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quarta-feira, 9 de abril de 2025

Venerar os mais velhos, amar os mais moços

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Dom Jean-Pierre Longeat, OSB


‘Num primeiro tempo acolhemos o que nos diz São Bento sobre o tema. São Bento está muito atento ao bom equilíbrio, no interior da comunidade, entre a presença dos irmãos jovens e dos mais velhos. No cap. 4 dos Instrumentos das Boas Obras ele diz : ‘Venerar os mais velhos, amar os mais moços’ (4,70-71). Trata-se de colocar as reações de ambos numa atenção recíproca.

No começo da regra de São Bento, o monge aparece como um filho à escuta de seu Pai. Como se sabe, isto é uma referência ao livro dos Provérbios (Prov 1,8), mas mais ainda é uma disposição evangélica. Jesus situa-se numa relação filial com seu Pai, que é também nosso Pai, e assim, convida-nos a ser filhos muito queridos deste Pai que nos ama. Qualquer que seja a idade do monge, ou da monja, de um discípulo de Cristo, ele é sempre como um filho, uma filha à escuta daquele de quem recebe tudo.

O cap. 7, sobre a humildade, volta a este assunto. Define o monge como uma criança que repousa com confiança no colo de sua mãe, tal como o discípulo à escuta do seu Deus (cf. Sal. 130). É uma definição do monge estranha, se pensarmos bem. Trata-se de repousar em Deus, como uma criancinha de regaço de sua mãe, sem ter o coração orgulhoso, ou um olhar ambicioso, sem seguir projetos autônomos, de autoconfiança. Com tal atitude de fé, de confiança, adquire-se progressivamente uma maturidade e, como diz o 12º grau da humildade : ‘O monge chegará, em breve, àquele amor de Deus, que sendo perfeito, expulsa o temor’ (Rb 7,67). Está aqui, verdadeiramente, o caminho de toda a vida monástica.

A escola que São Bento quer formar para todos os que se colocam nesta disposição, permite ver uma corrida no caminho dos mandamentos : ‘com o progresso da vida monástica e da fé, dilata-se o coração (torna-se sempre mais jovem…) com inenarrável doçura de amor’ (Prol. 49). Não é seguro que isto se verifique sempre e aconteça com todos, mas em todo o caso é a perspectiva aberta por São Bento… Seja como for ninguém pode avaliar de fora o que se passa no íntimo do coração de cada um : só Deus sabe.

No prolongamento de uma tal proposta, São Bento apresenta os monges cenobitas como principiantes (RB 1 e RB 73) que se adestram nas fileiras de um exército fraterno. Progressivamente afastam-se do fervor simples dos começos, para entrar na provação de um combate contra a adversidade interior, até se tornarem sempre mais autônomos, com a idade. Alguns podem até querer ser eremitas. Pode-se constatar até nos nossos mosteiros, que alguns dos anciãos acabam seus dias nesta forma de solidão, quer seja no quadro de uma enfermaria, ou até na vida corrente. Os mais velhos, mesmo estando presentes na vida comunitária, adquirem uma certa distância em relação às coisas que passam, e ajudam a comunidade, especialmente os mais jovens a ter certo recuo em relação às brigas, aos confrontos, ou às discussões necessárias, mas muito relativas, na vida cotidiana. Esta liberdade dá também aos mais velhos uma certa cumplicidade com os mais jovens, pois no fundo, os primeiros já nada têm a perder, e os outros ainda não têm nada a perder.

São Bento está muito consciente do que velhos e novos dão à vida da comunidade, é por isso que faz questão que todo mundo seja consultado, quando se trata de um assunto importante no quadro do mosteiro (RB 3,1). Diz o seguinte : ‘Dissemos que todos fossem chamados a conselho, porque muitas vezes o Senhor revela ao mais moço o que é melhor’ (3,3). Como é bom ouvir isto da parte de um homem com tal experiência, como São Bento.

Longe de considerar o fato de se reconhecer filho, filho de Deus, como condição de uma dependência irresponsável, o autor da Regra diz, ao contrário, que ser jovem numa comunidade é um apelo a viver isso com sua característica própria. Como estamos longe de modos de ser infantis, que tantas vezes vemos nas nossas santas instituições! Acontece nas nossas comunidades, sobretudo no hemisfério Norte, que mesmo depois dos 50 anos é-se considerado como um jovem, que não tem o direito de dar sua opinião diferente. Isto chama-se infantilismo, e deve ser combatido vigorosamente. Tanto mais que ‘os jovens’, ‘os novos’ que entram nas nossas comunidades, podem ser adultos de 30, 40, ou mais e cheios de experiências múltiplas.

Depois de seu tratado espiritual nos primeiros capítulos da Regra, São Bento trata de questões práticas, aonde, justamente, apresenta as grandes orientações que colocou no começo.

É o caso do capítulo 22, onde São Bento sublinha a importância de misturar as gerações ao falar… do sono dos monges : ‘Que os irmãos mais jovens não tenham leitos juntos, mas intercalados com os dos mais velhos’ numa época em que se dormia ainda num dormitório. Concretamente, trata-se de evitar relações ambíguas entre irmãos jovens, e de aproveitar o encorajamento dos mais experimentados em relação aos principiantes, e igualmente ajudar os mais velhos a manter o elã da juventude. Tais medidas parecem estranhas num mundo em que se teme mais os abusos por parte de pessoas mais velhas em relação a mais jovens. Mas será que temos de ler tudo à luz de um tal medo? O encorajamento mútuo das gerações deve passar por mediações. Estas podem todas ter perigos abusivos. No quadro dos mosteiros, à parte os que têm estruturas educativas, o abuso poderia ser mais na linha da homossexualidade. A vigilância e a correção impõem-se, evidentemente, mas não devem por isso impedir a troca de riquezas no interior da comunidade.

Havia também no mosteiro de São Bento, crianças que eram confiadas aos monges pelas famílias, para que recebessem uma boa instrução (Cf RB 59). Eram tratadas da mesma maneira que os monges se cometessem erros ou faltas. Aplicava-se-lhes primeiro o castigo de ficar à parte, por um tempo, e se não compreendessem a gravidade do castigo eram submetidos a medidas mais rudes. São Bento acredita na capacidade espiritual desta juventude que povoava os mosteiros, e que nem sempre era fácil de acompanhar (RB 30).

O capítulo 58 sobre o modo de receber um novo membro, é sem dúvida, o que melhor nos ensina sobre o que São Bento deseja para os jovens monges. Antes de mais, a entrada na comunidade não é facilitada : ‘É preciso experimentar os espíritos para ver se são de Deus’ (RB 58,2). Isto é o oposto da atitude tantas vezes encontrada, a facilidade com que se recebe na vida monástica. É uma experiência exigente que leva a pôr à prova, para ajudar a tomar consciência da seriedade do que se quer.

No tempo de São Bento, para aquele que batia à porta, havia uma estadia na hospedaria, depois, se perseverasse, a entrada no lugar aonde viviam os noviços; ficavam verdadeiramente à parte, aí dormiam e tomavam as refeições, vivendo as diversas práticas espirituais.

Um ancião experimentado, ‘capaz de ganhar as almas’ era designado para os acompanhar. Três critérios são dados para este acompanhamento : examinar se o jovem procura a Deus, se é fervoroso para o Ofício divino, se vive a obediência e as contrariedades que nunca faltam.

Pode-se reconhecer ao mesmo tempo que os jovens não são o centro de tudo, no mosteiro de São Bento, mas que se leva em conta suas necessidades : é por isso que são formados à parte, sob a conduta de um ancião. Há uma entrada progressiva na comunidade, dando atenção à caminhada interior. Isto também é o oposto da nossa sensibilidade atual, que procura integrar os novos, o mais possível, na vida da comunidade valorizando o que eles podem dar à comunidade. É preciso encontrar o equilíbrio entre estas duas posições. É sério para a vida monástica de hoje. Mede-se mal a distância de mentalidade entre as gerações no mundo contemporâneo; distância que aumenta sempre mais, e que exige etapas de aproximação para permitir um diálogo sadio entre as pessoas de idades diferentes, e às vezes de culturas diferentes, à volta da mesma Regra.

Esta integração progressiva é tanto mais importante, quanto mais o valor do engajamento é relativizado, hoje em dia. Não é raro ver monges ou irmãs, que depois de terem feito profissão solene, põem em causa sua palavra dada, sem nenhum escrúpulo. Podem até deixar o mosteiro sem pré aviso de qualquer tipo, prática inadmissível no meio profissional.

O compromisso monástico é olhado como do foro privado, a exemplo do que acontece no contexto da família, podendo desfazer-se mais ou menos facilmente.

São Bento evoca a ordem da comunidade (RB 63). Determina que esta ordem dependa da data da entrada na comunidade, e não da data de nascimento, ou distinções sociais. Assim, ‘aquele que tiver entrado no mosteiro à segunda hora, se reconhecerá mais moço do que o que chegar à primeira hora do dia, seja qual for a idade ou a dignidade’ (63,8). Do mesmo modo São Bento lembra que ‘em qualquer lugar que seja, que a idade não distinga ou prejudique aquela ordem, porque Samuel e Daniel, meninos, julgaram anciãos’ (63,5-6). No mesmo capítulo, além do que diz no cap.4, São Bento volta a dizer que os jovens honrem os mais velhos e os mais velhos amem aos irmãos mais moços. E lembra algumas regras de conduta fraterna importantes para a vida de cada dia : o fato, por exemplo, de chamar os jovens de ‘irmão’ ou ‘irmã’ ou os mais velhos ‘nonnus, nonna’, que deu o substantivo ‘nonne’ e que significa ainda em italiano ‘avô, ou avó’. O primeiro termo mostra, da parte dos anciãos um reconhecimento de fraternidade em Cristo e não de superioridade paterna ou materna. O segundo manifesta ao mesmo tempo respeito e uma certa familiaridade. Poderia interpretar-se ‘paizinho ou mãezinha’ Talvez não seja o ideal hoje, mas isso convida a encontrar algo equivalente.

São Bento lembra também alguns modos elementares de educação no saudar-se, quando nos cruzamos, cabendo ao mais novo a iniciativa. Na Regra isto traduz-se pedindo a bênção de Deus por intermédio do ancião. São Bento também lembra que o mais novo deve levantar-se, quando passa o mais velho, e lhe dará o lugar para ele se assentar. Todos estes pequenos gestos do dia a dia são sinal de uma atitude de respeito, maneira concreta de pôr em prática o ‘honrar-se mutuamente’.

Nas sociedades ocidentais em que os mais velhos são muitas vezes colocados em casas especializadas, o exemplo dos mosteiros, aonde convivem gerações diferentes, pode ser um testemunho; com a condição de que os mais velhos, que são a maioria, não usarem para si o serviço dos mais jovens, que às vezes são em número reduzido, às vezes um só. Isto também vale para a ideia de fazer vir do estrangeiro jovens monges ou monjas com a mesma finalidade, embora sem o confessar.

São Bento, aliás, tem a preocupação que dois membros da mesma família (um dos quais é mais jovem) não tomem a defesa um do outro, porque isso gera escândalos que desequilibram o grupo. Pede também que os mais jovens e os anciãos (por causa de sua fragilidade) não sejam repreendidos a todo o momento, de modo desordenado, como se descarregassem sobre eles.

No final da Regra, o seu autor diz que ela foi escrita para principiantes. Assim, no mosteiro, todos devem ter a preocupação de guardar um coração de criança, desejosos de avançar no caminho do mandamento do amor. Encorajando-se mutuamente, o coração de cada um pode dilatar-se e todos correrem com alegria para a meta, que é a união com Deus. Esta meta guarda todos no dinamismo daqueles que vivem a novidade e a criatividade de Deus. Aqui a idade importa pouco!’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.aimintl.org/pt/communication/report/117


segunda-feira, 7 de abril de 2025

Melodia Suave

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Ricardo Abrahão 


‘‘Veio um furacão tão violento que despedaçava os montes e quebrava os rochedos diante do Senhor; mas o Senhor não estava no vento. Depois do vento veio um terremoto; mas o Senhor não estava no terremoto. Depois do terremoto veio um fogo; mas o Senhor não estava no fogo. Depois do fogo ouviu-se uma brisa suave.’ (1Rs 19,11-12)

Um bom músico não é aquele que faz malabarismos sonoros, os quais são consequências de questões neurológicas cognitivas. O músico que de fato faz bela arte é aquele que tem o que há de mais precioso na vida humana : a escuta! Saber escutar os sons e classificá-los é o que mais caracteriza um ouvido sensível e humilde. O ouvido humilde é simples : aceita o som como ele é.

A humanidade está se esquecendo, cada vez mais, de escutar. É preciso aprender a escutar, a investir nos processos de escuta. A Igreja – sempre mestra na escuta – transmite a nós de geração em geração um legado incalculável sobre a escuta, a música, a oração e a contemplação. Então, de imediato, surge uma pergunta : por que há tanto barulho nas igrejas? O que anda acontecendo com nossas músicas? Há um ensinamento no Evangelho que nos responde olho no olho : conhece-se uma árvore pelos frutos que ela dá.

O fruto da oração é o silêncio interior, uma melodia suave capaz de preencher todo o ser de sua própria existência como criatura legítima do amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo e, por isso, Jesus diz que não somos mais servos e sim seus amigos e irmãos. Jesus é o caminho perfeito para a escuta do amor do Pai. O barulho nas igrejas é resultado da busca de um Deus na tempestade, no terremoto, no fogo. É uma tentativa vã de convencer o outro sobre a existência de um Deus que ainda não foi encontrado no silêncio interior. É preciso subir o monte da humildade como Elias, da busca, do conhecimento. 

Ao escutar melodias profundas como o canto gregoriano, os motetos de Palestrina, os sons sublimes de Bach e os tons salmódicos da Igreja, o coração humano encontra a essência do divino pulsando no peito. É preciso cantar a liturgia com o pulsar da brisa suave. Anselm Grün, em seu livro As exigências do silêncio, comenta sobre os pensamentos do mestre Eckhart dizendo ‘Em cada um de nós existe um lugarzinho onde o silêncio é completo, um lugar livre do ruído dos pensamentos, livre das preocupações e desejos. É um lugar em que nós mesmos nos encontramos inteiramente em nós. Esse lugar, que não é perturbado por nenhum pensamento, é para Eckhart o que existe de mais precioso no homem, o ponto onde o verdadeiro encontro entre Deus e o homem pode ocorrer. A esse lugar do silêncio nós precisamos avançar. Não temos necessidade de criá-lo, ele já existe, apenas está obstruído por nossos pensamentos e preocupações. Quando desobstruímos em nós esse lugar do silêncio, poderemos encontrar Deus assim como ele é’.

A única música verdadeiramente litúrgica é aquela que abre nossos corações para encontrarmos Deus assim como Ele é! Escute com amor!’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/melodia-suave.html

sábado, 5 de abril de 2025

Na África do Sul os desafios e as alegrias da vida monástica

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo da Irmã Antoinette Ndubane, OSB

Comunidade de Elukwatini (África do Sul)


A realidade da vida monástica na África do Sul

‘Quando me tornei beneditina em 2002, não sabia que estava abraçando a vida monástica, pensava que entrava, simplesmente, numa congregação religiosa, igual a outras que eu conhecia. Levei tempo para compreender a diferença que existe entre as ordens apostólicas e as monásticas. Se a confusão existe ainda hoje, é talvez porque falta uma identidade clara das congregações.

Pouco a pouco compreendi que viver num mosteiro não consistia em viver simplesmente entre os muros de um edifício religioso. Mas que isso significava uma pertença do ser todo a este mosteiro, a esta comunidade. O mosteiro para mim é como uma universidade, ou uma escola, onde os estudos são sobre a vida, tal como ela é; pode-se aprender o que se quiser : por exemplo deixar-se invadir pelo que é negativo, ou mais positivamente estudar o que é bom, ou mesmo, fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

Como é que isso é possível? Às vezes escuto as pessoas dizerem : ‘No começo não sabia como responder de maneira inconveniente a um confronto, agora sei ‘. É possível aprender coisas más; e no entanto há milhares de coisas boas a cultivar : trabalho manual, oração, modo de viver, de se tornar um cristão melhor e mais sério, e tantas outras coisas… Um mosteiro é uma casa de oração, onde vivem pessoas consagradas. É também como uma casa onde Deus mora, o que permite que os mosteiros andem bem. Segundo o que pude ver até agora, um mosteiro é uma casa, ou uma fonte onde se vai beber, para dar aos que não partilham a vida ordinária. Por exemplo : há um tempo para rezar e para meditar : pode-se assim saber o que oferecer àqueles que procuram a Deus e suas graças. É por isso que o silêncio é tão importante na vida monástica; é quando o silêncio me habita, que escuto a voz de Deus.

 A vida monástica é uma realidade na África do Sul?

Nesta parte do mundo será que se sabe o que é a vida monástica? Sim e não. É uma realidade, há mosteiros na África do Sul e pessoas que aí vivem, mas não se pode ignorar que não são numerosos, e que há poucos monges sul-africanos.

Há outra pergunta : os que vivem nos mosteiros sabem o que são? Sim, ou não? Pode acontecer que mesmo os que vivem num mosteiro, por causa de sua idade e muito tempo na vida religiosa, não compreendam bem o sentido de sua vocação. As exigências do mundo exterior fazem a pessoa se perguntar se a vida monástica é uma realidade viva, ou não, nesta parte da África.

As dificuldades da vida atual levam também a fazer a pergunta : hoje, é possível viver uma vida monástica na sua verdade total? E como, concretamente? É uma pergunta que a pessoa pode fazer a si mesma, durante toda a sua vida, e isso pode favorecer a vitalidade da vocação, permitir vivê-la melhor, em relação ao que ela tem de próprio. Seja como for, a vida monástica é ao mesmo tempo estrangeira e local; dá a impressão de ter chegado de barco : as pessoas que estavam nele, trouxeram-na, e embora se espere muito dela, continua a parecer estrangeira, estranha, aos olhos da Igreja, e do povo da região. E no entanto vários aspectos da vida monástica parecem corresponder ao modo de viver dos locais : por exemplo o respeito, a hospitalidade e outros aspectos.

Como ser monge, ou religioso, na África do Sul?

Penso que é normal sentir, às vezes, o que falta em relação aos membros estrangeiros da comunidade; mas esse tipo de pensamento não dura muito tempo, sobretudo quando se tem o sentimento de pertencer a uma família monástica maior. Este sentimento é muito encorajado pela existência de uma estrutura que reúne os superiores (as), os formadores e os jovens em formação na nossa região da África do Sul. Esta estrutura chama-se BECOSA (Benedictine Communities of South Africa, Comunidades Beneditinas da África do Sul).

Um dos aspectos mais essenciais da vida monástica, ou da vida religiosa em geral, é a formação : formação inicial e formação contínua. Nesta parte sul da África, os beneditinos não negligenciam esta questão da formação, quando se reúnem nos encontros da BECOSA; é uma grande ajuda para a vida dos monges e das religiosas que vivem nesta região. Em cada encontro, ou quase, os participantes abordam um assunto específico da formação inicial e contínua dos membros das comunidades. Isto nos ajuda a aprofundar o nosso conhecimento do que somos e do modo como somos chamados a viver nossa vida monástica. As reuniões anuais da BECOSA e os grupos de estudo que aí organizamos, são importantes para a nossa vida, especialmente no que diz respeito à formação e ao sentimento de pertença a uma grande família. BECOSA é fonte de ajuda, ao mesmo tempo individual e coletiva. Cada vez que se participa numa reunião, ou num grupo de trabalho, a pessoa sente-se alimentada. Temos sempre um desejo ardente de ter mais encontros, especialmente aqueles que sentem a necessidade de mais alimento, como os formadores, e também os que estão em formação inicial.

Dificuldades e alegrias

A vida monástica é verdadeiramente uma vida que dá vida. Trouxe-me tudo o que eu desejava para desenvolver uma vida cristã mais bela. Como jovem sul-africana, vivendo a vida beneditina, acho isso estimulante em dois sentidos : negativo e positivo. A maior parte das pessoas de minha idade têm responsabilidades em diversos domínios : família, propriedades, profissão etc. Parecem possuir coisas de valor. Da minha parte, parece que não tenho nada, mas será verdade? O desapego põe em relação com outro tipo de tesouro, um tesouro que não passa. Sinto-me verdadeiramente chamada a uma vida feliz. Isso faz bem.

No que diz respeito à família, por vezes espera-se que os filhos, uma vez adultos, possam ajudar os outros membros de uma ou outra forma. No meu caso, não sou talvez capaz de ajudar de forma visível os membros de minha família, mas posso pela intercessão. Viver esta convicção, não acontece de um momento para o outro. No entanto, acho que os ajudo ainda mais, quando os coloco diante de Jesus Cristo, que é tudo para mim. Não rezo somente por minha família, mas por meus amigos e por todos aqueles que precisam de minha atenção.

A comunicação por meio dos meios de comunicação pode ser outro desafio, especialmente hoje em dia. Quase todos os jovens da África do Sul tem um smartphone. É preciso muita autodisciplina quando se trata dos meios de comunicação social. Não posso negar que existem, que nós os utilizamos, mas saber utilizá-los com equilíbrio, não é fácil. É muito importante que, cada vez que pego no celular, me pergunte se é verdadeiramente necessário. É para o bem de minha vida religiosa? Vai-me ajudar, ou vai-me destruir? Onde tenho de pôr um limite? Quando entrei na vida religiosa, há 17 anos, se queríamos mandar uma carta, a superiora devia lê-la antes de a enviar; e era a mesma coisa quando recebíamos uma. Hoje a maior parte de nós usa email, ou WhatsApp : Quem está lá para controlar? Ninguém, a não ser eu e minha consciência.

Há ainda outra coisa que toca a vida religiosa, ou a vida monástica. Cada um tem o sentimento de ter mais, ou menos grandes oportunidades na vida. Isto pode tocar os estudos, as descobertas, a liberdade etc. Vendo de longe, pode-se pensar que as pessoas que vivem nos mosteiros correm menos riscos que as outras. E, no entanto, olhando mais de perto, são justamente elas, que em função da missão, ou do seu campo de ação, que podem ser mais tocadas por essas facilidades que se apresentam a elas. É verdadeiramente necessário promover a vigilância, essa virtude tão inerente à vida monástica. 

O silêncio

O silêncio é um dos elementos essenciais da vida monástica. No entanto, ainda que seja importante, não é fácil guardar o silêncio. Quando alguém não fala, isso não significa que a pessoa esteja em silêncio : pode significar que embora não diga uma palavra nesse momento, no interior esteja habitado por preocupações barulhentas, que podem perturbar. Um mosteiro pode criar uma atmosfera de calma que deve permitir àqueles que aí moram, ou aos que o visitam, poder encontrar a Deus. É, no entanto, necessário criar o seu próprio tipo de silêncio para estar pronto para escutar a Deus. Há uma quantidade imensa de coisas que podem perturbar o silêncio interior, mas cada um precisa considera-lo prioritário, para ouvir a voz de Deus. É difícil guardar o silêncio, mas é gratificante. É uma alegria falar com Deus. Vivemos num mundo barulhento, mas no mosteiro encontrei o silêncio de modo habitual, embora possamos nos distrair com a realidade dos barulhos exteriores.

Há outros elementos estruturantes na nossa vida monástica : a oração comunitária que fazemos várias vezes por dia, a eucaristia diária, a lectio divina, a vida comunitária, os retiros anuais, a direção espiritual etc., são algumas das atividades que nos sustentam. Mesmo se a vida monástica seja, às vezes difícil, dei-me conta de que se levarmos a sério as perspectivas que oferece, ela é possível. Muitas vezes pensei – e ainda penso – que o Cristo está entre nós, embora certas circunstâncias nos impeçam de o reconhecer e de acreditar. É preciso verdadeiramente, considerar que a presença de Deus e seu chamado são bem reais. Isto me tem ajudado na vida de cada dia, até hoje. A verdadeira alegria e a consolação vêm do Senhor.

Conclusão

Que uma jovem sul-africana do século 21 possa viver num mosteiro, isto certamente questiona : e, no entanto, é a consequência de um chamado de Deus, não destinado a todos, mas àqueles que foram escolhidos para o viver. Esta vida preciosa é como um tesouro vindo do alto por amor. Não ignoro que Deus chama para onde a pessoa vai melhor procurá-lo e servi-lo; mas pode-se às vezes constatar que se num côro, nem todos são dotados para cantar, algumas vozes sustentam as outras; pode-se pensar isso, constatando que a vida comum permite uma tal harmonia, mesmo sentindo que às vezes é difícil. Pois se um mosteiro é uma escola, todos os tipos de estudantes podem aí entrar. Que tipo de estudante sou eu? Como me comporto com os outros alunos da escola? Isto é, para mim, um assunto a meditar hoje’.

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.aimintl.org/pt/communication/report/117

quinta-feira, 3 de abril de 2025

O Dom do Temor

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo do Padre José Alem, CMF


‘Os dons do Espírito Santo refletem o amor, o grande e único dom, com cada um representando diferentes aspectos dele, como objeto visto de diversos ângulos. Para viver plenamente esses dons é necessário seguir o caminho de Jesus, acreditando no amor, cumprindo os mandamentos e praticando as bem-aventuranças, assim, desenvolvemos os dons do Espírito e crescemos em sabedoria e graça. Esse processo envolve meditação, oração e uma vivência concreta da presença de Deus em nossas vidas e na Igreja. Falaremos, então, do dom do temor.

Por esse dom ficamos mais vigilantes para não ofender quem confiamos, por isso, quem teme a Deus está atento para não ofendê-lo e procura sempre viver seus mandamentos, pois neles está a expressão da sua vontade. 

O temor se expressa em tudo o que diz respeito a Deus : sua Palavra, que deve ser ouvida com temor, a participação nos sacramentos procurando respeitar o mistério que significam e transmitem, o respeito pelas coisas sagradas, aos ensinamentos da Igreja, às pessoas, em particular aos pastores que nos conduzem, ao mistério da fé nas suas mais expressivas revelações por meio dos sacramentos.

O temor elimina a vulgaridade, a superficialidade, a mediocridade com que, muitas vezes, podemos ter tratando o mistério da fé sem o respeito que merece por meio de palavras, atitudes, comportamentos e tantas maneiras que o mundo sugere por não saber amar de verdade. O amor é também temor’.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/o-dom-do-temor.html

terça-feira, 1 de abril de 2025

Primeiros passos na vida monástica

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Irmã Rosa Ciin, OSB

Comunidade de Shanti Nilayam (India)


‘Antes de mais nada, gostaria de dizer que escutei a voz do Senhor quando estava bem feliz com meus amigos e bem engajada nas coisas do mundo. Um dia, quando ia para a igreja da paróquia, vi um um folder no caminho, peguei-o e li. Falava de um mosteiro de beneditinas e, logo, gostei do que falava o papel e quis entrar no mosteiro.

Comecei por refletir sobre o sentido real da vida. Senti que esse acontecimento era um sinal vindo de Deus. Decidi seguir o Senhor no caminho monástico, e senti o desejo de estar mais próxima de Deus. No mundo tinha muitas distrações que me afastavam do Senhor. Finalmente entrei no mosteiro, embora meus pais não tivessem ficado muito satisfeitos. Mas devo reconhecer que não foi fácil deixar meus pais, meus irmãos e minhas irmãs e meus amigos.

No mosteiro logo me senti em casa. As irmãs foram muito acolhedoras e fizeram tudo para que eu me sentisse à vontade. O mosteiro parece a primeira comunidade cristã onde os membros partilham todas as coisas, vivendo unidos, apesar das línguas e das culturas diferentes. Meu coração estava cheio de alegria; encontrei um bom espírito de família na comunidade. Esta experiência fez-me esquecer os prazeres das redes sociais e do celular… O uso destes meios dá uma alegria passageira mas no mosteiro encontrei a verdadeira alegria, amando o Senhor e todas as irmãs da comunidade. Depois de ter feito a experiência calorosa da fraternidade, esqueci os prazeres do mundo. E agora posso apreciar o mundo e o que ele oferece, de um modo diferente : todas as coisas são boas, se forem usadas para o bem de todos.

No entanto, mesmo se o começo foi maravilhoso, chegou o momento em que encontrei dificuldades. A natureza humana tem, espontaneamente, desejo de prazeres e de facilidades, mas toda forma de vida tem suas dificuldades. Todavía na vida monástica experimento uma alegria interior profunda.

Exemplo : tudo é comum a todas e usamos o celular e internet etc só em caso de verdadeira necessidade; não é fácil adaptar-se a bases culturais diferentes, mas entrando na vida comunitária senti-me cheia de paz e alegre, apesar dos obstáculos. A atmosfera de silêncio e de calma no mosteiro ajuda-nos a escutar o grito do pobre e da pessoa que têm falta de tudo no mundo, e podemos ajudar com nossa oração e por tudo a que renunciamos.

A vida de comunidade ajuda-me a viver em harmonia com todos e a servir cada um. Isso me permite sair de mim mesma, sentir e partilhar com cada um seus problemas e suas dificuldades. Assim estou menos centrada em mim mesma e mais voltada para o outro.

Também estou muito à vontade com a Regra de São Bento, em particular pelo que diz a respeito da hospitalidade e do amor pelos pobres. Como jovem religiosa não tenho muito contato com o exterior, mas carrego o mundo todo na minha oração e na oferenda que faço de minha vida ao Senhor.

A comunhão no interior da comunidade e o amor fraterno são um sinal para o mundo : é possível viver e amar os outros apesar das diferenças. Gosto sempre mais da vida monástica à medida que os anos passam. São Bento diz no Prólogo de sua Regra :

‘À medida que se avança na vida religiosa e na fé, o coração se dilata e corre-se no caminho dos mandamentos de Deus, com inefável doçura de amor’.

Com tudo isto aprendi, pouco a pouco, como a vida monástica é fácil e feliz se damos ao Senhor cada situação da nossa vida. Só é possível viver esta vida com a ajuda do Senhor e numa relação íntima com Ele. Seu jugo é fácil e seu fardo leve quando lhe entrego todas as minhas preocupações. As pessoas não entendem sempre a vida monástica, mas eu amo-a cada dia mais. Minha oração ardente é que muitos respondam ao chamado de Senhor e o sigam mais de perto na vida religiosa.’ 

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.aimintl.org/pt/communication/report/117