Por Eliana Maria
(Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Pedro Nascimento,
leigo missionário comboniano
‘Judite era viúva e vivia na cidade de Betúlia. Fora casada com
Manassés. Judite, mulher de Deus, «jejuava todos os dias da sua viuvez, exceto
ao sábado e nas suas vésperas, nas festas da lua nova e suas vésperas, nas
festas e nos dias de alegria para a casa de Israel» (Jt 8, 6).
Sucede que uma grande ameaça de destruição do povo de Israel, e
especialmente da cidade de Betúlia, fez com que o povo quisesse entregar-se ao
inimigo. Holofernes, general de Nabucodonosor, rei da Assíria, inimigo
prepotente e insolente de Deus, cercou a cidade de Betúlia com dezenas de milhares
de homens e impediu-os de terem acesso a água e comida. Por esse motivo, após
trinta e quatro dias de cerco, «os recipientes de água dos habitantes de
Betúlia ficaram vazios; as suas cisternas começaram a ficar esgotadas sem água
para poderem beber a sua porção diária, uma vez que a água era racionada» (Jt
7, 20-21). Nessa situação, o povo decidiu render-se ao inimigo: «Para nós, é
melhor sermos sua presa. Seremos seus escravos, mas as nossas vidas serão
poupadas e não teremos de assistir à morte das nossas crianças diante deles,
numa grande destruição» (Jt 7,27). Decidiram manter-se na cidade durante mais
cinco dias e depois disso, entregar-se ao general Holofernes e ao seu exército,
sedentos de destruição e pilhagem.
Depois de ter conhecimento da decisão do povo, Judite, com o ímpeto e
coragem de uma profetisa, chamou os anciãos a sua casa e procurou dissuadi-los
da decisão: «Apesar de tudo, dêmos graças ao Senhor, nosso Deus, que nos está a
pôr à prova, tal como fez com nossos pais» (Jt 8, 25). E, confiante em Deus,
teve um plano : sair da cidade com a sua escrava, ir ao encontro de general
Holofernes e conseguir matá-lo. E assim fez! Com a sua beleza física,
inteligência e capacidade de argumentação, conseguiu convencer o poderoso
general de que o povo iria ser alvo de um castigo do seu Deus e que ele não
iria perder nenhum dos seus homens nesta batalha, bastando aguardar. Durante o
tempo em que esteve no acampamento, Judite encontrava-se em plena sintonia com
Deus, rezando. A sua bela aparência não passava despercebida e o general
desejava Judite. Por isso, uma noite, após o banquete, Judite ficou na tenda do
general, o qual se encontrava bastante embriagado. Aproveitando que o general
se encontrava debilitado, Judite cortou-lhe a cabeça e regressou à cidade. O
povo percebeu que Deus não os abandonara e que, por intermédio de uma mulher
viúva, conseguiu mostrar a sua força e grandeza. Para conseguir a libertação do
seu povo, Judite foi corajosa e pôs em risco a sua própria vida. Conquistou a
estima da comunidade com a sua sabedoria e coragem e tornou-se o orgulho de
Israel (cf. Jt 15,9).
A história de Judite demonstra-nos como os nossos caminhos não são os de
Deus. Várias vezes o Senhor nos demonstrou que nós olhamos à aparência e aos
usos sociais. Quem pensaria, naquele tempo (e neste também), que um numeroso
exército com um poderoso general sairia derrotado pela astúcia de uma viúva.
Ela pode cantar que Deus derruba os poderosos e eleva os humildes. Deus sabe o
que faz e sabe quem o ama e o segue de coração sincero! Por esse motivo,
Judite, fiel a Deus e cheia do seu temor, soube compreender quanto Deus ama o
Seu povo e não o abandona!
Este livro bíblico também ajuda a compreender que, nos vários momentos
da nossa vida, nem sempre confiamos plenamente em Deus e nem sempre seguimos os
seus mandamentos de amor, fraternidade e paz. Infelizmente, continuamos a ser
fustigados por guerras no nosso mundo : Ucrânia, Médio Oriente, Sudão,
Moçambique, Etiópia e em tantos países; continuamos a ser escravos de vários
poderes, sejam políticos, economicos ou outros; continuamos a viver num mundo
em que Deus não é importante. Mas, além disso, temos também as nossas guerras
internas e pessoais : a nossa personalidade e todos os desafios a que
diariamente somos chamados; a nossa família, a nossa vida profissional, a vida
social... Onde está Deus em todos os aspectos da nossa vida?

Vocação e missão
No plano de Deus, todos somos importantes e temos a nossa vocação e
missão a cumprir. Nas palavras de São João Paulo II, Judite «é uma figura
exemplar também para exprimir a vocação e a missão da mulher, chamada à
igualdade com o homem, de acordo com as suas características específicas, a
desempenhar um papel significativo no desígnio de Deus» (audiência geral, 29 de
Agosto de 2021).
Judite sempre teve Deus como prioridade e o seu «sim» e ação destemida
permitiu libertar o povo oprimido e conservar a mística no Deus da Vida. Cada
um de nós tem um dom, uma pérola preciosa (uma vocação e missão
específica) contida num débil vaso de barro. Precisamos discernir qual é o
nosso dom para o pôr, com alegria e generosidade, ao serviço do bem comum e da
vida plena.
O desafio da formação das crianças
A irmã Liée Mramadji Natingar, missionária comboniana, é diretora da
escola primária São Daniel Comboni e da escola secundária com o mesmo nome em
Butembo, República Democrática do Congo. Nesta zona, ela e as suas colegas
vivem num contexto de total insegurança e guerra, incluindo o rapto de
crianças, que preocupa todos e sobretudo os pais. A religiosa partilha conosco
o seu trabalho evangelizador e de defesa da vida digna neste contexto
desafiante.
«No meu trabalho no ambiente escolar, a primeira coisa que procuro é a
qualidade da educação das crianças que me são confiadas, e também que elas
encontrem um lugar onde se sintam seguras. A formação das crianças, que são o
futuro da nação e da Igreja, é o meu campo de batalha.
No nosso contexto, o insucesso escolar é uma realidade e são muitas as
causas. Quando há crianças indisciplinadas, por exemplo, chamamos os tutores e
falamos com eles para tentar compreender o motivo desse comportamento. O que é
que faz com que a criança durma durante a aula? Porque é que chega sempre
atrasada à escola? Trabalha demasiado em casa? Não come o suficiente? Está
traumatizada? Vive com os pais? Os pais estão vivos? Estas perguntas têm como
objetivo descobrir a origem do problema da criança para, assim, encontrar os
meios para que ela se adapte bem à escola.
Outras vezes, pode ser devido à falta de material escolar. Nesse caso, é
necessário falar com os pais para que comprem à criança o que ela precisa. Por
vezes, os pais mostram pouco interesse pela educação dos filhos, por exemplo,
em casos de abandono paterno em que a mãe tem de tratar de tudo. Encontramos
também crianças abandonadas a si próprias, com falta de roupa, alimento, etc.
Outras dificuldades são encontradas com as crianças deslocadas pela
guerra que não têm quadro, caderno ou caneta. Mesmo conseguir algo para comer
todos os dias é difícil.
Há crianças que foram abandonadas pelos pais e são os avós que tomam
conta delas. Nestes casos, o principal objetivo dos avós é encontrar alimento
para a criança e a questão da escola não é importante e passa para segundo
plano. Estas crianças sentem-se inseguras no ambiente escolar, porque não têm o
que precisam para progredir nos seus estudos.
As pessoas estão muito contentes com esta escola recentemente
construída. Para elas, é uma jóia no meio da insegurança e da guerra. Dá-lhes
muita esperança porque é o futuro dos seus filhos. Agora, as crianças já não
têm de percorrer longas distâncias para irem à escola. Os pais confiam em mim.
Sabem que, neste centro educativo, os seus filhos recebem uma boa educação, são
bem acompanhados e supervisionados. A minha presença como diretora desta
escola, uma religiosa africana, é uma grande alegria para eles. Para alguns, é
a concretização do sonho de São Daniel Comboni de ‘salvar a África com a África’.»’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://www.combonianos.pt/alem-mar/artigos/8/1285/judite-libertadora-do-povo/