quarta-feira, 8 de junho de 2022

Religiosas "empreendedoras" na África, um projeto para a autonomia

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
Lucy Wanza, pequena irmã de São Francisco na Fazenda da Divina Misericórdia em Nakuru- Quênia

*Artigo de Salvatore Cernuzio


‘Investir para tornar as religiosas na África verdadeiras empresárias (‘Nuntrepreneurs’ é o termo cunhado recentemente), de modo a responsabilizá-las e torná-las independentes daqueles que possuem os recursos, de modo a evitar qualquer chantagem ou abuso de poder e, pior ainda, abuso sexual. É um projeto de longo alcance e visão de longo alcance que foi lançado na África pela Missio Invest, um fundo de impacto social que desde 2015 vem proporcionando empréstimos, formação, educação financeira, assistência técnica e consultoria para iniciativas de desenvolvimento empresarial ligadas à Igreja Católica em solo africano.

Saúde, educação, alimentação, trabalho, clima

As áreas tocadas são diversas e refletem emergências em todo o continente : alimentação, saúde, educação, emprego, resiliência climática. A abordagem é estratégica e dirigida às comunidades de religiosos, particularmente às congregações de religiosas que tradicionalmente dependiam de doações e subsídios. ‘Agora, ao invés disso, elas estão se tornando comunidades autossuficientes de mulheres empreendedoras com sustentabilidade financeira a longo prazo, de modo que são capazes de gerar crescimento econômico’, explica ao Vatican News o padre Andrew Small, missionário Oblato de Maria, fundador e CEO da Missio Invest e, a partir de junho de 2021, secretário da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores.

Um projeto anti-abuso

Precisamente em virtude deste duplo papel, padre Small vê o projeto como uma ferramenta para tornar ‘autônomas, capazes, independentes’ centenas de religiosas, que há décadas vêm prestando um serviço valioso em escolas e hospitais, na maioria das vezes sem recursos e, portanto, subordinadas a quem localmente têm acesso a fundos e doações. Uma situação que, como as crônicas relatam e às vezes o testemunho das próprias religiosas, levou a chantagens e abusos de vários tipos. 

Infelizmente, a realidade dos abusos na vida consagrada feminina torna-se conhecida com uma certa confidencialidade. As religiosas nem sempre se exprimem’, diz Small. ‘Elas têm medo, têm que continuar a viver nesses contextos e sofrem, especialmente porque isso leva ao abuso sexual’.

Dar novamente dignidade

Então, um projeto desse tipo pode ajudar na prevenção? ‘Certamente’, diz padre Andrew, ‘porque as religiosas na maioria das vezes não têm uma relação adulta, mas uma relação de escravidão’. O próprio Papa Francisco, em sua mensagem em vídeo de oração para o mês de fevereiro, convidou as religiosas a ‘lutar quando, em alguns casos, são tratadas injustamente, mesmo dentro da Igreja, quando seu serviço, que é tão grande, é reduzido à servidão. E às vezes por homens da Igreja’.

‘Elas trabalham para servir, humildemente, na limpeza ou na cozinha, quando gostariam de ser educadoras, ajudar nas escolas e nos hospitais, para se doarem de maneira forte pelos pobres’, diz o padre Small. ‘Tal projeto elimina a dependência do pároco, do bispo, daqueles com acesso aos recursos e à educação formal, como os seminaristas. Desde o início existe uma dificuldade para entrar neste mundo, para aprender um trabalho, para ter dignidade. Refiro-me especialmente às congregações indígenas, mais pobres’.

Investimento e serviço

Não se fala de doações no projeto de Missio Invest, mas, como o nome sugere, de investimentos. E os números são altos, por exemplo, ‘um milhão de dólares foi investido no maior e mais antigo hospital da Nigéria, fundado por religiosas que depois voltaram para casa porque idosas’. ‘Uma doação de cinco mil dólares está bem, mas depois dura pouco menos de um mês. Um empréstimo de um milhão, por outro lado, ajuda a fortalecer, a dar vigor. Muitos missionários foram embora, mas enquanto levam consigo os recursos para cuidar dos missionários que retornam, ainda podem disponibilizar seus investimentos para as irmãs indígenas. Há tantos, 150 só na Nigéria. Podemos dizer que existe uma justiça intergeracional que falta no que diz respeito ao compromisso com as comunidades locais. Após quase dois séculos de evangelização, algo mais estável é necessário na África, também para se afastar da imagem da Igreja sem nada, que não pode e não sabe fazer nada. É verdade que as religiosas não têm os mesmos recursos que os padres, mas há 75.000 freiras em todo o continente que fazem um trabalho enorme. Elas têm capacidade, têm renda na vida ministerial, podem suportar tal empréstimo, com uma taxa muito baixa, aliás’.

Restituição de 99%

As próprias consagradas, explica o padre Small, estão ‘muito contentes’ com esta iniciativa, o que as faz sentir-se ‘envolvidas em uma relação adulta e não de meninas que pedem dinheiro todo mês, todo ano’. ‘Se há um empréstimo com uma grande soma, há dignidade, capacidade, confiança. É claro que a Missio Invest não faz o investimento e se esquece do que acontece. Temos pessoas no local, estamos ajudando a implementar um plano de negócios. Existe uma relação permanente. No início, as irmãs têm um pouco de medo de contrair um empréstimo, sentem a responsabilidade sobre elas, gostariam de pagar imediatamente, mas após 5-6 anos vimos uma taxa de pagamento de 99%. Isso significa que elas são responsáveis e operacionais. Então, não será um investimento como aquele sobre Facebook e Netflix, mas o impacto social é muito maior’.

Cinquenta projetos ativos

Existem atualmente cinquenta projetos ativos desde o início em 2014. A Fazenda Lucena em Kasama, na Zâmbia, das Irmãs do Menino Jesus, a empresa agrícola das Irmãs Banyatereza em Uganda, são alguns exemplos. Oito países estão envolvidos - além dos dois mencionados acima, também Gana, Quênia, Tanzânia, Malawi, Ruanda, Nigéria - e foram concedidos empréstimos no valor de US$ 10 milhões. Mas espera-se que esse número aumente para 40 milhões até 2025.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2022-06/religiosas-empreendedoras-na-africa-um-projeto-para-autonomia.html

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