Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Afresco do mosteiro de Subiaco (Itália)
*Artigo de Dom Bernardo Olivera, OCSO
Antigo Abade Geral dos Trapistas
‘Esta intervenção [1] de Dom Bernardo
Olivera sobre a formação inicial nos pareceu útil para iluminar essa formação
muito concretamente, a partir do que São Bento pensa na sua Regra’
(Sl 4,7)
‘A abundância e
a falta de vocações são, geralmente, causas que sublinham a importância do
discernimento. A falta de vocações convida, muitas vezes, a correr o risco de ‘aceitar’
qualquer tipo de candidatos; a abundância leva não os passar pela peneira da
colheita.
Nosso objetivo
é consultar o ensino de São Bento na sua Regra: um ensinamento que vai desde o
antes da entrada, até à profissão monástica.
São Bento tinha
certamente o carisma do discernimento dos espíritos, mas quando se trata de
vocações, é muito prático : baseia-se no que se vê e pode ser observado. Eis
quatro critérios particulares e gerais oferecidos pela Regra.
A paciência
perseverante
O primeiro
critério da Regra está no começo do cap. 58, e diz assim :
‘Apresentando-se
alguém para a vida monástica, não se lhe conceda fácil ingresso, mas como diz o
Apóstolo : ‘provai os espíritos, se são de Deus’. Portanto se aquele que vem,
perseverar batendo à porta e se depois de quatro ou cinco dias, sendo-lhe
feitas injúrias e dificuldade para entrar, parece suportar pacientemente e
persistir no seu pedido, conceda-se lhe o ingresso, e permaneça alguns dias com
os hóspedes’ (RB 58,1-4).
Trata-se de um
discernimento preliminar para examinar se o candidato está tocado pelo Espírito
de Deus, no que diz respeito à sua vinda ao mosteiro.
Bento indica
dois pontos fáceis de verificar : a perseverança e a paciência. O fator
tempo ajudará a verificar estas duas realidades. Se, por um período de alguns
dias, o candidato perseverar no seu pedido, e tiver paciência diante da demora
que lhe impõem, pode-se dizer que é o Espírito de Deus que o traz ao mosteiro.
O que não significa, evidentemente, que deva abraçar obrigatoriamente a vida
monástica. A paciência é a primeira virtude que o candidato deve praticar. A
paciência - consigo mesmo e com os outros – é um fator prioritário de
perseverança na vida monástica. Sem paciência não há comunhão com os
sofrimentos pascais de Cristo, nem comunhão profunda e misericordiosa com as
deficiências dos irmãos da comunidade (RB Prol 50;72,5).
Comentário
pastoral : Muitas vezes condicionados pela falta de vocações, alguns ou algumas
se precipitam para admitir candidatos, deixando de lado este critério que todas
as regras mencionam, assim como a tradição monástica em geral. Pela mesma razão
também, se omite dizer, de antemão, ao candidato as coisas duras e ásperas
pelas quais se vai a Deus (58,8).
A verdadeira
procura de Deus
O segundo
critério beneditino diz assim :
‘Que haja
solicitude em ver se procura verdadeiramente a Deus, se é solícito para com o
Ofício Divino, a obediência e os opróbrios’ (58,7).
A procura de
Deus, neste contexto, não é a procura de um Deus escondido, mas de um Deus de
quem nos afastamos e para o qual decidimos voltar, um Deus que precede a nossa
procura, procurando-nos por primeiro (Prol 2,14; 58,8). Note-se que Bento
recomenda ‘observar’. Por outras palavras, os critérios de discernimento que
propõe, necessitam de uma observação atenta. O texto sugere quem são os que ‘observam’,
é o conjunto da comunidade. O que precede supõe que o ancião (sênior) capaz de
ganhar almas (o mestre de noviços) seja particularmente responsável por esta
observação… O cuidado que caracteriza esta observação é que seja solícita,
observação atenta. Esta atenção particular refere-se à intensidade e à duração.
O que a sutilidade e a perspicácia não fazem, faz-se facilmente com o tempo. O
tempo revela o coração. O objeto da observação não é a intenção (invisível) do
candidato à vida monástica, mas o seu comportamento (visível), e isto numa
tríplice perspectiva : o dom de si à vida de oração, a aceitação da vontade dos
outros e tudo o que coloca o orgulho do candidato debaixo de seus pés. Note-se
que não se trata de se dedicar à oração, à obediência e à humildade, mas de se
dar a isso numa aceitação dada, fervorosa e cheia de bom zelo.
- A obra de
Deus
No que diz
respeito à Obra de Deus, a oração tem o primeiro lugar. Bento é coerente com o
que diz no começo da Regra :
‘Antes de tudo,
quando encetares algo de bom, pede-lhe com oração muito insistente que seja por
ele realizado’ (Prol. 4).
E, querendo ser
ainda mais claro, afirmará, para que não haja dúvidas : ‘Nada preferir à obra
de Deus’ (43,3). Note-se que Opus Dei refere-se ao Ofício Divino,
mas em relação com o esforço geral de atenção a Deus (cf. 19,1-2; 7,10 e ss).
Comentário
pastoral : Não se trata somente de observar o pedido do candidato por meio da
sua participação ativa e consciente na Obra de Deus… mas também seu modo de
integrar o que os formadores lhe propõem na ordem da práxis : utilização dos livros do coro, canto; estudo
: história, teologia, estrutura da liturgia das horas; mistagogia : oração dos
salmos, que o espírito esteja de acordo com o coração…
- A obediência
A obediência
beneditina é uma consequência da oração (cf. 6,2), portanto comporta uma certa
primazia. O 1º grau da humildade é a obediência sem demora (5,1).
O pedido de
obediência (fervor, bom zelo) leva a obedecer não só aos superiores, mas também
a todos os irmãos da comunidade (72,6). Esta obediência leva à união com Jesus
Cristo, que disse ‘Eu não vim fazer a minha vontade, mas a daquele que me
enviou’ (RB 7,32 citando Jo 6).
Comentário
pastoral : não esquecer que existem dois tipos de obediência em relação à
liberdade :
- obediência
por coerção : é o medo que faz agir;
- obediência
por convicção : é a escolha que faz agir.
Na primeira
forma de obediência, a liberdade é condicionada pelo medo do castigo; no
segundo caso, é o livre arbítrio que prevalece (liberdade motivada pela razão) :
identifica-se com a obediência voluntária, de que fala Perfectae Caritatis.
- Opróbrios
Os opróbrios,
se olharmos a possível fonte basiliana do texto (Basílio, Regra, 6-7),
referem-se aos trabalhos modestos e seculares.
São Bento
encarrega-se de toda a vida do candidato para ajudar na humildade por meio de
inevitáveis humilhações (cf. 7,44-54). É assim que o candidato à vida monástica
começa por aderir a Jesus Cristo, que se apresenta manso e humilde de coração,
e que veio para servir e não para ser servido (Mt 11,29; Mc 10,45).
Comentário
pastoral : não se trata de ser humilhado de propósito, intencionalmente, mas de
aceitar uma vida de serviço e de simplicidade.
- Conclusão
São Bento é
muito concreto : a procura de Deus manifesta-se combatendo o egoísmo e o
orgulho, pois isso impede a comunhão com Jesus Cristo e com o próximo.
Note-se,
igualmente, que os três critérios propostos pelo Patriarca têm uma certa
correspondência na escada da humildade. De fato, o 1º grau corresponde à relação
do monge com Deus; os graus 2 a 4 referem-se à obediência; os graus 5 a 8
propõem o modo de se abaixar com a vergonha e a humilhação.
Por que motivo
São Bento não menciona o silêncio como critério de discernimento? Não sabemos.
Talvez por motivos literários ou pedagógicos. No entanto, os graus 9 a 12 da
humildade falam dele.
Resumindo, as propostas de São Bento podem ser reformuladas em duas perguntas : o candidato à vida monástica procura seguir e imitar o Cristo na sua oração, sua obediência e sua abnegação? Oração, obediência e humildade estão a serviço de uma verdadeira procura de Deus?
A observância
da Regra
O terceiro
critério consiste na confrontação com a regra de vida da comunidade.
São Bento diz
que ela deve ser lida ao candidato, por inteiro, três vezes antes da profissão
final. A capacidade do candidato para observar pacientemente o que ela
prescreve, é igualmente um critério de discernimento (58,9-16).
Comentário
pastoral : Os comportamentos obedientes e humildes devem vivificar a
observância da Regra inteira, sendo esta observância uma prova suplementar da
procura de Deus. Além da Regra de São Bento o candidato deve conhecer os
costumes da Ordem contidos nas Constituições e Usos da comunidade.
O bom zelo
O pedido que o
candidato à vida monástica deve manifestar está intimamente ligado ao bom zelo,
típico de quem decidiu afastar-se dos vícios e dirigir seus passos para Deus.
Por conseguinte, o cap. 72 da Regra, sobre o Bom Zelo, ou o amor mais ardente,
oferece critérios suplementares para verificar o dom da vida e o crescimento na
vida divina.
Em resumo, os
critérios do bom zelo podem ser apresentados assim :
- respeitar-se
uns aos outros (honra);
- ajudar-se
mutuamente (paciência);
- obedecer-se
mutuamente (obediência);
- renunciar a
si mesmo, não ao vizinho (abnegação – oblação);
- amar-se
(fraternidade, irmandade);
- temer a Deus
com amor (começo da sabedoria);
- amar o abade
/ com afeição sincera (filiação);
- nada preferir
ao Filho único! (Cristocentrismo).
Comentário
pastoral : um noviço que não arde, pelo menos algumas vezes, com um zelo
ardente, mesmo que seja excessivo, corre o risco de se tornar um professo
solene medíocre. A sabedoria popular diz : ‘vassoura nova varre bem’ e ‘burro
velho não anda a trote’.
Conclusão
É evidente que
estes critérios, em particular o do bom zelo, valem, não só para a entrada na
vida monástica e a perseverança, mas também para a passagem do monge e da monja
para a vida eterna.
A doutrina do
Patriarca, por causa de sua base evangélica, conserva seu valor. O ensinamento
de São Bento exposto aqui deve ser levado em conta e traduzido para as
circunstâncias do mundo de hoje.
O modo como
seus princípios são encarnados pode mudar e enriquecer-se.’
[1] Intervenção na sessão dos formadores da ABECCA (2019).
Fonte : *Artigo na íntegra
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