sábado, 5 de abril de 2025

Na África do Sul os desafios e as alegrias da vida monástica

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo da Irmã Antoinette Ndubane, OSB

Comunidade de Elukwatini (África do Sul)


A realidade da vida monástica na África do Sul

‘Quando me tornei beneditina em 2002, não sabia que estava abraçando a vida monástica, pensava que entrava, simplesmente, numa congregação religiosa, igual a outras que eu conhecia. Levei tempo para compreender a diferença que existe entre as ordens apostólicas e as monásticas. Se a confusão existe ainda hoje, é talvez porque falta uma identidade clara das congregações.

Pouco a pouco compreendi que viver num mosteiro não consistia em viver simplesmente entre os muros de um edifício religioso. Mas que isso significava uma pertença do ser todo a este mosteiro, a esta comunidade. O mosteiro para mim é como uma universidade, ou uma escola, onde os estudos são sobre a vida, tal como ela é; pode-se aprender o que se quiser : por exemplo deixar-se invadir pelo que é negativo, ou mais positivamente estudar o que é bom, ou mesmo, fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

Como é que isso é possível? Às vezes escuto as pessoas dizerem : ‘No começo não sabia como responder de maneira inconveniente a um confronto, agora sei ‘. É possível aprender coisas más; e no entanto há milhares de coisas boas a cultivar : trabalho manual, oração, modo de viver, de se tornar um cristão melhor e mais sério, e tantas outras coisas… Um mosteiro é uma casa de oração, onde vivem pessoas consagradas. É também como uma casa onde Deus mora, o que permite que os mosteiros andem bem. Segundo o que pude ver até agora, um mosteiro é uma casa, ou uma fonte onde se vai beber, para dar aos que não partilham a vida ordinária. Por exemplo : há um tempo para rezar e para meditar : pode-se assim saber o que oferecer àqueles que procuram a Deus e suas graças. É por isso que o silêncio é tão importante na vida monástica; é quando o silêncio me habita, que escuto a voz de Deus.

 A vida monástica é uma realidade na África do Sul?

Nesta parte do mundo será que se sabe o que é a vida monástica? Sim e não. É uma realidade, há mosteiros na África do Sul e pessoas que aí vivem, mas não se pode ignorar que não são numerosos, e que há poucos monges sul-africanos.

Há outra pergunta : os que vivem nos mosteiros sabem o que são? Sim, ou não? Pode acontecer que mesmo os que vivem num mosteiro, por causa de sua idade e muito tempo na vida religiosa, não compreendam bem o sentido de sua vocação. As exigências do mundo exterior fazem a pessoa se perguntar se a vida monástica é uma realidade viva, ou não, nesta parte da África.

As dificuldades da vida atual levam também a fazer a pergunta : hoje, é possível viver uma vida monástica na sua verdade total? E como, concretamente? É uma pergunta que a pessoa pode fazer a si mesma, durante toda a sua vida, e isso pode favorecer a vitalidade da vocação, permitir vivê-la melhor, em relação ao que ela tem de próprio. Seja como for, a vida monástica é ao mesmo tempo estrangeira e local; dá a impressão de ter chegado de barco : as pessoas que estavam nele, trouxeram-na, e embora se espere muito dela, continua a parecer estrangeira, estranha, aos olhos da Igreja, e do povo da região. E no entanto vários aspectos da vida monástica parecem corresponder ao modo de viver dos locais : por exemplo o respeito, a hospitalidade e outros aspectos.

Como ser monge, ou religioso, na África do Sul?

Penso que é normal sentir, às vezes, o que falta em relação aos membros estrangeiros da comunidade; mas esse tipo de pensamento não dura muito tempo, sobretudo quando se tem o sentimento de pertencer a uma família monástica maior. Este sentimento é muito encorajado pela existência de uma estrutura que reúne os superiores (as), os formadores e os jovens em formação na nossa região da África do Sul. Esta estrutura chama-se BECOSA (Benedictine Communities of South Africa, Comunidades Beneditinas da África do Sul).

Um dos aspectos mais essenciais da vida monástica, ou da vida religiosa em geral, é a formação : formação inicial e formação contínua. Nesta parte sul da África, os beneditinos não negligenciam esta questão da formação, quando se reúnem nos encontros da BECOSA; é uma grande ajuda para a vida dos monges e das religiosas que vivem nesta região. Em cada encontro, ou quase, os participantes abordam um assunto específico da formação inicial e contínua dos membros das comunidades. Isto nos ajuda a aprofundar o nosso conhecimento do que somos e do modo como somos chamados a viver nossa vida monástica. As reuniões anuais da BECOSA e os grupos de estudo que aí organizamos, são importantes para a nossa vida, especialmente no que diz respeito à formação e ao sentimento de pertença a uma grande família. BECOSA é fonte de ajuda, ao mesmo tempo individual e coletiva. Cada vez que se participa numa reunião, ou num grupo de trabalho, a pessoa sente-se alimentada. Temos sempre um desejo ardente de ter mais encontros, especialmente aqueles que sentem a necessidade de mais alimento, como os formadores, e também os que estão em formação inicial.

Dificuldades e alegrias

A vida monástica é verdadeiramente uma vida que dá vida. Trouxe-me tudo o que eu desejava para desenvolver uma vida cristã mais bela. Como jovem sul-africana, vivendo a vida beneditina, acho isso estimulante em dois sentidos : negativo e positivo. A maior parte das pessoas de minha idade têm responsabilidades em diversos domínios : família, propriedades, profissão etc. Parecem possuir coisas de valor. Da minha parte, parece que não tenho nada, mas será verdade? O desapego põe em relação com outro tipo de tesouro, um tesouro que não passa. Sinto-me verdadeiramente chamada a uma vida feliz. Isso faz bem.

No que diz respeito à família, por vezes espera-se que os filhos, uma vez adultos, possam ajudar os outros membros de uma ou outra forma. No meu caso, não sou talvez capaz de ajudar de forma visível os membros de minha família, mas posso pela intercessão. Viver esta convicção, não acontece de um momento para o outro. No entanto, acho que os ajudo ainda mais, quando os coloco diante de Jesus Cristo, que é tudo para mim. Não rezo somente por minha família, mas por meus amigos e por todos aqueles que precisam de minha atenção.

A comunicação por meio dos meios de comunicação pode ser outro desafio, especialmente hoje em dia. Quase todos os jovens da África do Sul tem um smartphone. É preciso muita autodisciplina quando se trata dos meios de comunicação social. Não posso negar que existem, que nós os utilizamos, mas saber utilizá-los com equilíbrio, não é fácil. É muito importante que, cada vez que pego no celular, me pergunte se é verdadeiramente necessário. É para o bem de minha vida religiosa? Vai-me ajudar, ou vai-me destruir? Onde tenho de pôr um limite? Quando entrei na vida religiosa, há 17 anos, se queríamos mandar uma carta, a superiora devia lê-la antes de a enviar; e era a mesma coisa quando recebíamos uma. Hoje a maior parte de nós usa email, ou WhatsApp : Quem está lá para controlar? Ninguém, a não ser eu e minha consciência.

Há ainda outra coisa que toca a vida religiosa, ou a vida monástica. Cada um tem o sentimento de ter mais, ou menos grandes oportunidades na vida. Isto pode tocar os estudos, as descobertas, a liberdade etc. Vendo de longe, pode-se pensar que as pessoas que vivem nos mosteiros correm menos riscos que as outras. E, no entanto, olhando mais de perto, são justamente elas, que em função da missão, ou do seu campo de ação, que podem ser mais tocadas por essas facilidades que se apresentam a elas. É verdadeiramente necessário promover a vigilância, essa virtude tão inerente à vida monástica. 

O silêncio

O silêncio é um dos elementos essenciais da vida monástica. No entanto, ainda que seja importante, não é fácil guardar o silêncio. Quando alguém não fala, isso não significa que a pessoa esteja em silêncio : pode significar que embora não diga uma palavra nesse momento, no interior esteja habitado por preocupações barulhentas, que podem perturbar. Um mosteiro pode criar uma atmosfera de calma que deve permitir àqueles que aí moram, ou aos que o visitam, poder encontrar a Deus. É, no entanto, necessário criar o seu próprio tipo de silêncio para estar pronto para escutar a Deus. Há uma quantidade imensa de coisas que podem perturbar o silêncio interior, mas cada um precisa considera-lo prioritário, para ouvir a voz de Deus. É difícil guardar o silêncio, mas é gratificante. É uma alegria falar com Deus. Vivemos num mundo barulhento, mas no mosteiro encontrei o silêncio de modo habitual, embora possamos nos distrair com a realidade dos barulhos exteriores.

Há outros elementos estruturantes na nossa vida monástica : a oração comunitária que fazemos várias vezes por dia, a eucaristia diária, a lectio divina, a vida comunitária, os retiros anuais, a direção espiritual etc., são algumas das atividades que nos sustentam. Mesmo se a vida monástica seja, às vezes difícil, dei-me conta de que se levarmos a sério as perspectivas que oferece, ela é possível. Muitas vezes pensei – e ainda penso – que o Cristo está entre nós, embora certas circunstâncias nos impeçam de o reconhecer e de acreditar. É preciso verdadeiramente, considerar que a presença de Deus e seu chamado são bem reais. Isto me tem ajudado na vida de cada dia, até hoje. A verdadeira alegria e a consolação vêm do Senhor.

Conclusão

Que uma jovem sul-africana do século 21 possa viver num mosteiro, isto certamente questiona : e, no entanto, é a consequência de um chamado de Deus, não destinado a todos, mas àqueles que foram escolhidos para o viver. Esta vida preciosa é como um tesouro vindo do alto por amor. Não ignoro que Deus chama para onde a pessoa vai melhor procurá-lo e servi-lo; mas pode-se às vezes constatar que se num côro, nem todos são dotados para cantar, algumas vozes sustentam as outras; pode-se pensar isso, constatando que a vida comum permite uma tal harmonia, mesmo sentindo que às vezes é difícil. Pois se um mosteiro é uma escola, todos os tipos de estudantes podem aí entrar. Que tipo de estudante sou eu? Como me comporto com os outros alunos da escola? Isto é, para mim, um assunto a meditar hoje’.

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.aimintl.org/pt/communication/report/117

quinta-feira, 3 de abril de 2025

O Dom do Temor

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo do Padre José Alem, CMF


‘Os dons do Espírito Santo refletem o amor, o grande e único dom, com cada um representando diferentes aspectos dele, como objeto visto de diversos ângulos. Para viver plenamente esses dons é necessário seguir o caminho de Jesus, acreditando no amor, cumprindo os mandamentos e praticando as bem-aventuranças, assim, desenvolvemos os dons do Espírito e crescemos em sabedoria e graça. Esse processo envolve meditação, oração e uma vivência concreta da presença de Deus em nossas vidas e na Igreja. Falaremos, então, do dom do temor.

Por esse dom ficamos mais vigilantes para não ofender quem confiamos, por isso, quem teme a Deus está atento para não ofendê-lo e procura sempre viver seus mandamentos, pois neles está a expressão da sua vontade. 

O temor se expressa em tudo o que diz respeito a Deus : sua Palavra, que deve ser ouvida com temor, a participação nos sacramentos procurando respeitar o mistério que significam e transmitem, o respeito pelas coisas sagradas, aos ensinamentos da Igreja, às pessoas, em particular aos pastores que nos conduzem, ao mistério da fé nas suas mais expressivas revelações por meio dos sacramentos.

O temor elimina a vulgaridade, a superficialidade, a mediocridade com que, muitas vezes, podemos ter tratando o mistério da fé sem o respeito que merece por meio de palavras, atitudes, comportamentos e tantas maneiras que o mundo sugere por não saber amar de verdade. O amor é também temor’.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/o-dom-do-temor.html

terça-feira, 1 de abril de 2025

Primeiros passos na vida monástica

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Irmã Rosa Ciin, OSB

Comunidade de Shanti Nilayam (India)


‘Antes de mais nada, gostaria de dizer que escutei a voz do Senhor quando estava bem feliz com meus amigos e bem engajada nas coisas do mundo. Um dia, quando ia para a igreja da paróquia, vi um um folder no caminho, peguei-o e li. Falava de um mosteiro de beneditinas e, logo, gostei do que falava o papel e quis entrar no mosteiro.

Comecei por refletir sobre o sentido real da vida. Senti que esse acontecimento era um sinal vindo de Deus. Decidi seguir o Senhor no caminho monástico, e senti o desejo de estar mais próxima de Deus. No mundo tinha muitas distrações que me afastavam do Senhor. Finalmente entrei no mosteiro, embora meus pais não tivessem ficado muito satisfeitos. Mas devo reconhecer que não foi fácil deixar meus pais, meus irmãos e minhas irmãs e meus amigos.

No mosteiro logo me senti em casa. As irmãs foram muito acolhedoras e fizeram tudo para que eu me sentisse à vontade. O mosteiro parece a primeira comunidade cristã onde os membros partilham todas as coisas, vivendo unidos, apesar das línguas e das culturas diferentes. Meu coração estava cheio de alegria; encontrei um bom espírito de família na comunidade. Esta experiência fez-me esquecer os prazeres das redes sociais e do celular… O uso destes meios dá uma alegria passageira mas no mosteiro encontrei a verdadeira alegria, amando o Senhor e todas as irmãs da comunidade. Depois de ter feito a experiência calorosa da fraternidade, esqueci os prazeres do mundo. E agora posso apreciar o mundo e o que ele oferece, de um modo diferente : todas as coisas são boas, se forem usadas para o bem de todos.

No entanto, mesmo se o começo foi maravilhoso, chegou o momento em que encontrei dificuldades. A natureza humana tem, espontaneamente, desejo de prazeres e de facilidades, mas toda forma de vida tem suas dificuldades. Todavía na vida monástica experimento uma alegria interior profunda.

Exemplo : tudo é comum a todas e usamos o celular e internet etc só em caso de verdadeira necessidade; não é fácil adaptar-se a bases culturais diferentes, mas entrando na vida comunitária senti-me cheia de paz e alegre, apesar dos obstáculos. A atmosfera de silêncio e de calma no mosteiro ajuda-nos a escutar o grito do pobre e da pessoa que têm falta de tudo no mundo, e podemos ajudar com nossa oração e por tudo a que renunciamos.

A vida de comunidade ajuda-me a viver em harmonia com todos e a servir cada um. Isso me permite sair de mim mesma, sentir e partilhar com cada um seus problemas e suas dificuldades. Assim estou menos centrada em mim mesma e mais voltada para o outro.

Também estou muito à vontade com a Regra de São Bento, em particular pelo que diz a respeito da hospitalidade e do amor pelos pobres. Como jovem religiosa não tenho muito contato com o exterior, mas carrego o mundo todo na minha oração e na oferenda que faço de minha vida ao Senhor.

A comunhão no interior da comunidade e o amor fraterno são um sinal para o mundo : é possível viver e amar os outros apesar das diferenças. Gosto sempre mais da vida monástica à medida que os anos passam. São Bento diz no Prólogo de sua Regra :

‘À medida que se avança na vida religiosa e na fé, o coração se dilata e corre-se no caminho dos mandamentos de Deus, com inefável doçura de amor’.

Com tudo isto aprendi, pouco a pouco, como a vida monástica é fácil e feliz se damos ao Senhor cada situação da nossa vida. Só é possível viver esta vida com a ajuda do Senhor e numa relação íntima com Ele. Seu jugo é fácil e seu fardo leve quando lhe entrego todas as minhas preocupações. As pessoas não entendem sempre a vida monástica, mas eu amo-a cada dia mais. Minha oração ardente é que muitos respondam ao chamado de Senhor e o sigam mais de perto na vida religiosa.’ 

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.aimintl.org/pt/communication/report/117