Por Eliana
Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo
de Simcha Fischer,
palestrante e escritora
Tradução : Ramón Lara
‘Joe
Heschmeyer já teve tanta certeza de sua vocação para o sacerdócio que esqueceu
que devia discernir seu chamado. Todos ao seu redor pensavam que devia ser
padre. Sua mãe, como descobriu mais tarde, ofereceu Joe ao Senhor quando
criança, como Ana fez no Antigo Testamento. Heschmeyer escrevia sobre sua
vocação frequentemente em seu blog Shameless popery, falando de sua
ordenação como se fosse inevitável. As coisas estavam indo tão bem que perdeu a
noção de que estava no seminário para pensar e refletir sua vocação.
‘Logo
depois que entrei no seminário (2011), parei de perguntar a Deus se era isso
que ele queria. Senti que a pergunta já havia sido respondida. Minhas notas
eram boas, eu era querido por todos, tudo o que era da dinâmica interna do
seminário parecia estar bem. Parecia uma validação suficiente da minha vocação.
Esqueci de perguntar a Deus : ‘Ainda estamos no mesmo projeto?’’, disse
Heschmeyer.
Somente
depois que alguns amigos e familiares compraram passagens de avião e reservaram
quartos de hotel para sua ordenação diaconal é que Joe começou a sentir alguma
dúvida. Ele tentou atribuir suas apreensões ao ‘nervosismo de última hora’,
mas uma nuvem de inquietação pairava sobre sua cabeça. Joe ficou pensando no
ônibus, no caminho de volta de um retiro.
‘O
arcebispo estabelece um tempo para falar com o seminarista antes da ordenação.
Uma espécie de conversa, onde você pode compartilhar o que estiver em seu
coração. Geralmente é um tempo muito curto, por respeito – uma coisa de 10
minutos. Fiquei lá por meia hora, falando de todas essas dificuldades’. O
arcebispo imediatamente assegurou que, se tivesse alguma dúvida, podia esperar
mais tempo antes de fazer o compromisso final.
‘Foi
uma carga tremenda que foi tirada dos meus ombros, uma experiência
esclarecedora e dolorosa. Percebi que estava feliz por não estar sendo
ordenado. Não era o que eu queria sentir, ou esperava sentir’, disse Joe.
Ele
decidiu pedir um tempo para depois considerar voltar a participar da formação
no seminário – um plano que, segundo o padre Matt Mason, diretor de vocações da
diocese de Manchester, Nova York, não é incomum. Mas nove dias depois de um
retiro de 10 dias, Joe sabia com certeza que não queria ser padre.
Sair
do seminário ou da vida religiosa pode parecer liberdade ou desorientação,
rejeição ou clareza. Para muitos, a experiência acaba gerando frutos de autoconhecimento
e um relacionamento mais profundo com Deus. Mas primeiro vem o sofrimento.
‘Discernir’
é um processo amplo e extremamente mal compreendido, e muitos católicos veem
isso como um sinal de fracasso, e não como realmente é : uma maneira de responder
ao chamado de Deus para outra vocação. De acordo com um relatório do Centro de
Pesquisa Aplicada no Apostolado, da Universidade de Georgetown, cerca de 74%
dos seminaristas da turma de 2019 completaram quatro anos de seminário
universitário, o que significa que 179 dos 695 homens que começaram o estudo
avançado de teologia em 2015 não continuaram seus estudos. Segundo o padre
Mason, a maioria das pessoas que sai do seminário o faz depois de dois ou três
anos. ‘Estar no seminário não é o equivalente a se casar com a Igreja’,
disse o padre Mason. ‘Sair do seminário pode ser considerado um divórcio,
mas você ainda não está nesse tipo de relacionamento. É mais parecido com um
namoro’. E é um relacionamento que qualquer das partes é livre para romper,
disse.
Os
homens que vivem a formação para serem padres diocesanos normalmente passam de
seis a oito anos no seminário (depois passam um ‘ano pastoral’
trabalhando em uma paróquia como diáconos) antes da ordenação; e as mulheres geralmente
passam de cinco a sete anos (com algumas exceções) vivendo em uma comunidade
religiosa antes de sua profissão final de votos. Deve ser um tempo de formação
e discernimento, um tempo para aprender sobre a vida que podem levar
permanentemente e, com orientação espiritual, para decidir se Deus quer que
fiquem para sempre ou se os chama a outra coisa.
Joe
ficou envergonhado ao dizer a sua família, amigos e leitores do blog que estava
saindo do seminário. ‘Provavelmente parecia que estava tendo uma crise de
fé, apesar de estar fazendo o que parecia que Deus estava me chamando para
fazer. Eu estava dando um passo na fé que pareceria o contrário. Parecia algo
totalmente oposto ao plano de Deus’, disse.
Época de transição
Para
Madalena Visaggio, deixar o seminário foi o primeiro passo para uma transição
ainda maior. Como seminarista, ela se identificava como homem. Vários anos e
escolhas difíceis depois, agora se identifica como mulher. Visaggio, agora
escritora de quadrinhos, com um programa de televisão que foi ao ar no SyFy
Channel em 2020, já quis se tornar padre ou pelo menos tentou
descobrir se deveria. Seu tempo no seminário foi curto, mas sua saída não
aconteceu porque ela não se esforçou por ficar.
‘Ainda
me encontro com pessoas que agem como se eu tivesse deixado a Igreja por que ficou
difícil. Mas não é verdade. Eu fiz meu dever. Tentei ficar. Mas eu não podia’,
disse Visaggio.
Ela
estava falando de sua decisão final de deixar a fé, mas muitos homens e
mulheres usam palavras semelhantes ao falar sobre sua decisão de deixar a vida religiosa.
Foi uma agonia decidir sair, trouxe vergonha e alívio, que vieram com apoio e
condenação; mesmo quando sabiam que era a coisa certa a fazer, não estava claro
o que se fazer.
‘A
última vez que fui à missa foi na Páscoa de 2017. No dia seguinte, segunda-feira,
estava voltando do trabalho para casa. Era um dia brilhante e bonito. Sentei-me
nos degraus do Bom Pastor em Inwood [Manhattan] e tive uma conversa sobre
separação com Deus’, disse Visaggio.
Para
Visaggio, ingressar no seminário foi uma tentativa de tomar um caminho após
anos de deriva. Ela se converteu ao catolicismo quando adolescente. Foi uma
autodidata da fé e esteve fortemente envolvida no ministério leigo quando ainda
se identificava como homem. Visaggio disse que muitas pessoas sugeriram que
entrasse no seminário. Após 10 anos de receio, Visaggio tomou a iniciativa.
Seu
semestre e meio no seminário ‘começou muito positivo e cada vez mais foi se
tornando um tormento’, disse. ‘A formação que recebemos foi excelente. A
vida litúrgica era robusta. Amei fazer a Liturgia das Horas. Adorei as missas
matinais e noturnas. Amei as noites de oração e alguns dos sacramentos. Amei a
adoração’, aponta Visaggio. Mas também foi impiedosamente intimidada e se
sentiu intensamente deslocada, social e espiritualmente. Esse sentimento de não
pertencimento realçou sua crescente necessidade de lidar com sua identidade,
mas sabia que não podia fazer isso no seminário.
Um
ponto positivo : o reitor deixou claro, cedo e frequentemente, que sair não era
um fracasso. O seminário era algo para experimentar, um tempo para discernir; e
muitos homens foram embora. ‘Nunca houve vergonha ou julgamento nisso’,
destaca Visaggio.
Quando a decisão não é
sua
Isso
parece o ideal. Porém, assim como no namoro, quando apenas uma parte deseja
interromper as coisas, o processo pode ser doloroso, mesmo quando apropriado.
Jessica
Packard, que agora administra os programas para jovens e grupos no zoológico de
Kansas City, não teve escolha sobre seu futuro quando era noviça. ‘Basicamente,
elas me chamaram para falar e me expulsaram. Foi como um fim de relacionamente,
uma dessas conversas : ‘você será mais feliz fora’. Mesmo assim, não teve
conversa’ – disse.
Packard
agora vê que não pertencia à ordem e que provavelmente entrou na vida religiosa
pelas razões erradas. Sendo a mais velha de sete filhos, passou o primeiro ano
de faculdade bebendo e festejando, vivendo desordenadamente a vida. Ela acha
que seu desejo de ingressar em um convento foi parcialmente uma correção
exagerada de seus excessos e, por outro lado, uma tentativa desesperada de
evitar responsabilidades.
A
impressão dela sobre a vida religiosa era que ‘quando você entra, você vive
uma vida boa. Você recebe suas atribuições e responsabilidades. Apenas usar uma
camisa de mangas compridas ou de mangas curtas foi a sua maior decisão. No
final, acho que estava fugindo da tomada de decisões’, disse Packard.
No
início, sua decisão de participar parecia uma predestinação. Ela percebia e
sentia continuamente proximidade com o fundador da ordem, em sua vida diária,
como sinais irrefutáveis de Deus. Pouco antes de vender o carro e doar suas
roupas, mandou uma mensagem para o diretor de vocações e brincou dizendo que
sentia que o fundador a estava perseguindo. ‘Vou tomar essa grande decisão e
pronto’, disse a si mesma.
Packard
durou 61 dias. Ela adorava muitos aspectos da vida no convento, mas
frequentemente entrava em conflito com suas superioras e questionava regras
escritas e não escritas da vida no convento. Relutante em admitir para si mesma
o quão miserável se sentia, Packard ficou chocada quando as irmãs na liderança
de sua comunidade disseram que devia ir embora. Durante o rosário, pediram para
ela entrar na lavanderia, onde reuniões importantes aconteciam, e comunicaram a
decisão. Ela não teve permissão para se despedir de suas amigas. Apenas uma das
irmãs trouxe uma xícara de sopa para que comesse sozinha.
‘Isso
foi às 17 horas. Eles disseram : ‘Vamos acordar às 6 horas e levá-la ao aeroporto’’,
disse Packard. Enquanto abomina a maneira como o convento manejou sua partida,
também acredita que as irmãs pensavam que estavam fazendo o possível para
evitar que ela fizesse um show. ‘Acho que pensaram que estavam
lidando bem com isso’, disse Packard. ‘A Igreja é santa, mas é composta
de seres humanos, da mesma forma as ordens religiosas’. Essa prática de
escoltar abruptamente as mulheres em segredo é cada vez menos praticada, mas
continua em algumas comunidades.
Também
já foi comum nos seminários, mas muitos diretores vocacionais agora tentam dar
mais ênfase à liberdade e à transparência. ‘Em épocas anteriores, poderia
ter acontecido que um homem desaparecesse no meio da noite, mas hoje somos mais
abertos sobre essa pessoa que decide sair; desejamos o melhor para eles e os
mantemos em oração’, disse o padre Mason.
Packard
disse que não se arrepende de seu tempo no convento, embora ainda guarde rancor
contra o fundador. ‘Eu meio que penso [em minha experiência na vida
religiosa] como se tivesse sido um retiro muito longo. Faço uma oração : ‘Seja
feita a vossa vontade’. Esse tem sido o meu mantra desde então. Quando não
consigo pensar em palavras para orar, continuo orando : ‘Seja feita a vossa
vontade’’, disse.
A
transição de Packard na volta à vida secular foi dolorosa. Voltou para a
faculdade e ingressou em uma irmandade que, resumidamente, a expulsou após três
semestres. ‘Eu não pretendo estar perto de grandes grupos de mulheres’,
riu.
Packard
agora se vê como uma espécie de embaixadora para outros católicos que não se
encaixam em um molde de piedade e decoro. ‘Eu não me apresento. Olá, sou
Jess. Fui expulsa de um convento. Mas estou disposta a compartilhar minha
experiência, especialmente com jovens em discernimento’, disse ela. Algumas
das meninas que ouviram seu testemunho entraram na vida religiosa, e ela se
orgulha disso.
Em busca de apoio
Uma
transição difícil para a vida secular é comum para as mulheres que abandonam a
vida religiosa, principalmente se deixaram o convento de forma involuntária e
abrupta. ‘Essa experiência de formação intensa deixa uma marca’, disse
Penny Renner, que administra o blog da Leonie’s longing, uma
organização pequena, mas internacional, fundada para apoiar pessoas que
deixaram a vida religiosa.
Renner,
que deixou o convento aos 24 anos, disse que muitas mulheres saem com uma vida
espiritual ferida. ‘A vocação das religiosas é ser a esposa de Cristo. É uma
missão que vai direto ao âmago da natureza feminina. As mulheres nos procuram
imaginando que falharam com Deus ou que Deus as rejeitou. Elas se perguntam :
Por que Deus me chamou para isso e depois me mandou embora?’, disse Renner.
A
organização promove a ideia de que as mulheres que saem da vida religiosa não
foram rejeitadas por Deus. Também oferece ajuda mais tangível, incluindo
treinamento profissional e orientação financeira. ‘Uma mulher que está em um
convento há muitos anos pode nem saber como comprar um telefone quando sai’,
disse Renner.
‘O
problema de desistir de tudo [para participar desse outro projeto] é que você
precisa começar do nada [se sair da vida religiosa]. Nosso trabalho é ajudá-los
a expandir sua rede de apoio’, aponta Renner. Os escritórios vocacionais
são orientados para as pessoas que estão entrando, mas muitas vezes não existe
um programa formal para acompanhá-las se deixarem o seminário ou convento,
acrescentou. ‘Há uma crescente conscientização de que essa é uma área de
necessidade’, disse.
O
desejo de Leonie é ajudar principalmente as mulheres, embora esteja aberto a
apoiar homens. Não parece haver uma organização comparável com foco em
ex-seminaristas. O padre Mason disse que, como diretor de vocações, faz um
esforço para acompanhar os homens que foram embora e manter contato, se for
isso o que eles querem. ‘Não vamos simplesmente largá-los e dizer ‘boa sorte’’,
disse Mason.
O
padre também vê como parte de sua missão educar os colegas católicos de um
seminarista sobre o que significa discernir uma vocação, para que haja menos
julgamento e mais apoio quando alguém sair. Mas é difícil explicar a alguém que
nunca esteve no seminário ou no noviciado como é sair.
Renner
disse que homens e mulheres podem se sentir à deriva depois de sair, mas, em
sua experiência, os homens parecem mais propensos a gerenciar sua saída como um
problema a ser resolvido, enquanto as mulheres percebem a saída como um
julgamento a si mesmas. Elas frequentemente se retiram por um tempo,
especialmente se viveram enclausuradas. Muitas mulheres ficam deprimidas,
dificultando a construção de uma nova vida.
Leonie’s
Longing ajuda a conectar as mulheres com os cuidados de saúde mental e, se
necessário, com instituições de caridade locais e com conselheiros de carreira.
As mulheres atendidas procuraram a organização porque lutam com a reentrada na
vida secular. Mas algumas transições são mais complexas do que outras.
Carrie
Chuff, que esteve enclausurada por cinco anos, como Packard, saiu do convento
sem roupas, bens ou perspectivas de emprego. Eles devolveram o depósito de U$
500 que ela lhes deu quando entrou e acrescentaram outros U$ 500 para ajudá-la
a se levantar, mas Carrie se sentiu irremediavelmente em defasagem em
comparação com as colegas quando se encontrou na vida secular. Mas enquanto a
saída de Chuff, como a de Packard, foi mantida em segredo, sua partida se deu
por uma escolha pessoal. A partida parecia mais liberdade, do que rejeição.
‘Eu
me senti tão livre. Estávamos dirigindo... o sol estava nascendo e eu queria
sair [da cidade] antes do amanhecer. Tínhamos um céu dourado, a coisa mais
linda que eu já vi. Senti tanta liberdade e paz. Foi glorioso. Foi um presente
de Deus’, disse Chuff.
Ela
tinha 18 anos quando se juntou à ordem religiosa. Embora tivesse alguns medos,
sentiu-se atraída por tornar sua vida um presente para Deus. ‘Eu queria
oferecer minha vida como sacrifício pela conversão dos pecadores. Queria estar
completamente à disposição de Deus. Realmente me apaixonei por Deus na sétima
série e queria doar minha vida a ele. A melhor maneira de fazer isso, talvez a
única, era me tornar religiosa’, lembra Chuff.
Mas,
surpreendentemente, ninguém a avisou de que as irmãs da comunidade em que
entrou mantinham o silêncio absoluto, exceto nos dias de festa. Ela estava
preparada para uma vida de obediência e rigor, mas não para a angústia que cada
vez mais a engolia. Carrie tentou se adaptar, pensando que era a vontade de
Deus. ‘Tentei me tornar muito maleável. Olhando para trás, as coisas não
estavam como deveriam. Talvez eu fosse maleável demais’, apontou.
Ela
percebeu no primeiro ano que não pertencia mais à ordem, mas ignorou os sinais,
esforçando-se para continuar adaptando-se para ‘se tornar mais santa’,
disse. ‘Eu tinha muito medo de decepcionar as pessoas, de desapontar a minha
família, à paróquia. Tinha medo do que as pessoas pensariam. Esse medo me fez
ficar muito mais tempo do que eu devia ter ficado’, disse Chuff.
Suas
superioras passaram a depender da esperta e competente noviça e fizeram
acomodações extraordinariamente generosas para ela, esperando que suas dúvidas
fossem uma tentação. ‘Elas estavam abertas a me ajudar, mas era mais para me
ajudar a ficar, em vez de me ajudar a discernir se eu tinha uma autêntica
vocação religiosa, em primeiro lugar’, destacou Chuff.
A
depressão de Chuff finalmente se tornou insuportável. Extenuada, tremendo de
medo, ela disse à madre superior que queria ir para casa. Ligou para a mãe e
ficou animada, partiu sem dizer adeus.
Uma
das irmãs, sentindo o que estava acontecendo, puxou uma conversa no corredor e
exigiu saber se estava saindo. Chuff admitiu que sim. ‘Ela me deu um grande
abraço e me disse : ‘Você tem a coragem de fazer o que eu nunca fiz.’ Isso
partiu meu coração. Sempre me lembrarei disso’.
Chuff
agora está bem, casada, tem seis filhos e é amiga de algumas das outras
mulheres que deixaram o mesmo convento. Apesar da dor daqueles cinco anos, ela
não acha que seu tempo no convento tenha sido desperdiçado.
A
ordem organizava retiros regulares para os leigos e ela aprendeu silenciosamente
não apenas ideias espirituais, mas lições sobre a vida conjugal e familiar. ‘Eu
sei que Deus trabalhou nisso. Eu nunca sinto que sou um fracasso. Sou grata
pelo meu tempo lá. Isso me transformou em quem eu sou agora’, disse Chuff.
Para
Heschmeyer, também, a formação que teve no seminário foi inestimável, mesmo que
o tenha levado em uma direção inesperada. ‘Está certo continuar, mas seguir
a voz de Deus não significa que esse caminho acaba. Deus precisa mais dos
santos do que dos sacerdotes’, disse.
O
padre Mason também aponta que as vocações não consistem simplesmente em uma
decisão ou um momento no tempo. ‘Deus nunca para de nos chamar, mesmo dentro
de nossas vocações’, disse o padre Mason.
Um chamado dentro do
outro
A
direção desse chamado pode ser surpreendente. ‘Eu tive que voltar para a
casa dos meus pais. Não era onde eu esperava me ver com 30 anos’, disse
Heschmeyer. Rapidamente aceitou um emprego em uma escola confessional, onde sua
carreira lhe permitia evangelizar como faz um padre, mas sem as dores de cabeça
dos deveres administrativos.
E
imediatamente depois que saiu do seminário, voou para Phoenix para fazer uma
visita surpresa a uma amiga com quem havia interrompido o contato quando
tentava discernir o sacerdócio. Quando apareceu na porta dela pedindo para
namorar, ela nem sabia que havia saído do seminário.
‘Havia
muitas surpresas reunidas em uma só’, disse Heschmeyer. ‘Felizmente, ela
disse que sim, do contrário, poderia ter sido uma viagem extremamente triste’.
Os dois namoraram por três meses e depois se casaram. Eles agora têm um filho.
Heschmeyer
sabe que seu relacionamento levantou algumas sobrancelhas e algumas pessoas
podem suspeitar que ele deixou o seminário por uma mulher. Mas não é assim,
disse. ‘Não pensava que se Anna dissesse que não, eu voltaria [para o
seminário]. Acho que fui chamado para me casar e, se for verdade, sei qual
porta bater’, acrescentou.
Heschmeyer,
como Chuff, disse que as coisas que aprendeu ao discernir a vida religiosa acabaram
ajudando-o em sua vida de casado. Sua esposa chama o seminário de ‘escola de
charme para homens’, onde aprendeu etiqueta e tato, e também ganhou alguma
maturidade psicológica.
‘Aprendi
a levar a vida emocional a sério. Você tem que entrar nesses lugares internos
assustadores e desconfortáveis e ser totalmente humano, e não ser cabeça
fechada. O seminário me fez confrontar e tratar a vida de maneira adulta’,
disse Heschmeyer.
Esse
processo de auto-descobrimento começa antes mesmo que um homem entre no seminário.
O processo de ingresso leva muitos meses e nem todos são convidados a entrar. ‘Não
aceitamos pessoas do nada’, disse o padre Mason. Sua diocese geralmente se
familiariza com um candidato muito antes de permitir sua entrada, disse, e o
próprio processo de ingresso é longo e intenso. Para ordens religiosas, como os
jesuítas, o processo de admissão é ainda mais cansativo.
O
padre Philip Florio, S.J., diretor de vocações das duas províncias da Costa
Leste dos jesuítas, disse que os aspirantes se submetem a uma avaliação em
várias etapas, às vezes durante um ano, antes mesmo de serem convidados a
ingressarem. Os candidatos trabalham com um diretor espiritual, um diretor de
vocações e um acompanhante espiritual. Eles oram em uma comunidade, fazem
retiros e encontros.
Seis
meses depois, um possível seminarista escreve uma autobiografia espiritual de
12 a 15 páginas e passa por uma entrevista de cinco horas para revisar a
história familiar e pessoal, o desenvolvimento pessoal, espiritual e
psicossexual, o relacionamento do aspirante com a Igreja e seu entendimento
sobre o sacerdócio. Em seguida, inicia o processo formal de entrada de quatro
meses, culminando em entrevistas com três jesuítas e uma leiga.
‘Insistimos
que seja uma mulher porque 50% da Igreja é feminina. Se você não pode falar com
uma mulher, não estamos interessados’, disse o padre Florio. Mesmo se um
candidato for aceito e entrar, nada é conclusivo. ‘Os aspirantes ainda
entram e saem’, explica. Sua liberdade para fazê-lo é primordial. ‘O
Espírito Santo trabalha em liberdade, e nós honramos essa liberdade’, disse
o jesuíta.
A
ordem espera que, se os candidatos forem embora, seja em termos amigáveis, com
uma maior clareza sobre suas próprias vidas.
Madalena
Visaggio experimentou essa clareza quando deixou o seminário. Embora finalmente
tenha rejeitado a maneira como a Igreja avalia os atos morais, disse que o
tempo que passou no seminário foi, em última análise, esclarecedor
psicologicamente.
‘Acho
que precisei passar por esse processo para me forçar a realmente levar a sério,
pela primeira vez, o que estava acontecendo na minha cabeça. Mesmo tendo tomado
algumas decisões ruins depois que saí, pelo menos tomei decisões. Estava
morando com minha futura ex-esposa menos de um ano depois de sair. Começaria a
faculdade e me casaria dentro de dois anos e meio. Foram todos grandes erros,
mas é incrível o fato que eu os cometi’, disse Visaggio.
Visaggio
lembra particularmente os cuidados que um padre lhe ofereceu depois que se
assumiu como trans. ‘Ele apenas me deixou falar sobre isso e perguntou como
eu estava me sentindo. Ele não partiu de uma posição de crítica, mas de cuidado
pastoral. Ainda estou em contato com ele. É um homem maravilhoso’, disse.
O
Leonie’s Longing foi fundado precisamente para oferecer essa escuta crítica e
muitas mulheres entram em contato com o grupo simplesmente para expressar
gratidão por essa comunidade existir. ‘Elas dizem : É a primeira vez que me
entendo’, aponta Renner.
‘Para
mim, a coisa mais curativa de fazer parte de uma comunidade [é que] posso ver
que são mulheres generosas, talentosas e adoráveis. Olho para elas e não
consigo pensar : ‘Essas são as mulheres que Deus rejeitou’. E se eu não consigo
pensar nisso, também não consigo pensar em mim como uma mulher rejeitada por Deus’.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1457252/2020/07/quando-um-catolico-deixa-o-seminario-ou-a-vida-religiosa/