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domingo, 7 de agosto de 2022

Política e força moral

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,

Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG

Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

 

‘O ano eleitoral de 2022 precisa incluir a importante tarefa de olhar o conjunto da comunidade política : não se pode considerar somente o Poder Executivo Federal. A indispensável conscientização política neste momento pede, dos cidadãos, essa tarefa - pois também é especialmente importante o conjunto de cargos eletivos que compõem as assembleias legislativas e o Congresso Nacional. A definição do voto não pode se pautar ainda, simplesmente, pelas polarizações ou ‘paixões’ costumeiras, sob pena de inadequado discernimento para escolhas tão importantes. Para efetivar uma política melhor, alicerçada no bem, sem submissão a interesses cartoriais e oligárquicos, capaz de ajudar na reconstrução da sociedade brasileira nos parâmetros da justiça e da paz, é fundamental escolher pessoas com envergadura moral e competência política. Neste horizonte, deve-se também observar e identificar aqueles que têm compromisso explícito, claro e comprovado com o sistema democrático.

A fidelidade aos princípios democráticos define a autoridade e a força moral dos candidatos. A Igreja Católica, em sua Doutrina Social, sublinha a importância da democracia, que assegura a participação dos cidadãos na vida política, a possibilidade de os governados elegerem e controlarem seus governantes. Por isso mesmo, neste ano eleitoral, sejam incansavelmente reafirmados os valores da democracia, irradiando uma luz que se acende na escuridão. Ao promoverem os valores democráticos, reconheça-se que uma autêntica democracia, conforme ensina a Doutrina Social da Igreja, é bem mais que a inegociável dimensão do respeito formal às regras das instituições. Contempla a convicta aceitação dos princípios essenciais ao fortalecimento do sistema democrático, que incluem o respeito à dignidade da pessoa humana e de seus direitos, a promoção do bem comum como fim e critério regulador das atividades políticas. E nesse horizonte, deve-se considerar a indissociável vinculação entre os campos social e ambiental, nos ricos parâmetros da ecologia integral, magistralmente apresentados pelo Papa Francisco na Carta Encíclica Laudato Si’ - sobre o cuidado com a casa comum.

Se não há fidelidade aos valores democráticos não se pode merecer a confiança do voto, pois desrespeita-se o verdadeiro sentido da democracia, comprometendo a sua estabilidade. O relativismo ético, que desconsidera critérios universais, a exemplo dos valores democráticos, é sério risco para o pleno exercício da cidadania. Seja, pois, observada a trajetória de cada candidato, para identificar se há fidelidade a entendimentos indispensáveis para o exercício da representação política. Quem assume a responsabilidade de ocupar cargos nas instâncias do poder, a partir do processo eleitoral, não pode subestimar a dimensão moral de sua representação. Isto significa, em primeiro lugar, que os políticos precisam ser realmente sensíveis às necessidades da população, procurando soluções para problemas sociais e ambientais.

O exercício do poder político, quando não é orientado a partir de adequados princípios morais, contribui para gerar deformações no sistema democrático – a exemplo da corrupção política, das manipulações interesseiras, da defesa de grupos oligárquicos, traindo os valores da justiça social. A carência de respeito à dimensão moral explica porque há, na atualidade, uma crescente desconfiança relacionada à política. Fundamental é buscar uma reação, ‘encantar’ a política definindo os quadros que exercerão a representatividade dos cidadãos nas instâncias do poder, observando um aspecto que vai além de simpatias, favores recebidos ou paixões cegas : a corrida eleitoral pede a avaliação da dimensão moral de candidatos para efetivar escolhas capazes de contribuir com o fortalecimento da democracia, essencial à promoção de uma ‘primavera’ de justiça social.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/artigos/?id=10077

sábado, 19 de março de 2022

A religião como critério de mensuração de status moral

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante


‘Por mais estranho que se possa parecer, a religião ainda é usada para mensuração do status moral das pessoas. Se formos mais à fundo, é possível perceber que tal critério não se encontra apenas nas pequenas comunidades locais, mas de alguma forma, pelo menos no Ocidente, atinge todo um imaginário social, de maneira que podemos pensar na construção de uma representação social que acredita que as pessoas que têm alguma religião são mais próximas de Deus e mais moralmente corretas do que aquelas que não a possuem.

Quando olhamos para o meio cristão, essa característica aparenta ser mais notável. Afinal, ainda é muito comum se ouvir ali que aqueles e aquelas que não se converteram, por melhores que sejam em suas condutas, ainda estão longe de Deus, ou ainda, que tais pessoas vão para o inferno (leia-se : câmara de tortura na qual as pessoas não cristãs tendem a sofrer pelos séculos dos séculos), ou ainda que a essas pessoas não convertidas faltaria a base da moralidade, que seria a obediência ao texto bíblico.

Pode parecer esquisito (e realmente é), mas esse tipo de visão ainda se impõe em diversos cenários cristãos. Além dessa comparação com os de fora, a comparação com os de dentro também se estabelece. Comumente se pensa que o/a pastor/a ou o padre é uma pessoa mais próxima de Deus do que o resto da comunidade. Uma fala do tipo : ‘vou pedir para o/a pastora orar, porque Deus o/a responde’ ainda se ouve em diversas comunidades cristãs, como se status ministerial fosse garantia de intimidade com Deus. De alguma forma, tem-se a ideia de que aqueles e aquelas imbuídos/as de alguma autoridade na comunidade teriam uma espécie de ‘acesso especial’, como se fossem clientes ‘premium’ do grande banco celestial, e por esse motivo, teriam acesso a um atendimento ‘personalité’, ao contrário das outras pessoas, que deveriam esperar na fila dos guichês normais de atendimento.

Pensar a religião como critério de moralidade ou de intimidade e relacionamento com Deus se mostra como algo extremamente pernicioso. Não só pelo risco direto de se discriminar e desumanizar as outras pessoas que não compartilham da mesma fé, como também pela legitimação que tal pressuposto dá para que charlatões/ães se proliferem no meio do povo.

A realidade, porém, nos mostra que a religião nunca deve ser vista como critério de intimidade com Deus ou como critério de moralidade. Basta nos lembrarmos dos diversos casos de abusos sexuais em diversas comunidades cristãs que vieram à tona recentemente. Da mesma forma, pessoas que usam de sua pertença religiosa para se considerarem superior às outras, na maioria das vezes tendem a usar tal pertencimento como escudo para esconderem suas falhas e pecados.

Isso, claro, não é um problema contemporâneo. Jesus mesmo, em sua parábola do fariseu e do publicano, nos conta sobre certo fariseu, que se considerando superior aos outros por causa de suas ações religiosas, orava de si para si, enquanto o publicano, reconhecendo-se em sua humanidade falha, humilhando-se orava pedindo misericórdia. Como conclui Jesus, o segundo saiu justificado e o primeiro não.

O cristianismo como um todo, caso queira ser uma voz digna de ser ouvida ainda hoje, necessita urgentemente se tornar como o publicano da parábola de Jesus. Perceber-se como uma religião como qualquer outra, nem superior, nem inferior, ensinando a/à seus/suas fieis tal princípio. Com isso, renunciar ao poder que já há muito tempo se acostumou a ter, esvaziando-se dele para, através da volta à mensagem simples de Jesus, deixar-se ser mais um instrumento nas mãos de Deus para a transformação do mundo em um lugar melhor de se viver.’

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1569668/2022/03/a-religiao-como-criterio-de-mensuracao-de-status-moral/

domingo, 21 de outubro de 2018

Aguar a doutrina moral da Igreja não atrairá os jovens, diz Cardeal


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
Cardeal Robert Sarah


O Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Cardeal Robert Sarah, assinalou que ‘aguar’ a doutrina moral católica, também no campo da sexualidade, não conseguirá atrair os jovens.

Segundo Catholic Herald, em sua intervenção em 16 de outubro no Sínodo dos Jovens que acontece no Vaticano, o Purpurado africano afirmou que a Igreja e seus pastores devem ‘propor corajosamente o ideal cristão que corresponde à doutrina moral católica e não aguá-lo, escondendo a verdade para atrair os jovens ao seio da Igreja’.

O Cardeal recordou que, antes do início do Sínodo, alguns jovens pediram à Igreja para ser clara em seu ensinamento sobre ‘algumas questões que são particularmente próximas de seus corações : a liberdade em todos os aspectos e não apenas nas relações sexuais, a não discriminação baseada na orientação sexual, a igualdade entre homens e mulheres também na Igreja etc’.

Entretanto, outros ‘pedem não apenas um debate que seja aberto e sem preconceitos, mas uma mudança radical, um verdadeiro giro de 180 graus na Igreja e seus ensinamentos nestas áreas’.

Embora o ensinamento da Igreja possa não ser compartilhado por todos, reconheceu o Cardeal, ninguém pode dizer que não é claro. Porém, pode haver ‘uma falta de clareza por parte de alguns pastores ao explicar a doutrina’, o que requer ‘um profundo exame de consciência’.

O Prefeito recordou a história do jovem rico do Evangelho a quem o Senhor pede que venda tudo, dê aos pobres e o siga. ‘Jesus não aliviou nenhuma de suas exigências em seu chamado’ e a Igreja também não deveria fazer isso, explicou o Cardeal.

Os jovens, continuou, têm um alto grau de saudáveis ambições em relação a ‘justiça, transparência na luta contra a corrupção e respeito à dignidade humana’. ‘Subestimar o alto idealismo dos jovens’ é um grave erro e uma falta de respeito que ‘fecha a porta a um processo real de crescimento, maturidade e santidade’.

Ao respeitar e promover o idealismo dos jovens, pode-se conseguir que se tornem o recurso mais precioso de uma sociedade que quer crescer e melhorar’, destacou a autoridade vaticana.’


Fonte :

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Resgatar a autoridade

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 A ausência de autoridade gera resultados desoladores.
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘A sociedade brasileira vive uma situação de caos completo, indicando a necessidade e a urgência de se recuperar a autoridade da moral na consciência de cada indivíduo. A luz da moral é imprescindível para o exercício da cidadania e para o cumprimento de responsabilidades políticas, profissionais, confessionais e familiares. Quando há deterioração moral, a sociedade degenera e impera o caos.
A falta de moralidade é, por exemplo, a origem das diferentes formas de corrupção. Uma consciência que não é regida pela moral não sabe o valor e a importância da honestidade. Assim, apega-se somente ao que gera lucro, mesmo sob pena de prejudicar o outro. Tudo é considerado permitido na busca dos objetivos e interesses próprios. Sem cultivar a autoridade moral, as pessoas perdem o parâmetro que deve orientar suas vidas : a honestidade que é o antidoto para a ganância e a mesquinhez.
Cada pessoa precisa fazer o indispensável exercício cotidiano de examinar a própria consciência e avaliar, com sinceridade, seus atos e procedimentos. Uma avaliação a ser feita à luz de valores interpelantes reunidos no Evangelho de Jesus Cristo. Somente assim será possível corrigir desvios de conduta, eliminar interesses egoístas, inadequados, e recuperar a própria autoridade. Quem desconsidera a dimensão moral perde a autoridade. Essa perda, em qualquer âmbito, é tão perigosa quanto dirigir um caminhão desgovernado, com carga pesada, descendo ladeira abaixo.
A ausência de autoridade gera resultados desoladores. Isso pode ser constatado no contexto atual, em que representantes do povo encontram-se fragilizados no exercício de suas responsabilidades. Situação que é consequência da perda de credibilidade desses representantes diante da população. Pessoas que deveriam ser respeitadas pela condição de autoridade tornam-se marcadas justamente pela falta de moralidade, pois agem a partir de interesses nada altruístas. Desconhecem que o desrespeito a princípios básicos da moralidade obscurece terrivelmente as competências.
A falta de envergadura moral incapacita as pessoas no desempenho das próprias atribuições - tornam-se figuras medíocres nos mais diversos contextos e funções. Não conseguem enfrentar os problemas e os desafios com a coragem e a transparência necessárias. É triste ver ‘autoridades’ sem autoridade. Mais lamentável ainda é constatar essa carência em quem teve importantes oportunidades na educação e na formação acadêmica. Pessoas que trilharam longos percursos no âmbito profissional, ocuparam cargos importantes em hierarquias e, ao invés de cultivarem a autoridade da moral, pegaram o atalho dos conchavos, das negociatas e das posturas não cidadãs. Consequentemente, prejudicaram e continuam a atrapalhar as instituições onde estão inseridas, desvirtuando-as do compromisso com a verdade, a justiça e o bem.
O mal que nasce a partir da falta de autoridade, consequência da ausência da moral, torna permitido tudo o que é ilícito precipitando na mediocridade uma sociedade sem rumo. É lamentável ver medíocres governando, ocupando determinados cargos apenas para satisfazer as exigências de seus egos patogênicos.’


Fonte :


sábado, 14 de fevereiro de 2015

Crise de consciência

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte
  
‘Na raiz das muitas crises que a sociedade brasileira enfrenta - hídrica, energética, política, econômica, moral, com a exigência de pronta reação - está a falta de consciência. Uma carência que produz absurdos em série. São incontáveis os prejuízos para a coletividade que resultam da falta de princípios éticos e morais. Uma deficiência que é fonte de arbitrariedades, desmandos, incompetência para reações e respostas. Promove a perda dos sentidos de beleza, justiça e equilíbrio, que devem ser construídos cotidianamente, para se evitar situações ainda mais caóticas.

Há crise de consciência? Esta interrogação ganha pertinência quando se constata extremismos e desequilíbrios na sociedade, em atitudes individuais e coletivas, fundamentadas na irracionalidade e abominável mesquinhez. Um exemplo? A recente notícia de que parlamentares votaram um auxílio moradia em benefício de quem não precisa. Trata-se do princípio de ‘usufruir das vantagens’, que tudo corrói, de maneira demolidora, inclusive o tecido da consciência social, política. Esse princípio é impulsionado por uma perigosa permissividade, que justifica atos individuais e coletivos, merecedores da indignação de homens e mulheres de bem, no exercício do direito de exigir o tratamento adequado do que é público.

Não conseguir debelar o crescente processo de falta de consciência cidadã é um caminho para a ruína da sociedade. Essa constatação é reforçada ao observar fenômenos recentes que devem ser motivo de preocupação : a violência que não pára de crescer, a miséria que faz tantos sofrerem, a presença de grupos interesseiros, especializados em corrupção, que tornam pantanoso o caminho da sociedade, comprometendo avanços e a construção da cultura da vida.

A falta de consciência revela-se de alta gravidade. Muitos agem como devastadores do erário e, pior, tratam de modo predatório os bens da criação. Ora, o mínimo que se pode esperar de cada cidadão é uma conduta balizada pela moralidade. E essa deve ser a postura e o compromisso de quem representa o povo e dirige instâncias governamentais mantidas com dinheiro público. Na contramão do compromisso ético-moral, certamente por perda e esgarçamento da própria consciência, indivíduos e grupos agem cegamente, inspirados só pelos interesses próprios. Perdem a credibilidade, o que aumenta a crise e deflagra uma verdadeira situação de ‘pé de guerra’. Esses cenários de descompassos colocam em pauta uma urgente necessidade : o tratamento da falta de consciência, problema grave e central na sociedade brasileira.

Há um comprometimento sério da consciência moral, comprovado em atitudes inadequadas, em nível individual e institucional. Infelizmente, para impor o próprio interesse, garantir a benesse, consolidar o usufruto de vantagem, vale tudo. Isso gera sérias consequências que efetivam a perda do gosto pela honestidade, do respeito aos limites que possibilitam contentar-se eticamente com o que é justo. A falta da consciência moral, que compromete a conduta honesta, para ser vencida, requer verificações em âmbitos muito complexos da sociedade. Paga-se alto preço pela relativização de normas objetivas e absolutas. O atual contexto cultural tem grande influência nesse processo, pois favorece o enfraquecimento de princípios inegociáveis e fundamentais ao exercício da cidadania.

Autonomia e liberdade não são justificativas para se fazer tudo o que se quer, leiloando princípios ético-morais básicos que alimentam o bom senso. Princípios capazes de fazer crescer o apreço não pelo que se lucra e se ajunta, mas pela honestidade e respeitável conduta cidadã.  É hora de reagir à perda da consciência moral.

Uma possibilidade de reação a esse problema, com incidência em todas as dinâmicas sociais, é conhecer profundamente e vivenciar os valores do Evangelho, guiados pelo Mestre mais completo de todos os tempos, na sua condição de Deus e Homem. Enquanto se reage para debelar a crise pela perda da consciência moral, raiz e vetor de outras graves crises, espera-se que as instituições respeitem as leis, que os representantes estejam, verdadeiramente, a serviço do povo, que cada pessoa se reconheça e participe como cidadão. A recuperação da moralidade deve fazer crescer uma incômoda crise de consciência, capaz de reconduzir a sociedade para o caminho do bem, da verdade e da justiça.


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.arquidiocesebh.org.br/site/artigoArcebispo.php

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Vencer o mal pelo bem

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte

‘O crescente processo de desumanização que atinge a sociedade contemporânea é assustador. Tem origem diversa - da violência à indiferença, da corrupção ao conformismo com situações aviltantes da dignidade humana. Debelar o avanço desta desumanização deve ser preocupação cidadã. O Papa Francisco, na Exortação Apostólica Alegria do Evangelho, adverte sobre o risco de atingirmos níveis irreversíveis deste processo. Por isso mesmo, não se pode simplesmente constatar, lamentar ou defender-se de maneira egoísta e mesquinha de suas consequências. Ora, se o medo e o desespero tomam conta do coração das pessoas, compromete-se, gravemente, a vivência da fraternidade. Com isso, a humanidade se distancia do compromisso com a solidariedade, eficaz remédio para redesenhar os cenários de injustiça que escravizam tantas pessoas.

Para mudar essa realidade, são importantes as complexas estratégias no âmbito da segurança pública, dos reajustes de funcionamentos e em outros tipos variados de dinâmicas, pois o descontrole, gradativamente, toma conta de tudo. No entanto, embora fundamentais, essas estratégias não são suficientes. Estatísticas diversas comprovam que a sociedade convive com um excesso de incivilidades, consequência do processo de desumanização. Processo alimentado pelo desejo sem limites de apossar-se das coisas e pela busca irracional do prazer. São impulsos que viciam e impedem as grandes conquistas. As maiores vitórias, para serem alcançadas, requerem sacrifício ou esforço maior. Muitas vezes, exigem que se reparta e se ofereça o tempo e as próprias posses para quem não os têm.

As instituições religiosas, educacionais, particularmente a família, os ambientes variados de trabalho, também os de entretenimento e lazer, precisam readotar princípios simples, com força educativa e incidente na vida de cada pessoa. Somente assim é possível estabelecer um contraponto à desumanização que faz multiplicar a violência. Entre esses princípios está um de grande alcance e significativa força educativa : Não te deixes vencer pelo mal, vence antes o mal com o bem, exortação de São Paulo na Carta aos Romanos. A adoção séria deste princípio, incidindo nos contextos comuns da vida, poderá transformar as relações entre as pessoas. Só o bem derrota o mal, em uma longa batalha que inclui o apreço pela fraternidade, em lugar das guerras; adoção de atitudes simples e generosas, em vez de mesquinharias e fofocas.

O bem como princípio é vetor determinante na promoção da paz. Nesse horizonte, é necessário redobrar a atenção e analisar as tragédias provocadas pelo mal, que se alastra com muita facilidade. Suas raízes precisam ser conhecidas e extirpadas. Nesta tarefa, fundamental é refletir sobre a liberdade humana, que é um bem, mas, não raramente, torna-se porta de entrada para o mal que dizima vidas, destrói projetos e prejudica as relações. A experiência maravilhosa da liberdade não pode ser pautada apenas pelos critérios e interesses políticos ou sociais. É preciso incluir aportes de caráter espiritual para não assorear a fonte indispensável da ética, que inspira condutas orientadas pelo bem.

Há uma gramática da lei moral que encanta o coração para viver de modo amoroso e, consequentemente, convencer-se de que é necessário vencer o mal pelo bem. Essa gramática da lei moral é o amor único, capaz de iluminar para além da inteligência, de encontrar motivos maiores que os oferecidos pela razão e de conseguir ver além dos limites e estreitezas do humano. Capacita todos para enxergar a dignidade fascinante de cada pessoa, merecedora de todo respeito, deferência e cuidado.

Investir mais na aprendizagem da gramática da lei moral é urgente. Trata-se de experimentar o amor fraterno e solidário, edificando em cada pessoa uma interioridade que a torne sensível aos mais pobres, comprometida com o bem dos sofredores e a promoção da justiça. Não basta, pois, a sofisticação de aparatos externos que, por si só, são insuficientes para mudar quadros trágicos mundo afora, incluindo aqueles aos quais estamos inseridos. Os cenários que afligem serão redesenhados com a gramática da lei moral, com a força do amor, na medida em que for aprendido e vivenciado o princípio de que se deve sempre vencer o mal pelo bem.


Fonte :
* Artigo na íntegra de http ://www.cnbb.org.br/outros/dom-walmor-oliveira-de-azevedo/15779-vencer-o-mal-pelo-bem

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Dignidade e delinquência

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 * Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

‘Os cenários nas sociedades contemporâneas merecem atenção e tratamento especial por parte de todos, particularmente das lideranças políticas, governamentais e religiosas. Estes cenários estão marcados pela banalização crescente da dignidade humana, que favorece atos de delinquência, trazendo prejuízos irreversíveis. A perda do sentido autêntico da pessoa tem sido um vetor determinante do esvaziamento da consciência individual e coletiva. Aí está uma incontestável e perene fonte da violência, da corrupção e dos mais diversos tipos de manipulações - de coisas, instituições e pessoas.

A gravidade dessa situação atinge o núcleo da consciência moral que deve sustentar cada pessoa no desabrochamento de sua conduta, pautada no mais relevante sentido de respeito ao outro. No coração humano há uma lei inscrita pelo próprio Deus, no fundo da própria consciência. É uma lei que o homem não impôs a si mesmo, mas à qual ele deve obedecer, como uma voz que está chamando-o ao amor, ao bem. Quando o indivíduo perde a competência para ouvir esta voz, se encontra às portas do mal. A perda e esvaziamento da consciência moral são, pois, o impulso determinante que faz nascer o delinquente.

Criminosos, dos mais variados tipos, escutam outra voz que determina a submissão interesseira à idolatria do dinheiro, ao entendimento do prazer como fonte de manipulação e lucro. Essa voz alimenta a ganância que inaugura a cada momento uma corrida desenfreada, pautada na disputa, que faz de cada um inimigo do outro. Essa delinquência está nas violências de todo tipo, inclusive nos radicalismos políticos e fundamentalismos religiosos, arregimentando muita gente aos extremos, equivocada e lamentavelmente convencidas de estarem mais próximas da verdade, sentindo-se no direito de produzir, segundo seus critérios, os ordenamentos necessários, e a implantação de uma justiça que é cega e incapaz de estabelecer a verdadeira dignidade que configura e define a pessoa.

O princípio sagrado e intocável da dignidade humana não permite que cada pessoa se pense como absoluta, edificada por si mesma, sobre si mesma e de si mesma dependente. A sociedade contemporânea está sendo levada por dinâmicas que estão alimentando reducionismos muito perigosos. Isso compromete o entendimento do sentido de dignidade, gera um enfraquecimento da fraternidade e incapacita para a solidariedade. Lamentável é o entendimento da consciência moral com a simples função de aplicação de normas gerais aos casos individuais da vida. A decomposição da consciência moral deve inspirar uma “trincheira” guerreando por sua recuperação. No caminho oposto, corre-se o risco de se produzir colapsos em série que inviabilizarão o futuro das sociedades. Crescerão as barbáries e os descompassos regerão a vida cotidiana, que se tornará, impulsionada pelo frenesi da vida moderna e das ganâncias, um lento suicídio coletivo, atingindo culturas, tradições e pessoas.

É preciso eleger como prioridade a permanente recomposição da consciência moral individual e comunitária. O inadequado tratamento dessa primazia é a produção de delinquências praticadas, tanto por “engravatados” quanto por “maltrapilhos”. Deve-se investir, de modo sério e profundo, em toda a esfera psicológica e afetiva de cada pessoa, bem como nos múltiplos contextos do ambiente social e cultural. Esse investimento, portanto, há de ter cada pessoa como destinatária. Seu encaminhamento concreto indica que o conjunto da sociedade precisa ser mapeado e tratamentos específicos precisam ser disponibilizados. Assim será possível alcançar um processo educativo e de recuperação dessa consciência moral perdida. Esse mapeamento se desdobra em vários capítulos, cada um com a tarefa de sensibilizar e buscar contribuições para resgatar pessoas e qualificar a cidadania.

Capítulo determinante desse processo são as reflexões sobre a realidade carcerária do Brasil, com seus 500 mil presos, em condições de contínua e acentuada perda da consciência moral, em razão das dinâmicas e das condições dos presídios. Uma realidade que envolve muitas situações, de diferentes matizes, e gera grande preocupação pelo que se está produzindo. O sistema prisional tem feito surgir contextos inadequados, atingindo famílias, presos que não deveriam estar no cárcere e até aqueles de alta periculosidade. Uma situação que se agrava diante da grande comunidade atingida por compreensões equivocadas ou ineficazes sobre a prioridade de se recuperar pessoas, permitindo-lhes recompor a consciência moral.

Esse capítulo, entre outros mapeamentos que a sociedade brasileira precisa considerar, é prioridade do Vicariato Episcopal para Ação Social e Política da Arquidiocese de Belo Horizonte, com sua Pastoral Carcerária, e de experiências exitosas como as Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (APACs), instituições que estão em diálogo com a sensibilidade social e comprometimento da ministra Cármen Lúcia Antunes, do Supremo Tribunal Federal. Um trabalho necessário pela certeza de que o Estado precisa de ajuda. É preciso o envolvimento de instituições especializadas em humanidade para recuperar dignidades e superar delinquências.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/dignidade-e-delinquencia

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

O Totalitarismo Relativista e a Destruição da Cultura

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

* Artigo de Padre Anderson Alves,
 sacerdote da diocese de Petrópolis – Brasil – e doutorando em
Filosofia na Pontificia Università della Santa Croce em Roma

‘Não restam dúvidas de que vivemos numa época relativista. Cada vez mais pessoas pensam que não há nenhuma verdade certa, ou que a verdade não seja conhecível, ou, o que é equivalente, que todas as afirmações são igualmente verdadeiras. Esse tipo de relativismo vem se impondo como pensamento único. Quem nega ser verdade que não exista verdade faz algo óbvio, à custa de ser chamado de prepotente, intolerante e antidemocrático; em uma palavra: um perigo público. Como dissemos em outra ocasião, vivemos numa cultura dominada não por um relativismo absoluto, algo essencialmente contraditório, mas sim por um absolutismo relativista[1]. 

O dito relativismo pode ser bem contemplado em um raciocínio frequente do chamado “pós-modernismo”. Afirma-se que todos os homens são iguais; por isso, quando dois homens possuem opiniões diversas, ambas devem ser tidas como verdadeiras, pois seria “antidemocrático” ou “politicamente incorreto” dizer que uns homens têm razão sobre outros.

Esse estranho raciocínio pretende ser relativista, mas supõe a existência de verdades firmes e incontestáveis: a igualdade essencial de todos os homens, a certeza de que a democracia é a melhor forma de governo possível e que o “politicamente correto” deve ser o padrão único de linguagem. Sendo assim, esse raciocínio expressa aparentemente o relativismo, mas se funda em dogmas bem sólidos.

De qualquer modo, o que aqui se expressa é que o critério de verdade deixou de ser a relação do juízo com a realidade conhecida e passou a ser a relação do juízo com a dignidade de quem o profere. Todo juízo deveria ser considerado igualmente verdadeiro (ou igualmente falso) só pelo fato de que foi realizado por um ser humano portador de uma dignidade intrínseca.

Com isso queremos mostrar que a forma de raciocinar relativista é profundamente contraditória, pois pretende negar o que supõe desde o princípio: a existência da verdade. Supõe, por exemplo, a verdade de que todos os homens são iguais em dignidade e, posteriormente, afirma que não existe nenhuma verdade.

O que importa é que essa forma de pensar relativista dá por certo que não há uma verdade e uma bondade intrínsecas às coisas. A verdade de cada coisa é a que cada um constrói, e o valor de cada uma é totalmente atribuída pelo sujeito. Mas qual seria a consequência desse tipo de pensamento?

Romano Guardini foi um autor que refletiu sobre esses temas e deu respostas diametralmente opostas. Em primeiro lugar ele constatou que algo presente em diversos momentos da história do pensamento é a afirmação de que o bem é a verdade de cada coisa, na medida em que se torna objeto do agir. Sendo assim, do que é verdadeiro em si surge a comprensão do que é realmente justo. O bem moral seria então o justo que brota da essência de cada realidade particular.

E, quando se reconhece a verdade das realidades em si mesma, se exclui da ética o “direito à arbitrariedade”, ou seja, o direito de agir com a natureza assim como se quer, impondo-lhe o dever de atuar segundo o próprio interesse. O dito “direito à arbitrariedade” seria intrínseco ao “existencialismo”, ao pós-modernismo e a outras formas de pensamento relativista. Por outro lado, se há uma verdade intrínseca às coisas, o bem é o que deve ser feito sempre, e equivale à verdade das coisas em si como tarefa para o agir moral. A verdade das coisas e do bem exclui então o direito à arbitrariedade, a qual é expressão de um puro voluntarismo.

E todo totalitarismo manifesta horror pela verdade, porque essa é a única força que destrói toda imposição arbitária na sua raiz. E a verdade das coisas é algo essencialmente democrático, pois pode ser conhecida por todos os que a buscam.

Todo regime totalitário, pois, está convencido de que não exista uma essência objetiva sobre as coisas, sobre a natureza, sobre as relações humanas e sobre a moral. Por isso o totalitarismo visa sempre difundir uma mentalidade relativista. Só assim pode manipular as pessoas segundo os próprios interesses. Romano Guardini viu isso no regime nazista, que negava a existência de normas morais certas e da verdade reconhecida por todos. Aquela tirania relativizava o que era aceito pacificimente por todos, absolutizando suas próprias ideias perversas, e impunha um regime de pensamento único, o qual está intrinsecamente ligado ao terror. Hoje vemos que o relativismo pretende que tratemos a verdade como se fosse mentira, e a mentira como se fosse verdade.

Entretanto, se as coisas são realmente inteligíveis e se o ser delas manifesta o bem a ser realizado, o homem se reconhece como um ser responsável pelo mundo. Ele deve conhecer a realidade que lhe foi dada para agir de modo responsável. Se há uma verdade que rege o agir moral, o homem não pode querer dominar a realidade com uma “vontade de poder” absoluta.

E a cultura nada mais é do que a capacidade de perceber a exigência que surge da verdade de cada coisa e a disponibilidade de lhe corresponder. «O homem deve decidir aceitar ou refutar a realidade. Ele é responsável por isso pelo fato de ser homem. Ser homem significa precisamente ser responsável pelo mundo»[2]. De fato, a dita responsabilidade, fundada na certeza de se poder alcançar a verdade sobre cada coisa, se manifesta na cultura.

Por outro lado, o relativismo, ou seja, a negação da verdade implícita de cada realidade como indicação de atuação, gera a destruição da cultura. Nada mais destrutivo do que o relativismo. Por outro lado, o homem culto é aquele capaz de distinguir os valores verdadeiros e os falsos, ou seja, conhece as realidades e o valor implícito de cada uma. O homem culto musicalmente, por exemplo, é aquele que conhece e valoriza as obras musicais realmente de grande importância.

O relativismo, no fundo, nega a verdade e a bondade das coisas e, fazendo isso, faz tudo se tornar indiferente.  E a dita indiferença destrói a cultura, a educação, a moralidade e a mesma sociedade. Se não há uma verdade e uma bondade em cada coisa, para que estudar? Para que se dedicar ao trabalho científico? Para que serve a arte se não para exprimir de forma singular e bela uma verdade e uma bondade conhecida? E como ser ético na vida profissional se não há nenhum bem conhecível?

Portanto, o totalitarismo relativista, que pretende dominar nossas sociedades, além de ser contraditório e autoritário é um verdadeiro obstáculo para o progresso humano, cultural, político e social das nossas sociedades.


Fonte :
[1] Cfr.: A. Alves, Relativismo absoluto ou absolutismo relativista. Disponível em:  http://www.zenit.org/pt/articles/relativismo-absoluto-ou-absolutismo-relativista

[2] Romano Guardini, Etica, Editrice Morcelliana, Brescia 2003, pp. 53-54.