sexta-feira, 30 de agosto de 2019

O pároco que pode virar papa


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Papa Francisco e Angelo De Donatis.
Papa Francisco e Angelo De Donatis

*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


‘Guarde este nome : cardeal Angelo de Donatis. Ele era um pároco de homilias cativantes que reunia uma multidão de fiéis em suas missas. A lendária Basílica de São Marcos, que fica localizada no centro de Roma, conviveu por muitos anos com um sacerdote diferente, cujo carisma recebeu a atenção de ninguém menos que o papa Francisco.

O pontífice argentino, que o consagrou bispo em 2015, confiou-lhe uma tarefa difícil em 2017 : ser seu representante na diocese de Roma. O clero local foi consultado antes da nomeação, e a maioria dos membros o descreveu como ‘uma figura pastoral e misericordiosa, que mantinha uma boa relação com o clero e com o povo romano’. Com o parecer positivo dos padres da dioceseFrancisco não pensou duas vezes. Partindo do princípio que não se consertará a Igreja Universal sem começar pelo quintal de casa, o papa passou a contar com alguém capaz de levar adiante essa empreitada.

Apesar de o papa ser bispo de Roma, não é ele quem administra diretamente a diocese, ao contrário do que muitos pensam. É por isso que ele delega um vigário, alguém que seja o seu braço direito para lidar com questões referentes à vida das paróquias, associações e congregações da cidade eterna.

Hoje, como vigário da diocese de Roma, cardeal Angelo de Donatis tem incomodado bastante. Não somente por causa de sua linha ‘franciscana’ de governar, mas por tentar romper o engessamento da diocese, que é uma herança histórica. Em recentes pronunciamentos, o religioso tem atacado ‘os clérigos nobres’ que se recusam a ir às periferias – as físicas e as existenciais –, além de estender aos fiéis a responsabilidade de humanizar a diocese.

Quantas vezes as nossas paróquias se apoiam em falsas seguranças de bem-estar pastoral e sobre o ‘sempre foi assim’. Quantas vezes nos fechamos em poucos eleitos, acreditando ter tudo e evitando percorrer as vias da vida cotidiana. Em vez disso, a Igreja deve abrir-se à novidade’, disse ele em mensagem aos fiéis que participam da tradicional peregrinação organizada pela diocese.

De acordo com a vaticanista Franca Giansoldati, que também dedicou um artigo a essa figura que não tem passado despercebida pelos cidadãos da urbe, o tom do discurso do cardeal não só se inspira no papa Francisco. Ela afirma que De Donatis tem sido orientado diretamente pelo papa argentino.

Isso nos leva a crer que o vigário seja o nome escolhido pelo papa Francisco para integrar a lista dos papáveis do próximo conclave. Apesar de tratar-se de uma dedução da minha parte, não é incomum que um papa, no auge dos seus 82 anos, comece a pensar em um substituto.

Em meio à campanha americana para que o próximo papa siga uma linha contrária à assumida por papa Francisco, há quem lute para o legado do papa atual perdure. O que é positivo, já que uma mudança brusca em relação ao papado gera bastante desconforto no início. E a história já comprovou. Não por acaso, escolheram Bento XVI para encabeçar um papado de transição após o longo pontificado de João Paulo II.

A escolha por Francisco não proveio de uma disputa entre blocos, mas do desejo de fazer sobressair uma figura ‘antissistema’, uma vez que a Cúria Romana, à época, estava em total descrédito após o escândalo do Vatileaks e a dramática renúncia de Bento XVI. Uma mudança, neste caso, foi mais que necessária. Tiveram que pegar ‘o papa do fim do mundo’, como o próprio Francisco disse em sua primeira aparição pública.

O quadro que espera o próximo conclave é diferente. A disputa será acirrada, já que dois grupos, com visões de Igreja bastante diferentes, votarão no próximo sucessor de Pedro. O tradicionalismo católico de matriz americana já tem seu escolhido : o cardeal Gerhard Ludwig Müller, uma vez que a impopularidade do cardeal Raymund Leo Burke colocaria tudo a perder. O grupo ‘franciscano’, do outro lado, não está preocupado com ‘um nome partidário’ – apesar de sinalizar alguns candidatos em potencial –, mas com quem será capaz de sanar a polarização e, ao mesmo tempo, que saiba dar continuidade à revolução no papado que Francisco provocou.


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