Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Comunidade de Elukwatini (África do Sul)
A realidade da vida monástica na África do Sul
‘Quando me tornei beneditina em 2002, não sabia que estava abraçando a
vida monástica, pensava que entrava, simplesmente, numa congregação religiosa,
igual a outras que eu conhecia. Levei tempo para compreender a diferença que
existe entre as ordens apostólicas e as monásticas. Se a confusão existe ainda
hoje, é talvez porque falta uma identidade clara das congregações.
Pouco a pouco compreendi que viver num mosteiro não consistia em viver simplesmente entre os muros de um edifício religioso. Mas que isso significava uma pertença do ser todo a este mosteiro, a esta comunidade. O mosteiro para mim é como uma universidade, ou uma escola, onde os estudos são sobre a vida, tal como ela é; pode-se aprender o que se quiser : por exemplo deixar-se invadir pelo que é negativo, ou mais positivamente estudar o que é bom, ou mesmo, fazer as duas coisas ao mesmo tempo.
Como é que isso é possível? Às vezes escuto as pessoas dizerem : ‘No começo não sabia como responder de maneira inconveniente a um confronto, agora sei ‘. É possível aprender coisas más; e no entanto há milhares de coisas boas a cultivar : trabalho manual, oração, modo de viver, de se tornar um cristão melhor e mais sério, e tantas outras coisas… Um mosteiro é uma casa de oração, onde vivem pessoas consagradas. É também como uma casa onde Deus mora, o que permite que os mosteiros andem bem. Segundo o que pude ver até agora, um mosteiro é uma casa, ou uma fonte onde se vai beber, para dar aos que não partilham a vida ordinária. Por exemplo : há um tempo para rezar e para meditar : pode-se assim saber o que oferecer àqueles que procuram a Deus e suas graças. É por isso que o silêncio é tão importante na vida monástica; é quando o silêncio me habita, que escuto a voz de Deus.
A vida monástica é uma realidade na África do Sul?
Nesta parte do mundo será que se sabe o que é a vida monástica? Sim e não. É uma realidade, há mosteiros na África do Sul e pessoas que aí vivem, mas não se pode ignorar que não são numerosos, e que há poucos monges sul-africanos.
Há outra pergunta : os que vivem nos mosteiros sabem o que são? Sim, ou não? Pode acontecer que mesmo os que vivem num mosteiro, por causa de sua idade e muito tempo na vida religiosa, não compreendam bem o sentido de sua vocação. As exigências do mundo exterior fazem a pessoa se perguntar se a vida monástica é uma realidade viva, ou não, nesta parte da África.
As dificuldades da vida atual levam também a fazer a pergunta : hoje, é possível viver uma vida monástica na sua verdade total? E como, concretamente? É uma pergunta que a pessoa pode fazer a si mesma, durante toda a sua vida, e isso pode favorecer a vitalidade da vocação, permitir vivê-la melhor, em relação ao que ela tem de próprio. Seja como for, a vida monástica é ao mesmo tempo estrangeira e local; dá a impressão de ter chegado de barco : as pessoas que estavam nele, trouxeram-na, e embora se espere muito dela, continua a parecer estrangeira, estranha, aos olhos da Igreja, e do povo da região. E no entanto vários aspectos da vida monástica parecem corresponder ao modo de viver dos locais : por exemplo o respeito, a hospitalidade e outros aspectos.
Como ser monge, ou religioso, na África do Sul?
Penso que é normal sentir, às vezes, o que falta em relação aos membros estrangeiros da comunidade; mas esse tipo de pensamento não dura muito tempo, sobretudo quando se tem o sentimento de pertencer a uma família monástica maior. Este sentimento é muito encorajado pela existência de uma estrutura que reúne os superiores (as), os formadores e os jovens em formação na nossa região da África do Sul. Esta estrutura chama-se BECOSA (Benedictine Communities of South Africa, Comunidades Beneditinas da África do Sul).
Um dos aspectos mais essenciais da vida monástica, ou da vida religiosa em geral, é a formação : formação inicial e formação contínua. Nesta parte sul da África, os beneditinos não negligenciam esta questão da formação, quando se reúnem nos encontros da BECOSA; é uma grande ajuda para a vida dos monges e das religiosas que vivem nesta região. Em cada encontro, ou quase, os participantes abordam um assunto específico da formação inicial e contínua dos membros das comunidades. Isto nos ajuda a aprofundar o nosso conhecimento do que somos e do modo como somos chamados a viver nossa vida monástica. As reuniões anuais da BECOSA e os grupos de estudo que aí organizamos, são importantes para a nossa vida, especialmente no que diz respeito à formação e ao sentimento de pertença a uma grande família. BECOSA é fonte de ajuda, ao mesmo tempo individual e coletiva. Cada vez que se participa numa reunião, ou num grupo de trabalho, a pessoa sente-se alimentada. Temos sempre um desejo ardente de ter mais encontros, especialmente aqueles que sentem a necessidade de mais alimento, como os formadores, e também os que estão em formação inicial.
Dificuldades e alegrias
A vida monástica é verdadeiramente uma vida que dá vida. Trouxe-me tudo o que eu desejava para desenvolver uma vida cristã mais bela. Como jovem sul-africana, vivendo a vida beneditina, acho isso estimulante em dois sentidos : negativo e positivo. A maior parte das pessoas de minha idade têm responsabilidades em diversos domínios : família, propriedades, profissão etc. Parecem possuir coisas de valor. Da minha parte, parece que não tenho nada, mas será verdade? O desapego põe em relação com outro tipo de tesouro, um tesouro que não passa. Sinto-me verdadeiramente chamada a uma vida feliz. Isso faz bem.
No que diz respeito à família, por vezes espera-se que os filhos, uma vez adultos, possam ajudar os outros membros de uma ou outra forma. No meu caso, não sou talvez capaz de ajudar de forma visível os membros de minha família, mas posso pela intercessão. Viver esta convicção, não acontece de um momento para o outro. No entanto, acho que os ajudo ainda mais, quando os coloco diante de Jesus Cristo, que é tudo para mim. Não rezo somente por minha família, mas por meus amigos e por todos aqueles que precisam de minha atenção.
A comunicação por meio dos meios de comunicação pode ser outro desafio, especialmente hoje em dia. Quase todos os jovens da África do Sul tem um smartphone. É preciso muita autodisciplina quando se trata dos meios de comunicação social. Não posso negar que existem, que nós os utilizamos, mas saber utilizá-los com equilíbrio, não é fácil. É muito importante que, cada vez que pego no celular, me pergunte se é verdadeiramente necessário. É para o bem de minha vida religiosa? Vai-me ajudar, ou vai-me destruir? Onde tenho de pôr um limite? Quando entrei na vida religiosa, há 17 anos, se queríamos mandar uma carta, a superiora devia lê-la antes de a enviar; e era a mesma coisa quando recebíamos uma. Hoje a maior parte de nós usa email, ou WhatsApp : Quem está lá para controlar? Ninguém, a não ser eu e minha consciência.
Há ainda outra coisa que toca a vida religiosa, ou a vida monástica. Cada um tem o sentimento de ter mais, ou menos grandes oportunidades na vida. Isto pode tocar os estudos, as descobertas, a liberdade etc. Vendo de longe, pode-se pensar que as pessoas que vivem nos mosteiros correm menos riscos que as outras. E, no entanto, olhando mais de perto, são justamente elas, que em função da missão, ou do seu campo de ação, que podem ser mais tocadas por essas facilidades que se apresentam a elas. É verdadeiramente necessário promover a vigilância, essa virtude tão inerente à vida monástica.
O silêncio
O silêncio é um dos elementos essenciais da vida monástica. No entanto, ainda que seja importante, não é fácil guardar o silêncio. Quando alguém não fala, isso não significa que a pessoa esteja em silêncio : pode significar que embora não diga uma palavra nesse momento, no interior esteja habitado por preocupações barulhentas, que podem perturbar. Um mosteiro pode criar uma atmosfera de calma que deve permitir àqueles que aí moram, ou aos que o visitam, poder encontrar a Deus. É, no entanto, necessário criar o seu próprio tipo de silêncio para estar pronto para escutar a Deus. Há uma quantidade imensa de coisas que podem perturbar o silêncio interior, mas cada um precisa considera-lo prioritário, para ouvir a voz de Deus. É difícil guardar o silêncio, mas é gratificante. É uma alegria falar com Deus. Vivemos num mundo barulhento, mas no mosteiro encontrei o silêncio de modo habitual, embora possamos nos distrair com a realidade dos barulhos exteriores.
Há outros elementos estruturantes na nossa vida monástica : a oração comunitária que fazemos várias vezes por dia, a eucaristia diária, a lectio divina, a vida comunitária, os retiros anuais, a direção espiritual etc., são algumas das atividades que nos sustentam. Mesmo se a vida monástica seja, às vezes difícil, dei-me conta de que se levarmos a sério as perspectivas que oferece, ela é possível. Muitas vezes pensei – e ainda penso – que o Cristo está entre nós, embora certas circunstâncias nos impeçam de o reconhecer e de acreditar. É preciso verdadeiramente, considerar que a presença de Deus e seu chamado são bem reais. Isto me tem ajudado na vida de cada dia, até hoje. A verdadeira alegria e a consolação vêm do Senhor.
Conclusão
Que uma jovem sul-africana do século 21 possa viver num mosteiro, isto
certamente questiona : e, no entanto, é a consequência de um chamado de Deus,
não destinado a todos, mas àqueles que foram escolhidos para o viver. Esta vida
preciosa é como um tesouro vindo do alto por amor. Não ignoro que Deus chama
para onde a pessoa vai melhor procurá-lo e servi-lo; mas pode-se às vezes
constatar que se num côro, nem todos são dotados para cantar, algumas vozes
sustentam as outras; pode-se pensar isso, constatando que a vida comum permite
uma tal harmonia, mesmo sentindo que às vezes é difícil. Pois se um mosteiro é
uma escola, todos os tipos de estudantes podem aí entrar. Que tipo de estudante
sou eu? Como me comporto com os outros alunos da escola? Isto é, para mim, um
assunto a meditar hoje’.
Fonte : *Artigo na íntegra