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domingo, 14 de maio de 2023

São Romualdo e os monges camaldolenses

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Vanderlei de Lima, 

eremita na Diocese de Amparo, BA

 

‘Este artigo apresenta, de modo bastante resumido, a vida de São Romualdo de Ravena e alguns aspectos da Congregação Camaldolense da Ordem de São Bento nascida a partir do exemplo desse santo.

Romualdo – descendente de uma família nobre, de sobrenome Honesti –, nasceu, por volta do ano 952, em Ravena, no Centro Norte da Itália. De início, a fé pouco lhe importava, embora a contemplação da natureza já lhe despertasse um latente desejo das coisas eternas e da solidão para se ocupar só de Deus. Aos vinte anos, no entanto, Romualdo presenciou – forçado por Sérgio, seu pai –, um duelo entre este e um parente próximo numa disputa por terras. No combate, Sérgio matou seu oponente. Ora, isso fez nosso futuro santo se sentir, de algum modo, culpado e desejar, por isso, expiar sua culpa. Foi, então, passar 40 dias no mosteiro de Santo Apolinário, em Classe, perto de Ravena. Concluída a fase de expiação, Romualdo teve uma visão do santo patrono do mosteiro e decidiu tornar-se monge naquela comunidade.

Dada a seriedade com que levava a vida monástica, despertou certo desconforto nos seus irmãos de hábito. Deixou, então, o mosteiro e, com Marino, passou a viver por algum tempo, uma vida eremítica. A convite dos monges de São Miguel de Cusan, na França, aí habitou por quatro anos e, graças ao abade Guarino, adquiriu boa cultura monástica. Por inspiração de Deus, começou a restaurar e a construir mosteiros em vários regiões e a enviar monges para terras de missão. O próprio Romualdo, aliás, desejoso de ser mártir, partiu para evangelizar outros povos, mas, impedido por problemas de saúde, não conseguiu realizar essa santa aspiração. 

Lembremo-nos, aqui, de que o seu mais famoso mosteiro foi edificado, em 1025, em Arezzo, na Itália, e chama-se Camáldoli. Daí o nome da Congregação : Camaldolense. Ao entregar sua alma a Deus, em 19 de junho de 1027, nosso santo vira a conversão de seu pai, que também se fez monge, e a expansão de seus filhos espirituais por várias terras (cf. São Pedro Damião. A Vida de São Romualdo. Camáldoli, 1988).

Sobre essa perdurável obra de Romualdo, o Bem-aventurado Rodolfo († 1088) escreve : ‘O eremitério de Camáldoli foi edificado pelo santo pai eremita Romualdo […]. Tendo construído ali cinco celas, o santo estabeleceu nesse lugar cinco de seus irmãos companheiros […]. Isso feito, encontrou mais abaixo um lugar chamado Fonte Boa, e construiu uma morada, estabelecendo ali um monge com três irmãos conversos para a acolhida dos hóspedes’ (VV. AA. Como água da fonte. São Paulo: Loyola, 2009, p. 25). Em outras palavras, no alto, havia o eremitério; na planície, a casa de hospedagem que, com o tempo, tornou-se um mosteiro de vida comum.

Disso tudo, conclui-se o seguinte: ‘Camáldoli era uma comunidade monástica que vivia ao mesmo tempo – e quase que no mesmo espaço – a vida cenobítica-comunitária e a vida eremítica-solitária’ (idem, p. 10). Em suma, é um modo de vida monástico plural. Sim, ‘a Congregação Camaldolense da Ordem de São Bento é constituída por eremitérios e mosteiros. O elemento característico da tradição camaldolense é a unidade da família monástica no triplo bem de cenóbio-eremitério-evangelização. Três são os bens para aqueles que procuram o caminho do Senhor : para os noviços que vêm do mundo, o desejável cenóbio; para os maduros sedentos de Deus, a áurea solidão do eremitério; enfim, para aqueles que anseiam ‘dissolver-se e estar com Cristo’, o anúncio do Evangelho entre os pagãos’ (ibidem, p. 11. Cf. São Bruno di Querfurt. Vita dei Cinque Fratelli. Camáldoli, 1951, p. 41).

Fiel à tradição já quase milenar, mas aberta aos sinais dos tempos, na obediência à Igreja, a Congregação Camaldolense da Ordem de São Bento se faz presente em vários países, inclusive no Brasil. Aqui, depois de uma fundação que não prosperou, no século XIX, em Caxias do Sul (RS), os camaldolenses retornaram, em 1985, a convite de Dom Emilio Pignoli, então bispo da diocese de Mogi das Cruzes (SP), para fundar um mosteiro numa aprazível área rural desse município e aí estão a serviço de Deus e do próximo.

Para mais informações : delredo@hotmail.com (Prior).’ 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2023/03/05/sao-romualdo-e-os-monges-camaldolenses/

sábado, 30 de outubro de 2021

O diabo perguntou a três monges o que mudariam no passado

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo de Francisco Vêneto,

jornalista, filósofo e tradutor


‘Circula entre grupos católicos um breve conto sobre o dia em que o diabo teria aparecido a três monges e perguntado, de um por um, o que mudariam no passado.

Se eu lhe der o poder de mudar algo do seu passado, o que você mudará?

O primeiro monge, com grande zelo apostólico, respondeu rapidamente :

Eu impediria você de fazer Adão e Eva caírem no pecado, para que a humanidade não pudesse se afastar de Deus’.

O segundo monge, que tinha um coração repleto de misericórdia, respondeu :

Eu impediria você mesmo de se afastar de Deus e se condenar eternamente’.

O terceiro monge era o mais simples dos três. Em vez de responder ao diabo, ele se ajoelhou, fez o Sinal da Cruz e rezou :

Senhor, livra-me da tentação do que poderia ter sido e não foi’.

O demônio então lançou um urro estridente e, contorcendo-se de dor, desapareceu.

Atônitos, os outros dois perguntaram ao companheiro de vida consagrada :

Irmão, por que você respondeu desta forma?

Ele explicou :

Primeiro: nunca devemos dialogar com o inimigo. Segundo : ninguém no mundo tem o poder de mudar o passado. Terceiro : o diabo não está minimamente interessado em nos ajudar, mas sim em nos prender no passado para descuidarmos o presente.

Por quê? Porque o presente é o único tempo em que, pela graça divina, podemos colaborar com o próprio Deus. O ardil do diabo que mais aprisiona as pessoas e as impede de viverem o presente em união com Deus é o ‘poderia ter sido e não foi’.

Deixemos o passado nas mãos da Misericórdia de Deus e o futuro nas mãos da Sua Providência. Já o presente está em nossas mãos unidas às mãos de Deus’.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/10/28/o-diabo-perguntou-a-tres-monges-o-que-mudariam-no-passado/

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

A oração do monge: o Ofício Divino do dia

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Vanderlei de Lima, 

eremita na Diocese de Amparo, BA

 

‘A razão deste artigo é apresentar o significado de cada Hora do Ofício Divino rezado por um(a) eremita ou monge/monja de vida claustral rigorosa.

Ofício de Vigílias ou Leituras : pode ser rezado a qualquer hora do dia, mas o eremita mantém seu caráter noturno (antes do raiar do dia), de espera e vigilância. Visa um maior contato com a Palavra de Deus em toda a sua profundidade; por isso, além do texto bíblico próprio para o Ofício de Leituras daquele dia, lê-se também o comentário de um Padre da Igreja ou do Santo do dia.

Laudes (do Latim, Louvores) : é rezado logo de manhãzinha e se inspira no renascer da luz do dia após as trevas da noite. Celebra a Ressurreição do Senhor Jesus. Ele é a luz por excelência que ilumina a todos (cf. Jo 1,9) ou o sol da justiça que nasce do alto (cf. Lc 1,78). Daí duas das características desse momento de oração : glorificar a Cristo, o grande vitorioso sobre a morte, conforme se proclama no Cântico de Zacarias retirado de Lucas 1,68-79, e consagrar ao Pai celeste o dia de trabalho e de esperanças que o cristão tem pela frente.

As horas TerçaSexta Noa são chamadas de horas menores e visam santificar o dia todo, daí estarem distribuídas ao longo dele. Lembram também importantes passagens bíblicas.

Terça : recorda a vinda do Espírito Santo sobre Nossa Senhora e os Apóstolos à terceira hora do dia (para os judeus este começava às 6h), conforme Atos 2,15.

Sexta : meio-dia, é a hora em que Pedro rezava no terraço e teve uma visão segundo a qual deveria batizar o centurião Cornélio sem lhe impor a circuncisão, abrindo, desse modo, as portas da Igreja aos pagãos (cf. At 10,9). É também a hora da agonia de Jesus na cruz (cf. Mt 27,45). O hino que abre essa hora lembra o calor que muitas vezes nos atinge ao meio-dia e pede ao Senhor a extinção do fogo das paixões a arder, em certos momentos, no coração dos homens.

Noa : faz memória da oração de Pedro e João no Templo, ocasião em que Pedro cura, em nome de Jesus, o paralítico que ali pedia esmolas (cf. At 3,1). Recorda também a morte de Nosso Senhor na Cruz às 15h (cf. Mt 27,45).

Vésperas (nome originário de Véspero ou Vênus, astro luminoso que começa a brilhar assim que caem as trevas noturnas) : é uma oração que conclui o dia e inicia a noite. Dá graças a Deus pelos benefícios recebidos naquele dia e comemora a Ceia do Senhor e sua morte na Cruz, ocorrências que se deram em tempo vespertino. O Ofício de Vésperas ainda relembra aos fiéis que o Senhor Jesus voltará, no arremate ou no final da história deste mundo, para julgar os vivos e os mortos, trazendo-nos a luz sem ocaso que é Ele mesmo (cf. Jo 8,12).

Cientes disso, os cristãos acorrem para as Vésperas como os operários da vinha, que é a Igreja, a fim de receberem de Deus o pagamento pelo trabalho realizado com Ele e por Ele ao longo do dia transcorrido (cf. Mt 20,1-16) ou ainda para – à moda dos discípulos de Emaús – rogar : ‘Fica conosco, Senhor’ (Lc 24,29).

Completas : segundo o próprio nome, é a última oração do dia. Tem como lembrança, de acordo com a tradição de povos antigos, a comparação do sono noturno com o ‘sono’ da morte. Consciente disso, o fiel se entrega e se abandona, por meio dos salmos recitados, nas mãos do Senhor antes de se confiar ao merecido repouso. Isso bem se exprime no cântico que o velho Simeão cantou no fim de sua vida e o cristão entoa ao final das Completas conforme Lc 2,29-32.

Recorda ainda a gratidão por termos passado mais um dia na misericórdia do Senhor e exorta-nos a uma atitude penitencial de examinarmos a nossa consciência a fim de que, apesar das nossas limitações, façamos esforço para nos vermos – em nossas misérias e virtudes – do mesmo modo como Deus nos vê. Por isso, se pede perdão dos pecados cometidos naquele dia a fim de que, purificados, nos preparemos para, depois do sono da noite, servir, novamente, no campo do Senhor ao raiar do novo dia.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/09/23/o-oficio-divino-do-dia/

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

4 conselhos de um monge para vermos o invisível desta pandemia

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Álvaro Real,

Jornalista


‘O mundo de hoje quer respostas fáceis e modelos ‘low-cost’. Muita gente se concentra nos ‘influencers’ e no que eles vendem. Mas há muito mais além disso. Há muitas pessoas além daquelas representadas nas séries, nos nossos programas favoritos, nas redes sociais. São, de fato, aqueles seres humanos dotados de uma sensibilidade especial : os ‘ouvintes’ do mundo.

Neste universo em constante movimento, atormentado pelas mil e uma atividades, além do ideal de produtividade e renda, há pessoas que, aparentemente, não fazem nada. São aqueles enviados por Deus para permanecer em silêncio, para não ter que desempenhar um papel, mas contemplar, ver, esperar.

Se realmente existisse um comitê de especialistas que nos permitisse sair melhor desta pandemia, certamente eles seriam os que vislumbram o que se vê no invisível, no essencial – aquilo que, nas palavras de Saint-Exupery é ‘invisível aos olhos’.

A pandemia através dos olhos de um monge

Grandes escritores e pensadores buscaram paz e serenidade no exemplo destes homens. Dostoiévski, Gógol e Tolstói, por exemplo, procuraram respostas ao drama do homem no famoso mosteiro de Optina Poustinia. Buscaram os conselhos dos famoso ‘starets’, ou seja, os anciãos dos mosteiros ortodoxos russos. Então, por que não podemos fazer o mesmo hoje? Por que não buscarmos respostas em uma abadia? Por que não vermos a pandemia através dos olhos de um monge?

Talvez assim poderíamos encontrar respostas para questionamentos como : Para onde vamos? Por que tanto sofrimento? O que é mais importante na vida? Sairemos melhores desta pandemia? O que realmente é essencial neste momento?

A fé em tempos de pandemia

Mauro-Giuseppe Lepori, abade geral da Ordem de Cister, reflete sobre essas perguntas no livro La fe en tiempos de Pandemia (‘A Fé em Tempos de Pandemia’). Seu texto é denso, profundo e enriquecedor. Na obra, ele oferece quatro grandes reflexões sobre este momento de pandemia :

1 – A importância do coração

O autor define o coração do homem como uma ‘espinha na carne do mundo’ e mostra que esse coração está na consciência. Sem o coração humano nada teria sentido.

O coronavírus e a economia têm suas próprias leis, seus próprios processos, que, geralmente, parecem enlouquecer, rebelar-se contra o homem. Mas nenhuma lei física, biológica ou econômica é maior que a liberdade de um só coração humano’.

2- A obra de Deus nos gestos humanos

Deus está em cada gesto. Isso é o que faz com que cada uma das pequenas ações que realizamos em casa tenham sentido. Alguém acha que perde tempo ao ficar em casa? Você acha que quando você fica em casa na quarentena está desperdiçando o tempo?

Mauro-Giuseppe Lepori explica :

Até o menor gesto, até a obra mais oculta, como a oração na cela de um ermitão ou o mais humilde serviço no âmbito familiar se converte em um acontecimento que introduz uma semente de novidade humanamente impossível no processo histórico, já que é uma novidade divina e eterna’.

3 – A vivência do presente

Durante o confinamento, percebemos que era ruim fazer nada. De repente, nos vimos sem capacidade de pensar no futuro. Tudo é presente. E, para muitos, isso é um pesadelo.

O relógio não corria e todas as nossas metas tinham desaparecido. Um ritmo que não era real. Só o presente e o agora passaram a existir. Lepori faz uma ligação disso com o capítulo 43 da Regra de São Bento :

É uma forma de viver, de concebermos a nós mesmos, ao tempo, às coisas, às relações, ao dever, ao prazer, a toda nossa relação com a realidade, que nos fazem humanamente intensos’.

4- Viver com a consciência de que Deus está presente

Lepori termina sua reflexão confessando que não tem uma solução para os problemas do homem. Mas nos oferece uma maneira de enfrentá-los : dar testemunho da presença de Deus a todo momento.

‘Não se trata de impor a fé, mas de propor a intensidade humana que a fé produz em quem a experimenta’.

Enfim, em seu texto, Lepori serve como vigia noturno do mar, um farol na escuridão e, embora não nos ofereça repostas concretas, apresenta uma nova maneira de enfrentar os desafios. Vale a pena recorrer à sabedoria de um «starters» e à reflexão dos monges para sairmos das confusões da história.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/02/19/4-conselhos-de-um-monge-para-vermos-o-invisivel-desta-pandemia/

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Monges formam resistência contra patriarca

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 O mosteiro de Esphigmenou é um dos 20 mosteiros do Monte Athos

O mosteiro de Esphigmenou é um dos 20 mosteiros do Monte Athos

 *Artigo de Bernard Litzler,

Tradução : Ramón Lara

 

‘Os monges do mosteiro ortodoxo grego de Esphigmenou se opõem fortemente às orientações ecumênicas de seu patriarca Bartolomeu I. Os tribunais civis do país ordenaram que deixassem seu lar, evacuado pela força policial em 24 de julho de 2020. Mas os clérigos excomungados resistem.

Agora não há nada realmente pacífico no Mosteiro de Esphigmenou. Considerados ultraortodoxos, seus monges se distinguem de outros por suas posições intransigentes e radicais. Recentemente, um conflito de perspectivas que vinha se gestando por muitos anos aumentou.

Em 8 de julho de 2020, o Tribunal Constitucional grego ordenou que os monges evacuassem o prédio. Em 24 de julho, uma grande operação policial foi realizada, durante a qual a própria edificação e a hospedaria para peregrinos foram evacuados.

Um cisma cada vez mais profundo

O Monte Athos, patrimônio mundial da Unesco, está localizado na Península de Chalkidiki, no nordeste da Grécia. Permanece um fascínio para os ocidentais, pelo menos os homens, em busca de Deus. Atualmente, o acesso é proibido para mulheres. Para os ortodoxos, é um bastião da velha fé cristã. No lugar moram, não só gregos, mas monges romenos, georgianos, búlgaros, sérvios, italianos e até russos.

Porém, um pouco menos de um milênio após a grande cisma de 1054, a ortodoxia mundial está ameaçada de divisão : a divisão entre as Igrejas ortodoxas está se tornando cada vez mais profunda e o tom entre seus patriarcas está cada vez mais carregado de raiva.

Corte de água e eletricidade

O mosteiro ortodoxo é um dos 20 mosteiros em Athos. Seus cerca de 110 monges se refugiaram atrás de suas muralhas e defesas no século 13. Na última disputa, há alguns anos, eles reagiram contra as máquinas usadas pelo governo para derrubar os muros do edifício, jogando neles coquetéis molotovs. Excomungados pelo patriarca ecumênico de Constantinopla, os monges também resistiram heroicamente em 1974, quando o governo grego cortou sua água e eletricidade para acelerar sua saída, mas foi um esforço desperdiçado. Os religiosos resistiram.

O conflito atual continua direcionado contra o patriarca Bartolomeu I de Constantinopla, o 270º sucessor do apóstolo André, cuja residência oficial está em Istambul. Para os monges de Esphigmenou, o líder número um das Igrejas Ortodoxas, o primus inter pares, está muito mais interessado no ecumenismo e no diálogo entre as religiões do que na própria fé ortodoxa. O patriarca teria se afastado da verdadeira fé porque rezou com o papa Francisco, seguindo assim os passos de seus predecessores Atenágoras e Dimitri, que também estavam abertos ao contato com Roma.

Uma vida sitiada

Os religiosos de Esphigmenou foram, portanto, excomungados pelo Patriarcado Ecumênico, que por sua vez também consideram herético. Sob a liderança de seu abade Metódio, os monges se recusaram obstinadamente a deixar seu mosteiro. E ainda recordam que Santo Antônio Petersky, fundador da Kiev Lavra, berço da ortodoxia eslava, foi um monge nesse recinto e foi qualificado como o ‘pai dos monges russos’. Santo Antônio Petersky iniciou o movimento de evangelização nos países eslavos. No entanto, o governo de Athos já concedeu aos monges envolvidos no protesto, passagem segura para outro mosteiro de sua escolha. Mas a iniciativa não teve sucesso.

Em 2011, 14 monges de Esphigmenou foram condenados a seis meses de prisão por se recusarem a cumprir a decisão do tribunal de sair de seu mosteiro. Desde o final de julho deste ano, a luta se intensificou. Os religiosos vivem em estado de sítio permanente. Qualquer coisa que precisarem e que não possam cultivar em seus campos ou produzir em suas oficinas deve ser contrabandeada para o mosteiro em um barco de pesca – a única maneira de chegar ao mosteiro à beira-mar.

Novas mídias sociais e a luta

Os monges, que alguns chamam de ‘o Talibã ortodoxo’, estão travando sua luta principalmente com a ajuda das novas mídias digitais. Eles têm um blog em grego e inglês (esphigmenou.com), com possibilidade de doação através do Paypal, e uma conta no Twitter. Em seu site, os monges lamentam a atitude do governo grego e se declaram perseguidos. Também compilaram recortes de jornais em inglês, bem como uma carta crítica enviada em 2006 ao patriarca ecumênico e assinada na época pelos 20 mosteiros do Monte Athos.

Nesta carta, os religiosos afirmam reconhecer dolorosamente que não concordam com a oração comum do patriarca Bartolomeu e do papa Francisco durante sua visita a Roma. Com efeito, este encontro e outras celebrações litúrgicas comuns dão a impressão de que a Igreja Ortodoxa acolhe os fiéis católicos romanos e reconhece o papa como bispo de Roma. Da mesma forma, a visita de retorno do patriarca ortodoxo ao Vaticano teria sido uma grande fonte de dor em seus corações. E isso especialmente porque a tradição romana não teria mudado nada em seus ensinamentos heréticos.

‘Ortodoxia ou morte’

As raízes do conflito são profundas, e a amargura já dura mil anos. Mas também há conflitos internos dentro da ortodoxia : entre outras coisas, a reforma do calendário, que foi do calendário juliano ao gregoriano (e, portanto, ao papa Romano...) já na década de 1920, e que causou uma grande discórdia. Naquele tempo, os mosteiros de Athos, com exceção daquele que havia adotado o novo calendário, retiraram o nome do patriarca de Constantinopla de todas as suas intercessões litúrgicas.

Na bandeira do mosteiro de Esphigmenou está o lema : ‘Ortodoxia ou morte!’. Os monges parecem prontos para ir até o fim, e assim morrer como mártires pela ortodoxia.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1466213/2020/08/monges-formam-resistencia-contra-patriarca/

terça-feira, 7 de abril de 2020

Monges produzem e doam caixões a afetados por coronavírus nos EUA


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo publicado originalmente em ACI Prensa. 
Traduzido e adaptado por Nathália Queiroz.


‘Um mosteiro de monges trapistas, em Iowa, oferece caixões gratuitos para famílias em dificuldades financeiras que perderam um ente querido nos Estados Unidos.

Esse ato de caridade incomum, mas necessário, é realizado pela Abadia de New Melleray, que desde 1999 oferece orações pelos falecidos e se sustenta fazendo caixões. O mosteiro anunciou na semana passada que começará a oferecer caixões gratuitamente para apoiar as famílias afetadas financeiramente pelo COVID-19.

O vírus COVID-19 afetará muitas famílias financeiramente vulneráveis ​​e que não estão preparadas para isso. Além de sua dor se perguntarão: onde vamos deitar  nosso ser querido que partiu tão inesperadamente?, disse em um comunicado, o Pe. Mark Scott, Abade da Ordem. 

Os monges de New Melleray fabricarão os caixões de madeira, usando pinheiros completamente maduros que colhem na floresta da abadia, localizada no condado de Dubuque.

Da mesma forma, os monges abençoarão todos os caixões doados, rezarão pelos mortos e enviarão um cartão de memória para as famílias no primeiro aniversário da morte e, como sempre, plantarão uma árvore como um monumento vivo para cada caixão feito.

A ordem já recebeu algumas solicitações de caixões gratuitos desde 25 de março, data em que a iniciativa foi anunciada, disse Marjorie Lehmann, diretora da administração da abadia New Melleray, em declarações à CNA, agência em inglês do grupo ACI.

A oferta de fornecer caixões gratuitos é uma medida temporária projetada para aliviar economicamente as famílias que estão enfrentando estresse financeiro devido ao COVID-19’, acrescentou.

Lehmann assinalou que, embora os monges vivam uma vida oculta de oração, são muito conscientes dos acontecimentos atuais, e é por isso que oferecem caixões gratuitos como um gesto de estar perto das vítimas da pandemia e de pessoas que enfrentam dificuldades financeiras.

Os monges estão prestando esse serviço como uma expressão de solidariedade com todos os que sofrem com a crise do COVID-19’, pois ‘acreditam que enterrar os mortos é uma obra de misericórdia corporal e, como estão enclausurados, essa é a forma como eles podem chegar ao mundo e ajudar em momentos de necessidade’, acrescentou.

Mais de um milhão de pessoas foram infectadas com o novo coronavírus e mais de 70 mil morreram em todo o mundo. Nos EUA, que atualmente é o país mais afetado pelo COVID-19 no mundo, mais de 10 milhões de pessoas ficaram desempregadas nas últimas duas semanas, devido a medidas governamentais obrigatórias para conter a propagação do vírus, que forçaram o fechamento de várias empresas e organizações.

O vírus é um perigo potencial para qualquer pessoa e ainda não é possível ver todo o impacto que esta pandemia trará, e é por isso que ‘qualquer pessoa poderia estar desempregada devido ao fechamento de seus centros de trabalho. Realmente, qualquer pessoa poderia enfrentar estresse financeiro ou precisar da facilidade de enterrar seu ser querido, e um caixão doado poderia significar um pequeno alívio para essa pessoa’, disse Lehmann.

Com a doação de caixões, ‘trata-se de honrar a vida de alguém. Respeitar a pessoa que morre é honrar e validar a vida dessa pessoa’, disse Lehmann, assinalando que ‘o povo precisa que as pessoas demonstrem compaixão e esse é um gesto muito pequeno do qual muitos podem precisar nessa pandemia’.

Através desta iniciativa busca-se ‘ser compassivos e fazer com que as pessoas saibam que não estão sozinhas, que estamos pensando e rezando por elas e estamos aqui para ajudá-las dessa maneira. Não há razão para não fazer isso’, acrescentou.


Fonte :

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Entre os monges

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

'Cultivar o passado, como fazem estes monges,
é necessário em um presente tão caótico como o nosso'



‘O mosteiro está cercado de montanhas e florestas que, neste pleno outono, exibem com orgulho suas cores acobreadas e douradas. A parte mais antiga do lugar, o altar, é românica, do século XI, e o resto da igreja é de estilo gótico do século XVI. O enorme edifício foi desfeito e refeito várias vezes, mas as antiquíssimas pedras estão sempre lá, enormes, imortais, preservando o silêncio.
É o que mais me impressiona, fora da regra de São Bento, escrita no século VI, que continua regulando o funcionamento deste e de todos os mosteiros beneditinos no mundo; com algumas adaptações à época, é claro, como a supressão dos castigos corporais e a exclusão das crianças abandonadas que, pelo visto, eram acolhidas pelas comunidades medievais. Há vinte e um monges, três deles noviços, neste onde passo quatro dias, uma experiência que desejava ter desde que li A Montanha dos Sete Círculos, de Thomas Merton, há muitos anos. O abade está feliz porque há três outros possíveis noviços em perspectiva. A continuidade do mosteiro parece, portanto, assegurada.
O silêncio é tão intenso que é possível ouvi-lo e, quando alguém fala dentro do recinto, apenas sussurra e sintetiza, com a má consciência de estar cometendo uma falta. Que os monges quase não falem entre eles não significa que estejam calados. É exatamente o contrário. Das seis da manhã às dez da noite eles cantam sem cessar, em latim, vigílias, laudes, terça, sexta e nona, vésperas e completas, além das missas diárias, todas cantadas, e os rosários vespertinos. Mas, nas tardes de quinta-feira, eles têm uma recreação; podem sair para passear no campo, sempre em grupo, e conversar entre eles. O silêncio é rigoroso no refeitório na hora das refeições, durante as quais um monge lê sempre em voz alta textos piedosos, vidas de santos ou informações religiosas.
A televisão e o rádio são proibidos, mas o mosteiro recebe dois jornais – não pude averiguar quais –, de modo que os monges não estão totalmente desinformados do que acontece do outro lado destas altas muralhas entre as quais escolheram passar o resto de suas vidas. No entanto, tive a impressão de que o que acontece longe, no século, não lhes interessa muito. Se eles se interessassem, talvez lhes fosse mais difícil aceitar essa existência feita de silêncio, pobreza e solidão, de rituais e orações sem fim, de tempo que não flui, mas que gira sobre si mesmo. São dias muito graves para a Espanha, talvez os piores de sua história, quando uma conjuração separatista parece estar prestes a provocar uma catástrofe sem precedentes no reino mais antigo da Europa; e, no entanto, aqui, ao meu redor, ninguém parece se alterar com essa perspectiva. Somente na missa de domingo o abade, com austeras palavras, pede orações pela Espanha e pela Catalunha.
Ninguém parece triste aqui e muito menos desesperado; é contagioso o entusiasmo e a alegria com que os monges entoam os salmos na igreja, as belas vozes que se distinguem durante a rica liturgia. Há alguns velhinhos entre eles – e um que ‘já perdeu a cabeça’ –, mas a maioria está na flor da idade, como o bibliotecário que na biblioteca do claustro me mostra, feliz, dois incunábulos e uma primeira edição de San Juan de la Cruz. E como o abade, homem sábio, muito culto, o único com quem chego a ter uma ameaça de conversa. Na ordem, de acordo com ele, funciona uma genuína democracia; os monges escolhem seu abade e também podem depô-lo quando pensam que não está à altura de suas funções. Dentro da regra de São Bento, cada comunidade é organizada como melhor lhe convier, tomando as maiores liberdades, sem se sujeitar a um único modelo. Nesta, por exemplo, tanto para aceitar um noviço quanto para admiti-lo no mosteiro depois de dois anos de noviciado, é necessário que pelo menos três quartos dos monges o aprovem. Nem todos os monges são sacerdotes; aqueles que o são tiveram de seguir, depois do noviciado, um mínimo de seis anos de estudo de teologia, sempre longe do lugar aonde mais tarde irão se enclausurar.
Muitos desistem? Pouquíssimos. A razão, segundo o meu interlocutor, é que não é nada fácil ser admitido na comunidade; esta deve estar convencida de que existe uma verdadeira vocação no aspirante, uma consciência clara do que perderá e do que ganhará. Quando fica mais ou menos evidente que ele não está em condições de continuar, a comunidade se adianta para persuadi-lo a desistir, pois existem outras maneiras de buscar a Deus e servi-lo.
Um agnóstico como eu pode apreciar totalmente o que significa a entrega desses homens (e as mulheres, porque a regra de São Bento também regula muitos mosteiros de freiras de clausura) a sua fé? Certamente não. É provável que só se possa entender que existem aqueles que escolhem um destino de isolamento, frugalidade, rotina e espiritualidade tão extremos caso se acredite que há outra vida depois desta, na qual um ser supremo sanciona o mal e recompensa o bem, e que esse é o melhor caminho do aperfeiçoamento e da saúde.
O que um agnóstico pode entender e admirar neste lugar e nessas pessoas é o que T.S. Eliot chamou de continuidade da cultura e da importância que as formas têm para a civilização. São Bento não foi apenas o expoente maior de uma crença religiosa, mas o precursor de uma forma de ser, de crer e agir que mudaria a história do mundo, lançando as bases de uma sociedade mais livre e mais justa do que a humanidade havia conhecido até então, de uma cultura que deixaria uma marca transcendente na história. Ela estava carregada de violência, é claro, e também de injustiças, como todas as histórias.
Mas evoluiu, foi deixando para trás o pior que havia nela, o fanatismo, a intolerância, os preconceitos, foi aprendendo a coexistir com aqueles que a criticavam e negavam e, ao mesmo tempo, deixando testemunhos nas artes, na literatura, na filosofia, nos costumes, de algumas formas que distinguiam o belo do feio e do horrível, o mau do bom, o aceitável do inaceitável. Essa cultura tornou o mundo mais fácil de viver para milhões de milhões de pessoas. Por isso é necessária a sobrevivência de tal passado em um presente tão confuso como o nosso; é uma maneira de evitar retroceder de novo à barbárie. Isso não é impossível. A Espanha esteve na iminência de viver nestes dias essa regressão à pura barbárie que é o nacionalismo, um retrocesso a tempos que pareciam superados e que, no entanto, continuaram sempre aí, ameaçando das sombras ressuscitar ódios e inimizades, o velho fanatismo que está por trás de todas as matanças.
Estes monges talvez não saibam, mas, fazendo o que fazem, mantêm vivas as raízes da nossa civilização, nos defendem da desintegração política e moral, do retorno à selvageria primitiva, a esse mundo de instintos em liberdade no qual, segundo a metáfora de Georges Bataille, na jaula em que vivemos, todos os anjos poderiam ser devorados pelos demônios.
O apito soou. Dentro de cinco minutos, exatamente, o órgão começará a tocar, e os cantos gregorianos explodirão.’

Fonte :


sábado, 17 de junho de 2017

Monges surpreendem com ideia “refrescante” para arrecadar fundos e reconstruir mosteiro

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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‘Os monges beneditinos de Núrsia, na Itália, pensaram em uma ideia interessante para arrecadar dinheiro para reconstruir o seu mosteiro destruído pelos dois terremotos que atingiram a cidade em agosto e outubro do ano passado.

A Basílica de São Bento, onde os monges viviam, foi construída entre os séculos XIV e XVI sobre uma estrutura anterior. Sua cripta é uma construção antiga do século I, onde, segundo a tradição, viveu o santo padroeiro da Europa.

Milagrosamente, a única habitação do mosteiro que permaneceu intacta foi a cervejaria onde produzem a famosa Birra Núrsia.

Depois dos terremotos, que provocaram a morte de centenas de pessoas, os monges foram obrigados a se mudar para barracas e cabanas em um inverno italiano muito frio.

Logo depois que se mudaram, começaram a trabalhar para reconstruir um novo mosteiro à prova de terremotos em San Benedetto em Monte.

Recentemente, os monges anunciaram uma notícia especial : a cerveja belga ‘Leffe’ aceitou fazer uma parceria com eles para preparar uma edição especial, cujos lucros serão revertidos diretamente para a reconstrução do novo mosteiro.

A cerveja Leffe, uma das preferidas da Bélgica e elaborada na tradição monástica, lançou uma cerveja de edição limitada especial com Birra Núrsia, nossa própria cerveja, como rótulo conjunto com Leffe Blonde’, anunciaram os monges em uma mensagem.

Embora as duas cervejas, Leffe e Birra Núrsia, permaneçam distintas, o nome Núrsia na garrafa de Leffe Blonde simboliza o compromisso compartilhado das duas cervejarias : reconstruir Núrsia e dar esperança à região atingida pela tragédia’, explicaram.

As 100 mil garrafas desta edição especial só estarão disponíveis para a sua distribuição na Itália e financiarão diretamente a nova capela de madeira ‘que não é apenas para os monges, mas está aberta para todas as pessoas que têm sede de Deus’.

A cerveja Leffe tem raízes monásticas. A abadia de Leffe realizou este trabalho durante séculos até a Revolução Francesa que provocou o abandono e a destruição da cervejaria.

Na década de 1950, determinado a não deixar morrer a tradição cervejeira, o abade Pe. Abbot Nys conheceu o mestre cervejeiro Albert Lootvoet e fizeram um acordo.

Pouco tempo depois, a cervejaria Leffe começou a funcionar novamente e agora está sob a propriedade da Anheuser-Busch InBev. Uma parte do dinheiro ainda é enviada para apoiar o mosteiro de Leffe.

Para os monges de Núrsia, a capela de madeira é a primeira fase de uma reconstrução total da abadia. Embora seja inaugurada oficialmente em setembro, já celebraram uma Missa de ação de graças na capela de Pentecostes, apesar do teto do templo ainda não estar pronto.

‘Deste modo, recordamos : Nisi Dominus aedificaverit domum en vanum laboraverunt qui aedificant eum’, disseram os monges, ou seja, ‘Se o Senhor não edifica a casa, em vão trabalham os que a edificam’.

Para os monges, esta experiência os recorda que ‘nos momentos de tragédia, quando tudo parece estar perdido, Deus nos chama a confiar que em algum lugar, de alguma maneira, pode nascer o bem’.’

           
Fonte :

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

O céu do monginho

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  *Artigo de Dom Mamerto Menapace, OSB

O monginho achava-se na igreja. Começava a primavera, quando o sol fica mais fraco e lá fora, tudo canta a vida. Era o início da tarde e ele se encontrava sentado num banco da igreja, entre meditando e distraído. Pela janela aberta entrava a luz, o calor e muitos seres pequeninos e vivos moviam-se no ar.

Na realidade não estava distraído, mas absorto. Havia um pensamento que o vinha perseguindo há vários dias. Talvez fosse por causa da primavera que começava. O certo é que há muitos dias vinha se perguntando sobre a eternidade do céu. Sobretudo questionava-o a idéia de uma realidade que nunca teria fim e da qual Deus o convidava a participar também.

Era um monginho ativo, cheio de vida, curioso e inteligente, esperto e sonhador. Não entendia como Deus conseguiria manter o interesse numa realidade que seria eterna. Porque ele não conseguia passar meia hora sem ter de mudar de ocupação ou de lugar. Assustava-se com a idéia de permanecer para sempre em algo eterno.

Estava pensando nisso e, adormecendo, quando de repente um pequeno pássaro que acabava de entrar pela janela chamou sua atenção. Parecia uma avezinha simples e sobretudo mansa.

Depois de um curto vôo, foi colocar-se a dois ou três bancos adiante do monginho. Não pareceu importar-se com sua presença. Após um momento de silêncio, levantou a cabecinha e deu um delicioso gorjeio que encheu de ecos o silêncio da igreja.

Quando o canto repetiu-se novamente o monginho, sem pensar no que fazia, levantou-se e se aproximou do passarinho que não demonstrou medo. Simplesmente deu outro pequeno salto e foi colocar-se no encosto do banco seguinte enquanto gorjeava novamente um trinado. Mas desta vez, o canto era modulado de maneira diferente. Parecia mais belo e mais sonoro. Além disso, ao dar o sol sobre suas penas, havia coloridos que antes não haviam aparecido. Maravilhado, nosso amigo só fez com que a avezinha repetisse seu curto vôo até outro banco mais adiante.

E assim, de vôo em vôo, de trinado em trinado, ambos foram se dirigindo até a porta da igreja. O monginho estava tão entusiasmado que nem se dava conta do que fazia. Simplesmente ia atrás da ave canora, que a cada instante mostrava um novo colorido ou exprimia uma harmonia diferente e sempre mais bela. Atravessaram a porta, cruzaram o jardim, saíram pelo grande portão que dava para o bosque do outeiro vizinho e finalmente se adentraram enel sem se dar conta de que iam se afastando cada vez mais do mosteiro. Quanto tempo transcorreu desde aquele momento não o soube então o monge. Porque, passo a passo, e indo atrás da encantadora ave, foi perdendo a noção das horas e da distância.

Mas, finalmente a avezinha deu um gorjeio como nunca havia dado, e batendo suas pequenas asas, perdeu-se entre a folhagem do bosque.

Então, subitamente, o monginho voltou a si e assustou-se ao ver que já era tarde. Voltou sobre seus passos, amedrontado por não reconhecer o caminho que o havia conduzido até ali. Mas do alto do bosque onde se encontrava, às vezes via entre a folhagem o mosteiro e assim ia se situando. O que no entanto estranhava profundamente era não conseguir encontrar a porta por onde havia saído. Ao entardecer, por mais que procurasse onde ela estaria, não pode achá-la. Contornado o mosteiro, afinal deu com a porta principal. Contudo, o que via parecia-lhe estranho. Nada era agora familiar e sentia-se como de outro mundo.

Tocou a campainha e veio atender um velho irmão porteiro com uma longa barba branca. Não o reconheceu. Inteiramente atrapalhado e temendo um equívoco, perguntou timidamente se aquele era o mosteiro de São Pantaleão. O monge porteiro respondeu-lhe que sim e perguntou, por sua vez o que desejava. Nosso monginho, perplexo, pediu que lhe abrisse a porta para voltar à sua cela e desculpar-se com o mestre de noviços. Está claro que o porteiro não entendeu nada e não sabia o que pensar. Tratar-se-ia de alguma brincadeira de um dos monges disfarçado? Ou então seria algum louco que confundia as coisas?

Não sabendo como proceder, pediu-lhe amavelmente que se assentasse esperasse o abade, a quem ia chamar em seguida. Quando este veio, tampouco reconheceu o monginho nem este o abade. Cumprimentaram-se e começaram a conversar. O noviço, aflito, contou o que lhe havia acontecido aquela tarde ou talvez – não sabia – na tarde anterior. Como abandonara a igreja e o mosteiro indo atrás daquela rara avezinha de canto e plumagem continuamente cambiante que o havia fascinado e levado atrás dela. Também abriu seu coração ao abade confessando que sentia tudo diferente ao seu redor e não conseguira reconhecer nada do que via. Nem podia reconhecer com quem estava falando.

Vocês imaginarão como estaria perplexo o abade diante daquele estranho e desconhecido monginho que contava uma história tão bela e extraordinária. Supôs que se trataria de um jovem desorientado e mentalmente enfermo que estava inventando uma história sobre sua própria vida, ainda que o fazia tão bem que não podia negar a realidade dos fatos que verdadeiramente coincidiam com as daquele velho mosteiro. Como era um homem bom e não queria ferir o jovem com o que pensava interiormente, decidiu tentar convencê-lo mediante o registro dos monges, para lhe mostrar que seu nome nunca estivera inscrito naquele mosteiro.

Trouxeram o livro de registro onde há séculos vinham anotando os monges que ali haviam vivido e, folha por folha, começando pelas últimas, foi mostrando que efetivamente ali não estava seu nome. Mas, de repente, ao folhear ao acaso o livro, seus olhos depararam com algo insólito. Uma página estava metade em branco. E para sua surpresa, ali aparecia o nome do monginho, com todos os seus dados e uma nota em vermelho que dizia simplesmente : ‘Desapareceu numa tarde no bosque sem deixar rastros’. Era uma página escrita 227 anos atrás.

Esta bela história termina assim : ‘O jovem se deu conta que sem o saber, seguira durante todos esses 227 anos a avezinha, sem se cansar nem envelhecer. E experimentou um tal desejo de ir ao céu, que ali mesmo...despertou de seu sono, no banco da igreja, naquele entardecer’.

Já era hora das Vésperas.


Fonte : 
* Dom Mamerto Menapace, OSB, abade emérito de Santa Maria de Los Toldos (Argentina); foi Presidente da Congregação Beneditina da Santa Cruz do Cono Sur.

- Artigo publicado em Cuadernos Monásticos 75 – 1985.
 
Revista Beneditina nrº 11, Julho/Agosto de 2005, traduzido do espanhol e editado pelas monjas beneditinas do Mosteiro da Santa Cruz – Juiz de Fora/Minas Gerais.