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terça-feira, 7 de março de 2023

Fé e razão se unem em novo site

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Zoe Romanowsky

 

‘A fé e a razão são como as duas asas sobre as quais o espírito humano se eleva rumo à contemplação da verdade, afirmou São João Paulo II já na abertura da sua célebre encíclica ‘Fides et Ratio’ (A Fé e a Razão). O pontífice completou que Deus inseriu no coração humano o desejo natural de conhecer a verdade, o que abrange conhecer a si mesmo e a Deus, a fim de chegar à plenitude.

A fé é irracional? A fé não é razoável? Há quem se faça essas perguntas e há quem as transforme em afirmações acusatórias, tachando a fé, a priori, de anticienfítica e antirracional.

Ocorre que a teologia católica promove a racionalidade e a ciência, provocando perguntas instigantes e cultivando a tradição do diálogo entre a fé e a razão, sem que uma rejeite a outra de modo… irracional.

Nunca é preciso deixar a razão de lado para abraçar o dom da fé – do contrário, se cairia no fanatismo. Em paralelo, a fé vai além da razão ao dar crédito, de modo razoável e crítico, a mistérios que a razão não consegue desvendar sozinha, mas que, ao mesmo tempo, são plausíveis e compatíveis com a razoabilidade. Pode existir Deus? Pode existir o espírito? A fé, de modo compatível com a razoabilidade e a racionalidade, tem a legítima prerrogativa de dar crédito a essa possibilidade plausível, ainda que a razão não disponha de provas incontestáveis nem da sua existência, nem da sua inexistência.

Este princípio das ‘duas asas’, na fé católica, está na base de um novo site lançado recentemente pela Universidade Franciscana de Steubenville, nos Estados Unidos. O site Faithandreason.com facilita para um público mais amplo o acesso a fascinantes recursos católicos da Universidade, tais como :

  • Episódios completos e recentes do programa Franciscan University Presents, transmitido pela rede católica EWTN, sobre uma variedade de assuntos teológicos e culturais. O programa é apresentado pelo padre Dave Pivonka, presidente da Universidade Franciscana, com os professores de teologia Dr. Regis Martin e Dr. Scott Hahn. Há participação de convidados como o arcebispo dom Salvatore Cordileone, Noelle Mering e o padre Gerald Murray.
  • Histórias da Franciscan Magazine destacando perfis de acadêmicos, alunos e ex-alunos, eventos atuais e históricos, teologia e muito mais.
  • Podcasts da Universidade Franciscana, incluindo o Legends From the Hill, mantido por ex-alunos, e o They That Hope, apresentado pelo padre Pivonka e pelo professor de catequese diácono Bob Rice.

Além disso, um novo podcast baseado no programa Franciscan University Presents adaptará episódios do original televisivo para o formato somente áudio, permitindo que os ouvintes desfrutem de conteúdos sobre oração, doutrina da Igreja, questões sociais, entre muitos outros.

‘Estamos muito entusiasmados com o lançamento do site Fé e Razão, da Universidade Franciscana, e com a oferta de conteúdo católico para formar, evangelizar e incentivar as pessoas a mergulharem fundo na sua jornada de fé e a crescerem no seu amor por Jesus Cristo’, declarou Kimberly Sponseller, diretora executiva de Marketing e Comunicações da Universidade Franciscana.

O site deverá crescer continuamente em seções e conteúdos, completou ela. ‘Adicionaremos regularmente novos vídeos, artigos e outros conteúdos ricos da fé católica, junto com os principais teólogos, estudiosos, evangelizadores e palestrantes convidados, para que o nosso público católico desfrute e se edifique sempre mais.’’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2023/03/03/fe-e-razao-se-unem-em-novo-site/

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Razão, história e fé: algo sobre o percurso de Joseph Ratzinger

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
Cardeal Joseph Ratzinger antes de sua eleição como papa

*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante

 

Pensar a própria fé é uma tarefa teológica. Toda e qualquer pessoa que se propõe a se debruçar sobre a teologia precisa estar disposta a fazer esse exercício. Ao mesmo tempo, a fé deve ser compreendida como um movimento vivo, sempre tendo clareza de que a teologia se faz a partir de questões de nosso tempo. Toda teologia que não acompanha seu tempo tende a não cumprir seu papel e se mostrar como sistema morto para o momento em que se está.

Ratzinger exemplifica muito bem essa situação ao utilizar o conto de Kierkegaard, colocando o teólogo como um palhaço sem máscara que tenta avisar uma aldeia que o circo no qual trabalha está a pegar fogo e este atingirá a cidade se nada for feito. Por acharem que o palhaço está a fazer palhaçadas, todos da aldeia não lhe dão atenção. Como consequência, o circo pega fogo, a cidade pega fogo e todos morrem.  O mesmo drama que sofre o palhaço ao ver que não lhe dão ouvidos, assim também sofre o teólogo no mundo de hoje ao tentar expor sua fé com a antiga roupagem medieval (RATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo. 1970, p.9).

Vemos em Ratzinger a preocupação com essa teologia que deve ser atualizada para o mundo contemporâneo e que sirva de base para diversos cristãos que querem responder a respeito de sua fé.

Na atualidade, por sua vez, é possível perceber certo movimento duplo: ao mesmo tempo em que há grande valorização daquilo que é comprovável pela ciência e pode ser tangível, também há a busca constante das experiências espirituais por parte do ser humano contemporâneo. A sociedade de hoje busca a experiência, o novo, o diferente, como que em uma tentativa feroz de sair daquilo que pode ser visto e cientificamente provado.

É comum surgir novos movimentos que propõem a explicação do Universo, o encontro consigo mesmo, a interação com a natureza. Diante disso, poderíamos nos perguntar : haveria nessa atitude impressa a necessidade da busca por algo que transcende a nós mesmos? Estaria nossa sociedade cansada de tanta comprovação e partiria a buscar algo que não pode ser explicada pela via científica e histórica? Terá nossa sociedade a necessidade de algo que seja mistério, somente experimentado pelo mais profundo do ser?

Ratzinger, por sua vez, está longe de ser um místico no sentido comumente pensado do termo. Todo aquele que se dispuser a ler suas obras com atenção perceberá que a intenção de nosso teólogo é fazer a conciliação entre razão, história e fé. Esta talvez pode ser caracterizada como uma de suas principais bandeiras ao longo da trajetória como teólogo. Porém, ao mesmo tempo em seus escritos, revela-se como alguém que vê com grande valor a experiência de fé.

Dessa forma, Ratzinger se mostra como teólogo que busca de alguma maneira contribuir para o enriquecimento da fé cristã, seja por meio da grande pesquisa científica que faz, seja pelo grande interesse que tem em propor um relacionamento pessoal com Jesus Cristo para todo aquele que se dispõe a Segui-lo.

Revisitar o pensamento de Ratzinger se mostra de grande valia para o cristianismo contemporâneo, visto seu esforço enquanto teólogo ter se mostrado como tentativa de trazer a fé cristã para um mundo que não está mais na cristandade, mantendo o comprometimento intelectual demandado pelo nosso tempo e uma fé genuína, ancorada na pessoa de Jesus Cristo.

Caso o leitor e a leitora desse pequeno texto tenham interesse em conhecer mais sobre a obra de Ratzinger, recomendo seu livro Introdução ao Cristianismo, elaborado com base nos cursos de verão dados em 1967, bem como sua trilogia escrita a partir de 2005, Jesus de Nazaré.

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1511634/2021/04/razao-historia-e-fe-algo-sobre-o-percurso-de-joseph-ratzinger/

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Dissonância cognitiva, razão e fé


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 A dissonância cognitiva ocorre (muitas vezes, na vida de todos nósÂ…) quando as nossas ideias, as nossas crenças e as nossas convicções não convergem com aquilo que a realidade, interior ou exterior a nós, nos devolve.
*Artigo de João Carlos de Matos Paiva,
professor


‘Aprecio muito a ideia de ‘dissonância cognitiva’. O conceito foi inicialmente desenvolvido em meados do século XX pelo psicólogo americano Leon Festinger e entrou com alguma generalidade no léxico das ideias, do aprofundamento das relações humanas e das psicoterapias.

A dissonância cognitiva ocorre (muitas vezes, na vida de todos nós…) quando as nossas ideias, as nossas crenças e as nossas convicções não convergem com aquilo que a realidade, interior ou exterior a nós, nos devolve.  Face a esta ocorrência dissonante, há várias respostas e atitudes. O perigo maior é o autoengano, as autoexplicações e autojustificações que, não raras vezes, nos levam a perpetuar a própria dissonância cognitiva. Alguns exemplos :

1- Um ‘clássico’ de dinamismo dissonante está patente na fábula da raposa e das uvas. Na impossibilidade real de comer as uvas e face a um desejo que não quer ser totalmente assumido, a raposa diz que elas são amargas e verdes. Não é difícil imaginarmos as ‘uvas verdes’ que invocamos para múltiplos desejos que não alcançamos, materiais ou outros. Pode ser o carro da vizinho (que para assumirmos para nós próprios a impossibilidade de o ter, dizemos que afinal não presta), a roupa daquela conhecida que afinal até consideramos que é de mau gosto (que eu não posso ter) ou (in)sucesso do filho da minha colega de trabalho entre os seus pares (que contrasta com o fracasso social do meu filho).

- Imaginemos alguém que frequenta uma medicina alternativa excêntrica ou mesmo uma curandeira e que, para o efeito, investe muito dinheiro. Se a realidade não oferecer objetivas melhoras de saúde, gera-se um quadro de dissonância cognitiva e uma das fugas mais frequentes é uma autojustificação, mesmo que desfasada da realidade. Já que investi muito nisto, e não podendo derrapar em dissonância, direi a mim próprio e aos outros que esta solução (onde apostei muito) é mesmo boa. Convenço-me disso e atenuo a dissonância…

- Outro caso típico situa-se no plano amoroso : o investimento (e insistência) em relações amorosas com pouco futuro. Muitas vezes estes casos andam de mão dada com instintos salvadores. Contra tudo e contra todos, investi neste relacionamento… ele trata-me mal e consome drogas mas (porque investi muito e tipicamente avancei solitariamente e negando a realidade) justifica-se esta relação, que vai vingar (vou ‘acertar-lhe o passo’). Prefiro esta justificação para continuar o investimento e estabelecer assim a coerência interna daquilo que, na realidade, é uma disfunção.

O filósofo Nietzsche tem um termo central na sua obra que, de alguma forma, se relaciona com a dissonância cognitiva. Trata-se da transvaloração. De alguma forma, está em causa a passagem deste dinamismo de dissonância cognitiva para a própria história e que podemos ligar à famosa morte de Deus.

Dos confrontos interessantes e desafiadores que vou tendo com o mundo da não crença, destaco a invocação dos meus amigos ateus de que me encontro em dissonância cognitiva, no que diz respeito à religião. O argumento é este : inventei Deus, investi muito nessa ilusão; muito tempo, ideias, argumentos, energia, vida. Mesmo que a realidade me devolva a (óbvia, para eles) ausência de transcendência, irei autojustificar a minha crença, mesmo contra os fatos. Ajuda muito nesta tese o próprio confronto com a ciência que, alimentando-se de fatos positivos e objetivos, ‘prova’(…) que não há espaço para a fé. Deixo para outra ocasião a ideia de que o entendimento da ciência num quadro epistemológico correto, nos abre espaço a outras perguntas, que transcendem a própria ciência. Isto é, a ciência, bem entendida, exprime um construto humilde e consciente dos seus limites. Por agora gostaria de me concentrar no exercício autocrítico e aberto de confronto com esta ideia (que me é colocada bastantes vezes, por amigos ateus, num contexto que considero de genuína honestidade intelectual), de que nós, os crentes, inventamos um Deus que nos coloca em dissonância cognitiva mas que, para não perder o pé, justificamos a todo o custo. Alguns apontamentos :

a) mais do que a lógica de combate, importa, nesta discussão, desenvolver a empatia e sentido de diálogo. Este traço de leitura face à religião parece-me compreensível e com bastantes pontos fortes e (contra)testemunhos do lado católico.

b) mais ainda, trata-se de um argumento que muitas vezes nos surge a nós mesmos, enquanto pessoas de fé. A crença num Deus, mesmo que num Deus de amor, como se revela em Cristo, pressupõe constantemente risco e dúvida. O nosso tateamento de Deus é sempre entrelaçado num dinamismo de revelação, isto é, com entreposição de um véu, onde ‘se vê’ translucidamente.

c) a resposta a esta argumentação tem uma frente bastante útil : a razão. Temos o dever de dar razão à nossa fé. A tradição da Igreja, desde os tempos da cristificação do logos grego e revitalizada por muitos seres brilhantes ao longo da história (Agostinho, Tomás de Aquino, Chardin, Ratzinger, para citar alguns) pode inspirar-nos. Além deste acompanhamento eclesial, cada ser singular na fé é convidado a reconstruir constantemente as razões da sua fé. Autoconfrontarmo-nos persistentemente com o claro perigo das falácias da dissonância cognitiva é um excelente meio de desafio à abertura transcendente. Tantas vezes, com distâncias críticas curtas face ao nosso ser religioso, nos emaranhamos numa superficialidade existencial e religiosa, não raras vezes, longe do essencial? A Igreja e, na sua comunhão, cada um de nós, tem o dever de manter vivo e afirmativo o seu sentido autocrítico.

d) fator relevante no confronto crente face à dissonância cognitiva religiosa é a própria vida. Será, em última instância, uma vida cristã coerente que nos confere a coerência interna enquanto viventes de fé. A vida, ela própria, é a realidade por onde sopra o Espírito. Portanto, se há dissonância religiosa, em muitas ocasiões, não será melhor mudar a vida, em conformidade, do que ampliar o argumentário (tantas vezes moralista), como faz a raposa com as uvas?…

Ocorre-nos, como claro modelo neste cenário, o Papa Francisco : também com as palavras mas principalmente com os seus gestos e com a sua vida, com a sua autenticidade pedagógica, ele transforma a coerência interna numa ontologia, capaz de referenciar a vida dos homens.

A dissonância cognitiva é um excelente instrumento de confronto para a autenticidade religiosa. A procura desta coerência confunde-se com resignificar crítica e dinamicamente que a fé cristã é razoável. Depois é a coerência dos próprios atos, o trabalho  do processo e as portas que se abrem com cada gesto em cada tempo… A fé, diríamos em evitamento de dissonância, é salvíficamente vivível! 



PS : Não esquecer que, ao jeito da linha psicoterapêutica, a nossa ajuda a pessoas em quadro de dissonância cognitiva não deverá ser o confronto direto nem o moralismo, mas o questionamento hábil, prudente e astuto, sempre misericordioso. Será sempre o próprio ser em dissonância, porventura ajudado, mas sempre ele mesmo, a mudar a agulha da autojustificação para a autodescoberta coerente…’


Fonte :

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Santo Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


Santo Agostinho é o pensador que, através da sua vasta produção literária, marcou mais profundamente a especulação cristã.

Sua profunda cultura humanista tornou-se sensível aos grandes temas que preocupavam e preocupam o ser humano : o bem e o mal, a liberdade, o destino humano, a história e sobretudo o dilema entre fé e razão.

Várias de suas obras figuram no rol das mais importantes da Literatura Universal, como os Solilóquios, As Confissões e a Cidade de Deus. Esta última, em particular, influenciou decisivamente os rumos políticos e as práticas sociais da cristandade medieval.

Nasceu Santo Agostinho no ano de 354 d.C. numa região chamada Numídia. Sua trajetória intelectual, antes de chegar ao cristianismo, passa por períodos de apego à vida mundana, ao materialismo, ao maniqueísmo e termina no platonismo largamente influenciado pelo ceticismo da nova academia. Manifesta sua preferência pelo platonismo, considerando-o a mais pura e luminosa filosofia da Antigüidade.

Santo Agostinho inaugura de certa maneira ‘A era da incerteza dogmática’. O problema das relações entre a razão e a fé que seria o problema fundamental da escolástica medieval, atormentava a mente de Santo Agostinho. Estudava desesperadamente matemática, filosofia, mecânica (a física na época era rudimentar), teologia, com o propósito de explicar a existência de Deus através da razão humana. Observava a natureza e acreditava que o homem através de sua inteligência iría finalmente explicar o porquê de Deus e colocar os parâmetros da fé em bases científicas. Observe que essa busca frenética continuou acontecendo e é motivo de desconforto para a ciência, sobretudo nos dias de hoje. Santo Agostinho não descansava, passava horas a estudar e a meditar, tentando entender o que significava onipresença, onisciência, infinito, Santíssima Trindade, consubstanciação, espírito e corpo, diversidade espiritual, a temporalidade.

Várias vezes ele foi visto vagando sozinho na noite angustiado, tentando descobrir a resposta científica para a fé. Como se libertar da dúvida cética? Certo dia, Santo Agostinho, após longo período de trabalho e muito compenetrado na sua angústia, adormeceu no claustro. Teve um sonho revelador : caminhava sobre uma praia deserta, a contemplar o mar e o céu.

De repente, avistou um menino que com um balde de madeira ia até a água do mar, enchia o balde e voltava, onde despejava a água num pequenino buraco na areia. Santo Agostinho, perplexo e curioso perguntou ao menino :

- O que você está fazendo? O menino calmamente olhou para Santo Agostinho e respondeu : - Vou colocar toda água do mar nesse buraco! Santo Agostinho sorriu e retrucou : - Isso é impossível garoto! Observe quanta água existe no oceano e você quer colocá-la toda nesse diminuto buraco! Mais uma vez o menino olhou para Santo Agostinho e de forma ríspida e corajosa disse : - Em verdade vos digo. É mais fácil colocar toda água do oceano nesse pequeno buraco do que a inteligência humana compreender os mistérios de Deus!! E num átimo Santo Agostinho acordou assustado e desorientado. Tivera uma mensagem divina que acalmaria sua alma conturbada.

Que essa história sirva também aos nossos dias. O homem precisa rever posições, precisa abandonar seu humanismo cético em favor do dogma teológico. Não pode haver ciência sem base teológica. Aqueles que duvidam disso, lembrem-se do menino.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.agostinianas.com.br/santoAgostinho/oracoes/28Agosto.aspx

sábado, 16 de agosto de 2014

Missão Intercultural

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

   *Artigo de José Rebelo,
Missionário Comboniano


Evangelizamos não tanto com o que pregamos, mas pela maneira como vivemos e pomos em prática os valores em que acreditamos.

‘A fé é a razão de ser da missão. O missionário parte para testemunhar a sua fé em Jesus Cristo. Não haverá razões humanas suficientes que o levem a fazer o sacrifício de deixar para trás a família, amigos, contexto social, e mesmo gastronomia... para viver em situações pelo menos mais desconfortáveis, servir e, se necessário, dar a vida. Com ele leva, contudo, a sua cultura, os seus valores, o seu conhecimento, os seus dons, a sua maneira de ser e viver. É verdade que é chamado a assumir os valores da cultura que o acolhe, mas por mais que queira será sempre sinal de uma cultura diferente, visível desde logo na cor da sua pele, estatura e restante aparência física.

A internacionalidade e interculturalidade desempenham um papel importante na missão. A simples presença de um missionário entre um povo diferente do seu suscita um diálogo cultural – nem sempre explícito – em que há desafio e enriquecimento mútuos. Ambas as partes são confrontadas com atitudes e valores que levam (ou deveriam levar) a um questionamento das próprias assunções culturais e estilos de vida e a um enriquecimento humano e cultural.

Nada do que somos é estranho ao trabalho missionário que realizamos. Certamente que boa parte do desenvolvimento humano realizado pelos missionários se deve a essa interculturalidade, também representada pelos agentes humanitários e emigrantes. Além disso, evangelizamos não tanto com o que pregamos mas pela maneira como vivemos e pomos em prática os valores em que acreditamos – nas relações que instauramos com as pessoas que encontramos e entre as quais vivemos. É nesse diálogo-confronto que os valores são apreciados e apropriados de parte a parte.

A missão faz com que o missionário se defronte com culturas diferentes da sua que o interpelam e o desafiam a entender, a aceitar e, eventualmente, o fazem mudar. A missão enriquece-o no conhecimento e na maneira de ver a vida, mas também na maneira de ser e agir. Por outro lado, o missionário é sinal de uma realidade diferente que não pode não interpelar, começando pelas razões da sua presença num contexto de pobreza e não poucas vezes de insegurança e de conflito.

Nos sete anos que passei nas Filipinas, não pude não apreciar a religiosidade natural daquele povo; a humildade e a bondade de pessoas espoliadas ao longo de séculos pelas elites coloniais e locais, que para sobreviverem têm de recorrer a formas de dependência quase feudais, aos subterfúgios, às meias verdades, às desculpas, e mesmo ao desaparecimento.

Agora na África do Sul o contexto é diferente, mas há tendências que se mantêm numa sociedade bastante desigual onde o materialismo e a cobiça acompanham o crescimento econômico. O testemunho de trabalho e dedicação sem fins lucrativos e sem aspiração a ter posições não pode não ser significante. O diálogo e valorização das diversas etnias, mesmo estrangeiras, num país que ainda não resolveu o problema racial e é tentado a recorrer à violência e à xenofobia é outro desafio.

Daí que a presença dos missionários, além de ser um sinal de fé contribui para criar um mundo mais fraterno e pacífico. Mesmo que um país esteja evangelizado, a falta de missionários seria sempre uma pobreza – para a Igreja e para a sociedade em geral. Eles são sinais de amor, gratuidade, despojamento, convivência pacífica, da possibilidade de diálogo e entendimento entre os povos. Houve missionários assassinados e colonos que tiveram de fugir após as descolonizações, mas o facto de a África, que tem vivido mais do que o seu quinhão de conflitos e atrocidades, nunca ter tido nenhum sério conflito racial pode ser um sinal da importância da presença dos missionários e dos valores cristãos e civilizacionais que eles incarnam.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EFAAFZulplZJyrkHax



quarta-feira, 25 de junho de 2014

Relativismo Religioso e Totalitarismo Anticristão (Capítulo 1)

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  * Artigo de Padre Anderson Alves,
 sacerdote da diocese de Petrópolis – Brasil – e doutorando em
Filosofia na Pontificia Università della Santa Croce em Roma


‘No dia 16 de janeiro de 2014 a Pontifícia Comissão Teológica Internacional publicou um extenso e importante documento, elaborado entre 2009 e 2014 : ‘Deus Trindade, unidade dos homens : o monoteísmo cristão contra a violência[i]. Consiste em um estudo do discurso cristão sobre Deus, defrontando-se com a tese segundo a qual haveria uma relação intrínseca entre monoteísmo e violência. Atualmente afirma-se que o monoteísmo, por acreditar ser o detentor de uma verdade absoluta, é fonte de intolerância e violência. Por sua vez, o politeísmo seria intrinsecamente tolerante e fundamental para a democracia. Esse pensamento pretende defender um relativismo religioso absoluto, mas acaba se revelando como uma verdadeira forma de totalitarismo anticristão.

O documento responde duas questões : como a teologia católica pode se confrontar criticamente com a opinião cultural e política que estabelece uma relação intrínseca entre monoteísmo e violência? E como a fé no único Deus pode ser reconhecida como princípio e fonte do amor entre os homens?

O texto afirma que a fé cristã reconhece na excitação à violência em nome de Deus a máxima corrupção da religião. O cristianismo chega a esta convicção a partir da revelação da própria intimidade de Deus, que nos chega através de Jesus Cristo. O capítulo primeiro – que expomos aqui – esclarece a noção de monoteísmo, apresentada geralmente de modo demasiado vago. Então se afirma que as guerras interreligiosas e também a guerra contra a religião são totalmente insensatas [ii].

Sendo assim, é preciso reconhecer Deus como «princípio e o fim» da existência de cada pessoa e de toda comunidade humana. Por sua vez, o homem é naturalmente capaz de reconhecer Deus como criador do mundo e como seu interlocutor pessoal. Nesse sentido, afirma-se a existência do homo religiosus, a qual é deduzível da experiência religiosa dos homens.

A partir de então, podemos questionar : há um nexo necessário entre o monoteísmo e a violência? Uma pergunta estranha, pois justamente o Ocidente considerou por séculos o ‘monoteísmo’ a forma de religião culturalmente mais evoluída, por ser o modo de pensar o divino mais congruente com os princípios da razão. De fato, a unicidade de Deus é acessível à filosofia – desde Sócrates, Platão, Aristóteles até o Deísmo moderno – e foi identificada como princípio da razão natural que precede as tradições históricas das religiões.

Ocorre que a cultura contemporânea reage às grandes ideologias do século XX, as quais pretenderam ser científicas e dirigidas a um progresso indefinido. Houve então um predomínio da busca pela verdade, a qual justificou concepções filosóficas e políticas que levaram a humanidade ao abismo das duas grandes guerras mundiais. Em oposição a isso, hoje se tende a privilegiar a pluralidade das visões sobre o bem e sobre o justo, sem buscas pela verdade. Isso gera a tensão entre o reconhecimento do pluralismo e um princípio relativista.

De fato, conhecer e respeitar as diferenças culturais «representa uma vantagem para a valorização das singularidades e para a abertura a um estilo hospitaleiro da convivência humana». Porém, há um grave problema : o mero respeito às diferenças sem uma busca pela verdade gera a impossibilidade do diálogo. De modo que as pessoas e os grupos «são induzidos à desconfiança – se não à indiferença perante o empenho em buscar o que é comum à dignidade do homem» (n. 4).

Isso significa que o relativismo e o chamado ‘politeísmo dos valores’ não podem ser o fundamento da democracia e do respeito pela dignidade humana, porque geram incomunicabilidade, desconfiança, indiferença pela verdade e desprezo por aquilo que une os homens: a mesma dignidade de pessoa. O relativismo é fruto da perda de confiança na razão humana e gera a suspeita em relação às outras pessoas, assim como uma perda de motivações. Uma sociedade relativista é uma sociedade apática, pois todas as escolhas humanas são, no fundo, indiferentes. Isso faz com que as relações humanas sejam abandonadas «a uma gestão anônima e burocrática da convivência civil» (ibid.). Consequentemente, se dá o crescimento de uma imagem pluralista da sociedade e a afirmação de um desígnio totalitário do pensamento único: surge então o discurso ‘politicamente correto’. O relativismo se revela como uma máscara que esconde um secreto absolutismo [iii].

Para o relativismo a verdade é considerada uma ameaça radical para a autonomia do sujeito e para a abertura da liberdade, porque a pretensão de uma verdade objetiva e universal, se bem que acessível ao espírito humano, é imediatamente associada a uma pretensão de posse exclusiva por parte de um sujeito ou grupo. A ideia de que a busca da verdade seja necessária para o bem comum é tida por ilusória. Na atual compreensão, a verdade estaria inseparavelmente relacionada com a ‘vontade de poder’, por isso a ‘verdade’, principalmente a religiosa, passa a ser vista como raiz de conflito e de violência.

O colapso cultural da atualidade é tão grave que afirma ser o monoteísmo arcaico e despótico, enquanto o politeísmo seria criativo e tolerante. A dita crítica se concentra na denúncia radical do cristianismo, justamente a religião que aparece como protagonista na busca de um diálogo de paz, tanto com as grandes tradições religiosas quanto com as culturas laicas. Certamente, o fato dos cristãos serem descaradamente associados por sua fé no Deus Único a uma ‘semente da violência’ fere milhões de autênticos crentes, especialmente porque eles vivem totalmente afastados da pregação da violência. Além disso, em muitas partes do mundo, os cristãos são maltratados com a intimidação e a violência por causa exclusivamente da sua fé. Estima-se que atualmente 200 milhões de cristãos são perseguidos no mundo, algo que ocorre diante do silêncio cúmplice de boa parte dos governos e meios de comunicação, que se empenham em difundir uma visão distorcida do cristianismo como o grande incentivador de violência [iv]. Evidentemente não se pode negar o preocupante fenômeno da ‘violência religiosa’, a atual ‘ameaça terrorista’. Mas também não se pode ignorar que são precisamente os cristãos que mais sofrem violências no mundo.

[i] O documento pode ser acessado em :

[ii] O capítulo II trata as chamadas ‘páginas difíceis’ da Bíblia, ou seja, aquelas em que a revelação de Deus surge envolvida nas formas da violência entre os homens; o capítulo III oferece um aprofundamento do evento da morte e da ressurreição de Jesus, central para a reconciliação entre os homens; o quarto capítulo fornece uma clarificação das aproximações e implicações filosóficas do pensamento de Deus, discutindo com o ateísmo atual; o último capítulo trata os elementos cristãos que definem o empenho do testemunho eclesial na reconciliação dos homens com Deus e de uns com os outros. Pois o cristianismo é consciente de que a «revelação cristã purifica a religião, porque lhe restitui o seu significado fundamental para a experiência humana do sentido».

[iii] O Papa Francisco recentemente também falou do totalitarismo relativista. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, n. 231 : «Por isso, há que postular um terceiro princípio : a realidade é superior à ideia. Isto supõe evitar várias formas de ocultar a realidade : os purismos angélicos, os totalitarismos do relativo, os nominalismos declaracionistas, os projetos mais formais que reais, os fundamentalismos anti-históricos, os eticismos sem bondade, os intelectualismos sem sabedoria».

[iv] Os dados são do Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, organizados pela Ajuda à Igreja que Sofre (AIS).


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/relativismo-religioso-e-totalitarismo-anticristao-i-parte


terça-feira, 20 de agosto de 2013

Santo Agostinho de Hipona (Capítulo 3 de 5)

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB) 


3. Pensamento 
 
            O meu querido predecessor João Paulo II dedicou a Santo Agostinho em 1986 isto é, no décimo sexto centenário da sua conversão, um longo e denso documento, a Carta Apostólica Augustinum Hipponensem. O próprio Papa quis definir este texto como ‘um agradecimento a Deus pelo dom feito à Igreja, e através dela à humanidade inteira, com aquela admirável conversão’. Sobre o tema da conversão gostaria de voltar a refletir numa próxima audiência. É um tema fundamental não só para a sua vida pessoal, mas também para a nossa. No Evangelho, o próprio Senhor resumiu a Sua pregação com a palavra : ‘Convertei-vos.’ Seguindo o caminho de Santo Agostinho, poderíamos meditar sobre o que foi esta conversão : uma coisa definitiva, decisiva, mas a decisão fundamental deve desenvolver-se, deve realizar-se em toda a nossa vida.
 
            Hoje a catequese é dedicada, ao contrário, ao tema fé e razão, que é determinante, ou melhor, o tema determinante para a biografia de Santo Agostinho. Quando era criança tinha aprendido da sua mãe Monica a fé católica. Mas quando era adolescente abandonou esta fé porque não via a sua racionalidade e não queria uma religião que não fosse também para ele expressão da razão, isto é, da verdade. A sua sede de verdade era radical e levou-o, portanto, a afastar-se da fé católica. Mas a sua radicalidade era tal que ele não podia se contentar com filosofias que não alcançassem a própria verdade, que não chegassem a Deus. E a um Deus que não fosse só uma última hipótese cosmológica, mas o verdadeiro Deus, o Deus que dá a vida e que entra na nossa própria vida. Assim todo o percurso intelectual e espiritual de Santo Agostinho constitui um modelo válido também hoje na relação entre fé e razão, tema não só para homens crentes mas para cada homem que procura a verdade, tema central para o equilíbrio e o destino de cada ser humano. Estas duas dimensões, fé e razão, não podem ser separadas nem contrapostas, mas devem estar sempre juntas. Como escreveu o próprio Agostinho, depois da sua conversão, fé e razão são ‘as duas forças que nos levam a conhecer’ (Contra Academicos, III, 20,43). A este propósito permanecem justamente célebres as duas fórmulas agostinianas (Sermones, 43,9) que expressam esta síntese coerente entre fé e razão : crede ut intelligas (‘crê para compreender’) o crer abre o caminho para passar pela porta da verdade mas também, e inseparavelmente, intellige ut credas (‘compreende para crer’), perscruta a verdade para poder encontrar Deus e crer.
 
            As duas afirmações de Agostinho exprimem com eficaz prontidão e com igual profundidade a síntese deste problema, na qual a Igreja Católica vê expresso o próprio caminho. Historicamente, esta síntese vai-se formando, ainda antes da vinda de Cristo, no encontro entre fé judaica e pensamento grego no judaísmo helênico. Sucessivamente na história esta síntese foi retomada e desenvolvida por muitos pensadores cristãos. A harmonia entre fé e razão significa sobretudo que Deus não está longe : não está longe da nossa razão e da nossa vida; está próximo de cada ser humano, perto do nosso coração e da nossa razão, se realmente nos pusermos a caminho. Precisamente, esta proximidade de Deus ao homem foi sentida com extraordinária intensidade por Agostinho. A presença de Deus no homem é profunda e ao mesmo tempo misteriosa, mas pode ser reconhecida e descoberta no próprio íntimo : não saias, afirma o convertido, mas ‘volta para ti; no homem interior habita a verdade; e se achares que a tua natureza é alterável, transcende-te a ti mesmo. Mas recorda-te, quando te transcendes a ti mesmo, transcendes uma alma que raciocina.’ (De vera religione, 39,72) Precisamente como ele mesmo ressalta, com uma afirmação muito famosa, no início das Confessiones, autobiografia espiritual escrita para louvor de Deus ‘Criastes-nos para Vós, e o nosso coração está inquieto, enquanto não descansa em Vós.’ (I, 1,1)
 
            A distância de Deus equivale à distância de si mesmo : ‘De fato, tu’ reconhece Agostinho (Confessiones, III, 6,11) dirigindo-se diretamente a Deus, ‘estavas dentro de mim mais que o meu íntimo e acima da minha parte mais alta’, interior intimo meo et superior summo meo; a ponto que acrescenta noutro trecho recordando o tempo que precedeu a conversão : ‘Tu estavas diante de mim; e eu, ao contrário, tinha-me afastado de mim mesmo, e não me reencontrava; e muito menos te encontrava a ti.’ (Confessiones, V, 2,2) Precisamente porque Agostinho viveu na primeira pessoa este percurso intelectual e espiritual, soube transmiti-lo nas suas obras com tanta prontidão, profundidade e sabedoria, reconhecendo em dois outros célebres trechos das Confessiones (IV, 4,9 e 14,22) que o homem é ‘um grande enigma’ (magna quaestio) e ‘um grande abismo’ (grande profundum), enigma e abismo que só Cristo ilumina e salva. Isto é importante : um homem que está distante de Deus está também afastado de si mesmo, alienado de si próprio, e só se pode reencontrar encontrando-se com Deus. Assim chega também a si, ao seu verdadeiro eu, à sua verdadeira identidade.
 
            O ser humano, ressalta depois Agostinho no De civitate Dei (XII, 27), é social por natureza mas antissocial por vício, e é salvo por Cristo, único mediador entre Deus e a humanidade ‘caminho universal da liberdade e da salvação’, como repetiu o meu predecessor João Paulo II (Augustinum Hipponensem, 21) : fora deste caminho, que nunca faltou ao gênero humano, afirma ainda Santo Agostinho na mesma obra, ‘ninguém jamais foi libertado, ninguém é libertado e ninguém será libertado’ (De civitate Dei, X, 32,2). Enquanto único mediador da salvação, Cristo é a cabeça da Igreja e a ela está misticamente unido a ponto que Agostinho pode afirmar : ‘Tornamo-nos Cristo. De fato, se Ele é a cabeça, nós somos os Seus membros, o homem total é Ele e nós.’ (In Iohannis evangelium tractatus, 21,8)
 
            Povo de Deus e casa de Deus, a Igreja na visão agostiniana está, portanto, estreitamente relacionada com o conceito de Corpo de Cristo, fundada na releitura cristológica do Antigo Testamento e na vida sacramental centrada na Eucaristia, na qual o Senhor nos dá o Seu Corpo e nos transforma em Seu Corpo. Então, é fundamental que  Igreja, povo de Deus em sentido cristológico e não em sentido sociológico, esteja verdadeiramente inserida em Cristo, o qual, afirma Agostinho numa lindíssima página, ‘reza por nós, reza em nós, é rezado por nós; reza por nós como nosso sacerdote, reza em nós como nossa cabeça, é rezado por nós como nosso Deus : reconhecemos portanto n’Ele a nossa voz e em nós a Sua’ (Enarrationes in Psalmos, 85,1).
 
            Na conclusão da Carta Apostólica Augustinum Hipponensem, João Paulo II quis perguntar ao próprio santo o que tem para dizer aos homens de hoje e responde antes de tudo com as palavras que Agostinho escreveu numa carta ditada pouco antes da sua conversão : ‘Parece-me que se deve reconduzir os homens à esperança de encontrar a  verdade’ (Epistulae, 1,1); aquela verdade que é o próprio Cristo, Deus verdadeiro, ao qual é dirigida uma das orações mais bonitas e mais famosas das Confessiones (X, 27,38) : ‘Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Estáveis dentro de mim e eu estava fora, e aí Vos procurava; e disforme como era, lançava-me sobre estas coisas formosas que criastes. Estáveis comigo e eu não estava Convosco. Retinha-me longe de Vós aquilo que não existiria se não existisse em Vós. Mas Vós me chamastes, clamastes e rompestes a minha surdez. Brilhastes, resplandecestes e curastes a minha cegueira. Exalastes o Vosso perfume : respirei-o e agora suspiro por Vós. Saboreei-Vos, e agora tenho fome e sede de Vós. Tocastes-me, e comecei a desejar ardentemente a Vossa paz.
 
            Eis que Agostinho encontrou Deus e durante toda a sua vida fez experiência d’Ele a ponto de esta realidade, que é antes de tudo encontro com uma Pessoa, Jesus, mudou a Sua vida, assim como muda a de quantos, mulheres e homens, em todo9s os tempos têm a graça de O encontrar. Rezemos para que o Senhor nos conceda esta graça e nos faça encontrar assim a Sua paz.
  
(30 de janeiro de 2008)