Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Rodrigo Borges Delfim
‘Uma das maiores e mais respeitadas referências no Brasil na atuação em
prol de migrantes, incluindo deslocados forçados, a religiosa católica
brasileira Rosita Milesi, 79, foi anunciada nesta quarta-feira (9) como
vencedora da edição 2024 do Prêmio Nansen.
A honraria é concedida anualmente pelo ACNUR, a Agência da ONU para
Refugiados, a pessoas e entidades com atuação reconhecida em prol dessa
comunidade. Grosso modo, o Prêmio Nansen pode ser considerado uma espécie de
Nobel pela defesa dos direitos de pessoas refugiadas.
‘Decidi me dedicar a migrantes e refugiados. Sou inspirada pela
crescente necessidade de ajudar, acolher e integrar refugiados’, disse Irmã
Rosita, como é mais conhecida, em entrevista oficial ao ACNUR. ‘Não tenho medo
de agir, mesmo que não alcancemos tudo o que queremos. Se assumo algo, vou
virar o mundo de cabeça para baixo para fazer acontecer’, acrescentou.
Atuando desde a década de 1980 na temática migratória, irmã Rosita
Milesi é líder do IMDH (Instituto Migrações e Direitos Humanos), entidade
presente em Brasília e Boa Vista no apoio e orientação a pessoas migrantes e em
necessidade de proteção internacional. Ela ainda é coordenadora da RedeMIR, que
engloba cerca de 70 organizações que atuam para fortalecer a solidariedade
entre as pessoas em movimento e as comunidades que as acolhem.
Advogada de formação, Rosita usou tal experiência para atuação decisiva
em prol das duas principais legislações relacionadas ao arcabouço migratório e
de deslocamento forçado no Brasil : a Lei de Refugiados Lei 9.474/1997) e a Lei
de Migração (Lei 13.445/2017).
‘Qualquer lei dura muitos anos. Boa ou ruim, é difícil desfazer. Então,
não podíamos deixar que uma lei com um conceito limitado fosse aprovada se
houvesse a possibilidade de ampliá-la’, disse ela ao ACNUR sobre a Lei de
refúgio brasileira, considerada um modelo internacional por contemplar a
definição mais ampla do conceito, dada pela Convenção de Cartagena (1984). ‘Até
escrevi para o Vaticano em Roma, pedindo que enviassem uma carta ao governo
brasileiro dizendo o quão importante era ampliar o conceito de refugiado. E o
Vaticano colaborou. Enviaram a carta, graças a Deus’, complementou.
Criado em 1954, o Prêmio Nansen leva o nome do explorador polar norueguês Fridtjof Nansen (1861-1930),
ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1922 e primeiro Alto Comissário para os
Refugiados da Liga das Nações, entidade precursora da ONU.
Irmã Rosita é somente a segunda pessoa brasileira a receber o Prêmio
Nansen. A primeira foi o ex-cardeal arcebispo de São Paulo Dom Paulo Evaristo
Arns, em 1985. Ela se junta ainda a personalidades globais como a
ex-primeira-dama dos EUA Eleanor Roosevelt e a ex-chanceler alemã Angela
Merkel, além de organizações como a Médicos Sem Fronteiras.
Trajetória e próximos passos
Filha de agricultores italianos, Rosita nasceu e cresceu no Rio Grande
do Sul. Já no meio familiar viu seus pais, mesmo sem grandes condições
financeiras, oferecerem trabalho, comida e um lugar para dormir às pessoas
necessitadas que pediam ajuda ou que transitavam pela região.
Aos 9 anos, ingressou em um colégio administrado pelas Irmãs Missionárias Scalabrinianas,
congregação fundada no final do século XIX para ajudar migrantes italianos que
chegavam às Américas. Aos 19, em 1964, se tornou freira e integrante da Congregação Scalabriniana.
Por duas décadas, trabalhou como professora e na área administrativa de
um hospital, em instituições geridas pela congregação para ajudar os pobres.
Nesse período, também graduou-se em Direito, formação que lhe permitiu ainda se
qualificar para uma nova missão a partir da década de 1980 : estabelecer um
Centro de Estudos de Migrações na capital, Brasília.
‘Eu sabia pouco sobre o assunto, mas tive que me preparar. Meu
foco voltou-se, então, a estudar o tema das pessoas em mobilidade, deslocadas,
e decidi dedicar meu conhecimento e trabalho aos refugiados e migrantes’, disse
ela.
Combinando formação acadêmica e valores religiosos e humanos cultivados
desde a infância, Irmã Rosita se tornou uma das referências na atuação em prol
de pessoas migrantes no Brasil, incluindo aquelas que se encontram em situação
de proteção internacional. Tal trajetória recebe agora reconhecimento
internacional a partir do Prêmio Nansen.
Entre os planos para o futuro, Irmã Rosita pretende trabalhar em prol da
ampliação do acesso à educação para crianças refugiadas, melhorar o
reconhecimento dos diplomas de refugiados e abordar os crescentes impactos das
mudanças climáticas sobre os refugiados e deslocados. Esse último tópico,
inclusive, parte da experiência de devastação vivida recentemente após as
enchentes em seu estado natal, o Rio Grande do Sul.
Vencedoras regionais
Além de Milesi, outras quatro mulheres também são homenageadas na edição
deste ano do Prêmio Nansen, em categorias regionais :
- África : Maimouna Ba,
ativista de Burkina Faso apelidada de ‘Mãe do Sahel’, que ajudou mais de
100 crianças deslocadas a voltarem para a sala de aula e empoderou 400
mulheres deslocadas a conquistarem independência financeira;
- Ásia e Pacífico :
Deepti Gurung, ativista nepalesa que lutou pela reforma das
leis de cidadania de seu país após descobrir que suas duas filhas haviam
se tornado apátridas;
- Europa : Jin Davod,
empreendedora social síria e criadora de uma plataforma online que oferece
apoio em saúde mental para sobreviventes de traumas, incluindo refugiados
e comunidades locais;
- Oriente Médio e
Norte da África : Nada Fadol, refugiada sudanesa
que mobilizou ajuda essencial para centenas de famílias que fugiram para o
Egito em busca de segurança.
‘As mulheres muitas vezes
enfrentam riscos elevados de discriminação e violência, especialmente quando
são forçadas a fugir’, disse o Alto Comissário da ONU para Refugiados,
Filippo Grandi. ‘Mas essas cinco vencedoras
mostram como as mulheres também desempenham um papel fundamental na resposta
humanitária e na busca de soluções.’ Grandi elogiou a dedicação delas em
promover ações em suas próprias comunidades, construir apoio de base e até
mesmo moldar políticas nacionais.
O Prêmio Nansen deste ano ainda faz uma menção honrosa à Moldávia, em
razão dos esforços coletivos da sociedade local para acolhimento de pessoas
refugiadas da vizinha Ucrânia. Segundo dados do ACNUR, a ex-república soviética
de 2,5 milhões de habitantes serviu de abrigo inicial para mais de 1 milhão de
refugiados ucranianos, sendo que 124 mil ainda são acolhidos no país.
Os prêmios serão apresentados em uma cerimônia em Genebra às 14h30
(horário de Brasília) no dia 14 de outubro, que será transmitido ao vivo.
Apresentado pela atriz sul-africana Nomzamo Mbatha, o evento destacará o
trabalho das vencedoras e contará com apresentações da Embaixadora da Boa
Vontade do ACNUR Kat Graham, da soprano moldava Valentina Nafornita e de Emeli
Sandé (MBE) – cantora e compositora.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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