Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
‘O descompromisso
com a verdade é cada vez mais frequente. Alimenta a propagação de notícias
falsas e a manipulação das informações para o atendimento de interesses
mesquinhos. Cada vez mais, as tecnologias no campo da comunicação facilitam
falar de tudo e de todos, sobre as mais variadas coisas, conforme o próprio
interesse. Comprometida a verdade, a sociedade inteira perde o rumo e
dificilmente encontra algum caminho promissor. Mas, na interioridade humana, no
ato de falar ou calar-se, está inscrita a fórmula para superar esse
descompromisso com o que é verdadeiro.
Quando se deve
falar? Falar o quê? E quando é oportuno e eficaz calar-se? Sobre os pilares do
falar e do calar-se estão os processos relacionais, a condução da sociedade, a
cooperação mútua e cidadã em defesa da justiça e do bem. Vale lembrar uma regra de
ouro ensinada por São Gregório Magno, fecundado por suas experiências e
tradição monástica, na sua famosa Regra Pastoral : o pastor seja discreto
no silêncio e útil com suas palavras, para não falar o que deve calar, nem se
calar quando é necessário falar. Importante
esclarecer que a metáfora do pastor, originalmente ligada ao exercício do
pastoreio no contexto religioso e confessional, também se aplica mais
amplamente. Vale para o exercício de cada pessoa na condução da própria vida,
no contexto profissional ou familiar, enfim, em tudo o que se faz no dia a dia.
O ‘pastoreio’, neste sentido, remete às ações
que objetivam o próprio bem e, sobretudo, o bem do outro. Assim, todos devem
exercer um tipo de pastoreio, que pode ser avaliado a partir do bem que cada um
promove na condução de suas responsabilidades. O exercício qualificado do
pastoreio, quando se torna uma cultura, constitui preciosa alavanca para que a
sociedade conquiste o desenvolvimento integral, com irrestrito respeito à vida.
E a cultura marcada pelo bom exercício do pastoreio só pode ser conquistada
quando são superados os modos de falar orientados pelas superficialidades.
Ao se utilizar a
palavra de modo superficial, comprometem-se entendimentos, atitudes medíocres
são alimentadas e fecham-se horizontes. Consequentemente, essas atitudes são
limitadas e pouco eficazes para gerar o que é bom. Assim, a sociedade permanece
empobrecida, um lugar da indiferença que prejudica o exercício da cidadania.
Falar com superficialidade faz com que os muitos sistemas linguísticos
disponíveis, em vez de contribuírem para a aproximação, configurem uma verdadeira
Babel, que enjaula a cidadania na confusão. É lamentável, por exemplo, quando a
fala de quem representa o povo é permeada por mentiras e objetiva somente
conquistar certas metas – distantes do que é necessário ao bem comum,
priorizando somente o interesse de pequeno grupo. Uma lástima também quando as
relações familiares, profissionais, cotidianas, são orientadas pelos parâmetros
da superficialidade.
A incapacidade
para falar o que é preciso, livre de inverdades, é sinal de uma falha grave na
condição ética e moral do indivíduo. E só conquista a clarividência quem tem a
ousadia de viver e falar sob o alicerce da verdade, algo raro nestes tempos, de
tantas manipulações para o atendimento de interesses questionáveis. Hoje
especialmente, fala-se para agradar, mesmo sendo incoerente com as próprias
convicções. Em outras situações, a verdade é ‘dita pela metade’, para alcançar certos objetivos pouco nobres.
Pareceres são emitidos sem o conhecimento adequado da realidade, prejudicando a
promoção da justiça, pois prevalecem subjetivismos. Fala-se o que interessa,
para ferir imagens, ou mesmo para enaltecê-las, até mesmo quando não são nada
daquilo que se apresenta. Desprovidas de moralidade, essas atitudes não
contribuem para o bem de todos.
São urgentes
investimentos para que haja qualificação da atitude de falar e de calar-se na
sociedade. Nesse sentido, vale remontar ao conceito helênico de parresia, como
dinâmica da linguagem política comprometida com a verdade, base para uma
verdadeira democracia. Desse modo, a liberdade da palavra será de fato
compreendida como força significativa na construção da sociedade justa e
solidária. A postura do apóstolo Paulo pode inspirar modos nobres de se lidar
com a palavra. Em seu compromisso de viver e proclamar autenticamente a fé,
Paulo valia-se de verdadeira franqueza, sustentada pela coragem de dizer tudo o
que fosse necessário, e não se calar por conveniência, arquitetando
manipulações.
A vida de Paulo é
uma escola para todas as pessoas, sendo particularmente capaz de corrigir quem
mais patologicamente fala ou se cala desrespeitando a verdade. É possível
antever o bem e as consequências revolucionárias se o ‘pastoreio’ de todo cidadão for exercido com sabedoria, sendo
discreto no silêncio e útil na fala, ‘para
não falar o que deve calar, nem calar o que deve dizer’.’
Fonte :
Um comentário:
Obrigada pelo artigo. A palavra é preciosa e seu uso deve ser consciente.
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