamos lutando para permanecer na luz, porque estamos com medo ou porque somos impacientes, podemos estar confiantes de que a luz nunca nos deixará. Ele sempre brilha na escuridão da nossa incerteza e nos lembra que ele é o Emanuel, o Deus conosco.


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