Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
‘As bombas
israelenses não apenas destruíram sua casa, mataram sua mãe e sua irmã e
feriram gravemente seu pai. Elas também roubaram sua infância. E a palavra.
Nazek El Kord cruza o olhar com esta menina palestina de apenas cinco anos
devastada pela dor e percebe imediatamente que está diante de um fantasma :
apesar de ter se recuperado dos profundos ferimentos causados pelos estilhaços
que lhe dilaceraram as pernas e as mãos, sua língua permanecia como paralisada.
Pequenos
fantasmas
Nazek, em Gaza,
já tinha visto muitos pequenos fantasmas assim. Ela, que é
psicóloga clínica infantil e trabalha no Centro Médico Princesa Basma,
instalado no Hospital Ahli Arab, se pudesse, contaria cada um deles, mas seria
um trabalho imenso, porque significaria fazer uma lista exata de todas as
crianças da cidade e da Faixa que permaneceram vivas. Ou que, infelizmente, não
conseguiram fugir.
Memórias
assustadoras
Com a pequena
fantasma, que não fala, Nazek tentou brincar duas vezes por semana durante seis
meses, de forma sistemática e terapêutica. ‘No final, lentamente, ela voltou a
ter mais autoconfiança e começou a falar novamente. O seu mutismo histérico
agora é apenas uma lembrança’. Embora agora haja uma trégua e os
bombardeamentos tenham terminado, as crianças de Gaza não se sentem nada
seguras, continuam a viver imersas nos piores pesadelos que se materializaram
nas suas mentes desde o início do conflito. Nazek, todos os dias, fala com
elas, ouve-as, cuida delas. Como pode. ‘Elas ainda têm ataques de pânico,
lembranças assustadoras de perdas e destruição. Sentem-se ansiosas, reagem com
força a ruídos altos ou movimentos repentinos, como se o perigo ainda estivesse
à espreita’, conta à mídia vaticana. No fundo, para as crianças
palestinas, a trégua não existe, é apenas uma invenção dos adultos que ‘brincam’
com a tragédia sem sentido da guerra. Pelo contrário, como Nazek repete
várias vezes, a suspensão dos bombardeios representa para elas uma breve pausa
entre dois medos : o medo do que aconteceu até agora e o medo do que ainda pode
acontecer. ‘Mentalmente, as crianças tentam compreender todos os acontecimentos
que estão vivendo. Fazem perguntas sérias sobre a morte, a justiça, o futuro. A
maioria delas está convencida de que a trégua não durará muito e que em breve a
violência recomeçará’.
Traumas
prolongados
O medo e o
estresse, que se manifestam com ansiedade, tristeza e dificuldade em controlar
as próprias emoções, estão provocando a interrupção do crescimento emocional.
Em essência, as crianças de Gaza deixaram de ser crianças, mas ainda não
se tornaram adultas, estão perdidas em um limbo sombrio dominado por doenças
mentais crescentes que devem ser tratadas o mais rápido possível. ‘Após
mais de dois anos de conflito — é a amarga acusação de Nazek — quase todas as
crianças de Gaza precisam de intervenções psicossociais direcionadas e
prolongadas para lidar com os traumas, reconstruir a capacidade de recuperação
e apoiar um desenvolvimento emocional saudável. Existem alguns esforços
internacionais nesse sentido, mas não são suficientes para atender às
necessidades generalizadas e urgentes’.
Para salvar
esses pequenos fantasmas, como a menina sem voz que comoveu o coração de Nazek,
psicólogos, psiquiatras profissionais, familiares e escolas deveriam poder
trabalhar juntos, elaborando caminhos de cura compartilhados. Levando em conta,
acrescenta Nazek, acima de tudo, uma coisa fundamental : ‘Quando está
emocionalmente presente, muitas vezes é justamente a família a fonte mais forte
de cura. Mesmo que agora os pais estejam em dificuldades, se forem ajudados e
apoiados, podem oferecer amor, rotina e estabilidade, todos elementos que
ajudam a criança a se sentir segura’. Nazek e seus colegas médicos palestinos
estão se empenhando ao máximo para alcançar esse objetivo. Mas sem a
ajuda da comunidade internacional, é como tentar esvaziar o mar com uma colher
: ‘Com base na minha experiência de trabalho em hospitais, existe uma lacuna
significativa na oferta de cuidados mentais especializados. E muitas crianças
não conseguem receber apoio psicológico adequado’.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2025-12/gaza-denuncia-psicologa-criancas-perderam-tudo.html
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