quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Incentivada por Francisco, igreja admite crimes praticados contra freiras


 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Papa Francisco cumprimenta cardeal João Brás de Aviz, no Vaticano.
 Papa Francisco cumprimenta cardeal João Brás de Aviz, no Vaticano

*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


‘Dom João Brás de Aviz, o cardeal brasileiro que coordena o departamento vaticano responsável pelos religiosos de todo o mundo, fez um alerta que chocou o mundo na semana passada. A afirmação foi alarmante : grande parte dos abusos sexuais cometidos contra freiras ao redor do mundo foram praticados por padres, de acordo com o cardeal. Em outros casos, não menos recorrentes, a revelação de que superioras também abusam as próprias freiras. O prelado brasileiro aprendeu direitinho com o chefe, Francisco : a instituição também precisa enfrentar suas mazelas para poder saná-las. Do contrário, cairá ainda mais em descrédito.

Já passou o tempo de dar um basta àquele velho instinto de autopreservação homicida que matou a fé e a esperança de muita gente. A Igreja, em muitos casos, perdeu a credibilidade sobretudo por causa de seus silêncios. Uma omissão pautada pelo desejo diabólico de não macular a própria imagem, enquanto Jesus Cristo, no rosto das vítimas, continua sendo flagelado sem piedade.

E é preciso constatar que uma das maiores revoluções do papado atual é suscitar esse destemor diante da verdade. ‘Na dúvida, fique ao lado dos pobres’...‘na dúvida, escute primeiramente as vítimas’. Não à toa, o papa pede que cada diocese crie um departamento acolher esse tipo de denúncia.

E é nessas horas que vemos o quanto o clericalismo e o abuso de poder, condenados em muitas ocasiões pelo pontífice atual, são práticas ainda comuns nos ambientes eclesiais. E, dessa vez, são os próprios prelados a admitir os desvios, como se dissessem : ‘Chega de esconder o problema’.

Papa Francisco não só confirmou o que o cardeal disse, mas tem a plena consciência das religiosas que vivem em condições subumanas. Esta semana, o papa se deparou com o caso de mulheres provenientes da Ásia e África, que após terem abandonado suas congregações, viraram pedintes pelas ruas de Roma. Muitas delas, sem documento, família e dinheiro, tiveram que se prostituir para não dormirem nas ruas, de acordo com reportagem do Vatican Insider. Preocupado com a situação, papa Francisco interviu rapidamente, criando dois espaços para acolher essas pessoas. As casas são administradas atualmente pelas irmãs scalabrinianas, cuja congregação oferece uma atenção prioritária aos migrantes.

Com tudo isso que anda acontecendo, vemos um movimento corajoso que em nada se compara às tentativas de reconhecimento feitas nos anteriores ao pontificado de Francisco. Através de eventos, congressos e reuniões, as religiosas, amparadas por várias associações, se unem para fazer chegar aos ouvidos do pontífice a realidade nua e crua dos conventos em atividade. Não por acaso, muitas delas têm sido nomeadas para altos cargos da cúria romana, como forma de reconhecimento pelo trabalho prestado. Ao menos o papa tem feito algo.

Seria reducionismo dizer que Francisco adere a um mero ‘movimento feminista’ dentro da Igreja. O que ele quer é promover a justiça e a valorização dessas vocações. Como ele gosta de dizer, a mulher não veio ao mundo para lavar pratos. Da mesma forma, não deve estar fadada a encerrar os seus dias como empregada de padre. O papa teve a coragem de tomar nas mãos uma situação diante da qual praticamente toda a igreja, até então, era conivente. A freira do pontificado de Francisco pede que sejam tratadas suas feridas, que sejam reconhecidos seus direitos, que a sua doação de vida não passe despercebida.


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