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quarta-feira, 19 de julho de 2023

Quatro grande vantagens para quem possui a caridade

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Angelo Bellon, OP


Questão

Caro Padre Angelo, São Tomás de Aquino fala da caridade somente na Suma Teológica?

Obrigado

Resposta do sacerdote

Caro,

Sim, e ele fala também em outros lugares, como por exemplo no terceiro livro do Comentário às Sentenças de Pietro Lombardo. Mas eu quero relembrar também uma breve apresentação dos efeitos e das vantagens da caridade, que São Tomás escreveu.

Comentando os dois preceitos da caridade (amar a Deus e ao próximo), ele enumera quatro efeitos desta virtude, que a tornam muito agradável, aos quais acrescenta outros cinco. Exponho a síntese dos primeiros quatro (São Tomás, In duo praecepta caritatis et in decem legis praecepta expositio, nn. 1139-1154).

1. Infunde no homem a vida espiritual (causat in eo spiritualem vitam)

É manifesto que o amado vive naturalmente no coração daquele que o ama. E por isso quem ama a Deus o possui dentro de si (qui diligit Deum, ipsum habet in se) : ‘quem permanece na caridade, permanece em Deus, e Deus nele’ (1Jo 4,16). 

Por seu dinamismo natural, o amor transforma o amante no amado; por isso, se amamos coisas sem valor e passageiras, tornamo-nos também nós sem valor e efêmeros, como diz o profeta Oseias : ‘tornaram-se abomináveis como aquilo que amaram’ (Os 9, 10). Se amamos a Deus, tornamo-nos divinos, porque ‘quem se une ao Senhor torna-se com ele um só espírito’ (1Cor 6,17). 

Mas como diz Santo Agostinho, ‘como a alma é a vida do corpo, assim Deus é a vida da alma’ (Confissões, X,1). E isto é obvio. De fato, digamos que o corpo vive graças à alma quando possui as atividades próprias da vida, aquilo que age e se move. Se a alma vai embora, o corpo não age e não se move mais. E assim, também a alma age virtuosae e perfeitamente quando age movida pela caridade, por meio da qual Deus habita nela. Sem caridade, porém, não age. De fato ‘quem não ama, permanece na morte’ (1Jo 3,14). 

Deve-se considerar também que se uma pessoa tem todos os dons carismáticos do Espírito Santo, mas não tem a caridade, não tem a vida. O carisma das línguas, da fé e também qualquer outro carisma, sem a caridade, não comunica a vida. Um cadáver, se revestido de ouro e de pedras preciosas, permanece igualmente um cadáver. Isto é, portanto, o primeiro efeito do amor.

2. A caridade nos faz observar os mandamentos

São Gregório diz que ‘o amor de Deus nunca se encontra no ocioso; porque existe, faz coisas grandiosas. Se se recusasse a agir, não seria amor’. Ou seja, sinal evidente da caridade é a prontidão no observar os mandamentos divinos. Nós vemos, de fato, que o amante é capaz de coisas grandes e difíceis pelo amado : ‘se alguém me ama, guarda a minha palavra’ (Jo 14,23).

Gosto de lembrar que João Paulo II, na Encíclica Veritatis Splendor, parece se referir a este pensamento de São Tomás quando escreve : ‘Quem vive «segundo a carne» sente a lei de Deus como um peso, mais, como uma negação ou, pelo menos, uma restrição da própria liberdade. Ao contrário, quem é animado pelo amor e «caminha segundo o Espírito» (Gál 5, 16) e deseja servir os outros, encontra na lei de Deus o caminho fundamental e necessário para praticar o amor, livremente escolhido e vivido’ (VS, 18).

3. A caridade é baluarte (praesidium) contra a adversidade

Quando uma pessoa possui a caridade, nenhum infortúnio ou dificuldade a prejudica, mas volta ao seu favor : isso porque ‘todas as coisas concorrem para o bem dos que amam a Deus’ (Rm 8, 28). Contrariedade e dificuldade parecem suaves a quem ama, como atesta a experiência. 

4. A caridade conduz à felicidade

Somente a quem possui a caridade é prometida a bênção eterna. Sem a caridade, de fato, tudo é insuficiente : ‘resta-me agora receber a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia, e não somente a mim, mas a todos aqueles que aguardam com amor a sua aparição’ (2Tm 4,8).

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2014/09/04/quatro-grande-vantagens-para-quem-possui-a-caridade/

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Os 5 argumentos que indicam a existência de Deus, segundo S. Tomás de Aquino

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo da redação da Aleteia


‘Em seu famoso livro ‘Deus, um delírio’, o ateu proselitista Richard Dawkins afirma que a questão da existência de Deus depende de evidências científicas e não pode ser provada. Ele considera que algum dia talvez saibamos a resposta, mas, enquanto isso, podemos afirmar a forte probabilidade de que Deus não existe.

Um primeiro ponto de atenção neste processo de raciocínio está no perigo de facilmente extrapolá-lo para a falácia de pensar que, se algo ainda não foi provado, é sinal de que não existe. A vida extraterrestre, por exemplo, nunca foi provada, mas desta premissa não é válido afirmar como conclusão que ela não exista.

Mas há outro ponto de atenção muito mais sutil nesse terreno de mistura entre suposta argumentação científica e especulações baseadas em opinião pessoal : a discussão sobre as provas. Que tipo de ‘prova científica’ é razoável pretender que exista a respeito da existência de um Ser que não tem natureza material?

Se o próprio conceito de Deus implica a Sua imaterialidade, e, se além disso, Ele próprio é o Criador de toda a natureza e, portanto, é maior que ela, então a suposta prova da Sua existência não pode ser reduzida aos limites da natureza, precisando-se que seja deduzida pela razão.

De fato, um dos maiores filósofos da história, S. Tomás de Aquino, refletiu e escreveu sobre 5 argumentos racionais que apontam para a necessidade da existência de Deus. São eles :

1° argumento : o ‘primeiro motor imóvel’

O movimento existe : isto é evidente aos nossos sentidos. Ora, se aquilo que se move é movido por alguma força, por algum motor, não é intelectualmente satisfatório pensar que cada motor de cada movimento seja movido ele próprio por outro motor, sendo este, por sua vez, movido por outro motor, que seria movido por mais outro, e assim indefinidamente ao infinito : é razoável que exista uma origem primeira do fenômeno do movimento, ou um motor que move sem ser movido. Esse primeiro motor imóvel teria que ser Deus, o Criador de todo movimento.

2° argumento : a ‘causa primeira’

Se todo efeito tem uma causa e cada causa é, por sua vez, o efeito de outra causa, caímos no mesmo ciclo indefinido e infinito do problema anterior, o que não é satisfatório para uma honesta busca intelectual de respostas claras. Qual seria a causa primeira das outras causas, uma causa que não seja causada por nenhuma outra?

3° argumento : o ‘ser necessário’

Se todos os seres são finitos e contingentes, isto é, ‘são e deixam de ser’, então todos os seres deixariam de ser e, em determinado momento, nada existiria, o que é tão absurdo quanto afirmar que aquilo que existe passou a existir a partir do nada, sem qualquer causa primeira e sem qualquer motor não movido. Acontece que a própria existência dos seres contingentes implica a de um Ser necessário, que simplesmente ‘é’ : Deus.

4° argumento : o ‘ser perfeitíssimo’

Podemos claramente perceber que uma coisa é maior ou menor que outra, ou menos ou mais verdadeira que outra, o que significa que somos capazes de compreender que os seres finitos têm algum grau de perfeição, mas nenhum é a perfeição absoluta ou a suma causa de todas as perfeições – esta, no entanto, precisa existir, dado que há seres que a possuem em algum grau. Necessariamente, o grau sumo da perfeição do ser teria que ser Deus.

5° argumento : a ‘inteligência ordenadora’

Todos os seres tendem a uma finalidade que não é obra do mero acaso, mas de uma inteligência que os dirige. Logo, é preciso que exista um ser inteligente que ordene a natureza e a encaminhe para a sua finalidade : esse ser inteligente teria que ser Deus.

Fé e razão andam juntas

O Concílio Vaticano I afirma que a fé e a razão não são apenas compatíveis, mas se apoiam mutuamente, o que também é enfaticamente reiterado pela célebre encíclica Fides et Ratio, de São João Paulo II :

‘A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade’.

É verdade que o que Deus é em si está além da nossa capacidade natural de saber. Fomos criados por Deus, mas não somos iguais a Ele e não podemos conhecê-lo totalmente pelas nossas próprias forças.

O Vaticano I diz que Deus é substância espiritual completamente simples e imutável – pela Sua natureza, Deus é diferente de qualquer coisa criada.

A fé, porém, é um dom de Deus que nos permite conhecê-lo, ainda que imperfeitamente, já que o próprio conceito de Deus supera a nossa capacidade limitada de compreensão.

Além disso, saber quem é Deus é diferente de saber que Ele existe. Nós somos capazes de deduzir que Ele existe a partir da estrutura do mundo criado, usando a nossa racionalidade para descobrir na criação os indícios que apontam para a sua origem : o primeiro motor, a causa primeira, o Ser supremo.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2018/05/25/os-5-argumentos-que-indicam-a-existencia-de-deus-segundo-s-tomas-de-aquino/?fbclid=IwAR119jYkzN7VHUYFTqpdtnw4fBZ0kK1RLrczoj-sFULvwDFU_0EYLyzJU2o

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Entender e viver Corpus Christi


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

Celebração de Corpus Christi receberá doações para o inverno ... 
*Artigo do Padre Alberto Gambarini


‘A solenidade de Corpus Christi é a ocasião oportuna para de um modo público, em nossas praças e ruas, testemunhar a nossa fé na certeza da presença real de Jesus na Eucaristia. Esta maravilha tão sublime e elevada, através da qual o Senhor se doa em alimento e remédio, para quem o recebe com fé, aconteceu na 5º feira Santa.

Neste dia, Jesus, deu aos apóstolos a grande missão de continuarem a celebrar a ceia através dos tempos, ordenando : ‘Fazei isto em memória de mim’. Ao dizer fazei isto, apontou para uma realidade forte. Quando se celebra a eucaristia, não se trata de uma recordação ou representação simbólica, mas um ato a cumprir.  Deste modo, cremos, que depois do sacerdote ter invocado o Espírito Santo, e repetido as palavras do Senhor na última ceia, o pão e o vinho se tornam o Seu Corpo e Sangue.

No discurso do pão da vida, Jesus é muito claro a este respeito, ao afirmar em Jo 6,51 : ‘E o pão, que eu hei de dar, é a minha carne para a salvação do mundo’. A cada missa acontece o maior de todos os milagres, e a mais importante de todas as aparições. O próprio Jesus se faz presente para encher com a sua glória e poder, o lugar onde se celebra a   Eucaristia, como também a cada pessoa presente neste momento tão sagrado e sobrenatural.

De todos os sacramentos, a Eucaristia, é o mais comovente, porque é aqui que Jesus Cristo nos mergulha no amor da sua entrega total realizada na cruz. Em 1Pdr 2,24 lemos : ‘Carregou os nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro para que, mortos aos nossos pecados, vivamos para a justiça. Por fim, por suas chagas fomos curados’ A cada Eucaristia torna-se presente este efeito da cruz. São Paulo em 1Cor 11,24, revela importantes gestos e palavras de Jesus durante a ceia : ‘e, depois de ter dado graças, partiu-o e disse : Isto é o meu corpo, que é entregue por vós…’ Onde foi partido e entregue o Corpo de Cristo?  Na cruz.

Em 1Cor 11,25 também esta revelado : ‘Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue; todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de mim’. Ao falar  Nova Aliança, recorda a Antiga Aliança do passado onde existia o sacrifício de animais. Onde Jesus foi sacrificado e derramou o Seu sangue precioso? Na cruz. Por isso, a Eucaristia é a maior fonte de cura para todas as dimensões da nossa vida. São Pedro nos disse : por suas chagas fomos curados.

Quando participamos da santa missa, entramos em um mundo espiritual, que está fora do tempo material, e se transforma na melhor hora de Deus para a nossa vida. Não podemos esconder tão grande tesouro e fonte de milagres.

A missa de Corpus Christi, com a procissão e bênção, é uma é uma oportunidade especial para avivar a nossa fé no amor de Deus. É Jesus em pessoa, que não fica restrito as paredes de uma igreja, mas que passa no meio do povo, e santifica nossas ruas com a sua presença. Jesus vivo vai passar próximo de você, coloque em ação o poder da fé, e com certeza você experimentará a bênção de Deus agindo em sua vida.

Origem da festa de Corpus Christi

Sua origem está ligada a dois fatos do século XIII :

– As revelações feitas a Santa Juliana de Liege, onde Nosso Senhor Jesus Cristo pedia uma festa pública dedicada a Eucaristia. Nesta época era sacerdote, nesta diocese da Bélgica, o futuro papa Urbano IV.

– O Milagre Eucarístico de Bolsena (Itália), acontecido em 1263

O sacerdote Pedro de Praga fazia uma peregrinação à Roma. Nessa viagem, parou para pernoitar na vila Bolsena, não longe de Roma e se hospedou na Igreja de Santa Catarina. Na manhã seguinte, foi celebrar uma missa e pediu ao Senhor que tirasse da sua mente as dúvidas sobre a Sua presença real na Eucaristia. Era difícil para ele acreditar que no pão e no vinho, estava o Corpo de Cristo. Na hora em que ergueu a hóstia, esta começou a sangrar (sangue vivo). Ele assustado, embrulhou a hóstia e voltou à sacristia e avisou o que estava acontecendo. O sangue escorria, sujando todo o chão no qual apareciam vários pingos.

O milagre foi informado ao Papa Urbano IV, que estava em Orvieto, que mandou um bispo a essa vila verificar a veracidade de tal fato. O bispo viu que a hóstia sangrava e o chão, o altar e o corporal (toalha branca do altar) estavam todos manchados de sangue. Imediatamente organiza uma procissão para levar o corporal do milagre à presença do papa. O Papa resolve ir ao encontro da procissão. Quando o bispo mostra o corporal manchado de sangue, o papa se ajoelha e diz : ‘Corpus Christi’!

Em 1264, o papa Urbano IV, estendeu a festa para toda a Igreja, pedindo a Santo Tomás de Aquino que preparasse as leituras e textos litúrgicos que, até hoje, são usados durante a celebração.’


Fonte :
*Artigo na íntegra

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Por que Tomás de Aquino acreditava que a Eucaristia é Jesus


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Kathleen Hattrup,
teóloga

 ‘São Tomás de Aquino escreveu cinco magníficos hinos à Eucaristia a pedido do Papa Urbano VI, que estabeleceu a festa de Corpus Christi em 1264.

Existem várias traduções para o seu hino Adoro Te Devote, escrito em latim.

Passar tempo em oração com este hino pode nos ajudar a aprofundar a beleza da poesia e da fé que despertou.

Fortaleça hoje sua fé na Eucaristia rezando com este hino.

1. Eu vos adoro devotamente, ó Divindade escondida,
Que verdadeiramente oculta-se sob estas aparências,
A Vós, meu coração submete-se todo por inteiro,
Porque, vos contemplando, tudo desfalece.

2. A vista, o tato, o gosto falham com relação a Vós
Mas, somente em vos ouvir em tudo creio.
Creio em tudo aquilo que disse o Filho de Deus,
Nada mais verdadeiro que esta Palavra de Verdade.

3. Na cruz, estava oculta somente a vossa Divindade,
Mas aqui, oculta-se também a vossa Humanidade.
Eu, contudo, crendo e professando ambas,
Peço aquilo que pediu o ladrão arrependido.

4. Não vejo, como Tomé, as vossas chagas
Entretanto, vos confesso meu Senhor e meu Deus
Faça que eu sempre creia mais em Vós,
Em vós esperar e vos amar.

5. Ó memorial da morte do Senhor,
Pão vivo que dá vida aos homens,
Faça que minha alma viva de Vós,
E que a ela seja sempre doce este saber.

6. Senhor Jesus, bondoso pelicano,
Lava-me, eu que sou imundo, em teu sangue
Pois que uma única gota faz salvar
Todo o mundo e apagar todo pecado.

7. Ó Jesus, que velado agora vejo
Peço que se realize aquilo que tanto desejo
Que eu veja claramente vossa face revelada
Que eu seja feliz contemplando a vossa glória.
Amem


Fonte :

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Rezando o Pai-Nosso com São Tomás de Aquino (Parte 1)

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Padre Paulo Ricardo


‘Pai-Nosso, a mais perfeita das orações.
Ainda que percorramos todas as Escrituras, não encontraremos, nem mesmo entre os Salmos, uma oração mais bela e perfeita do que o Pai-Nosso. Na Oração do Senhor está contida toda a ciência da vida espiritual.
* * *
Durante seu último período de ensino em Nápoles, entre os anos de 1272 e 1273, Santo Tomás de Aquino dividiu-se entre a cátedra e o púlpito. É a essa época que pertence uma série de homilias quaresmais pregadas pelo Angélico em dialeto napolitano e posteriormente transcritas em latim por algum confrade seu. Entre as que sobreviveram ao tempo, encontra-se uma densa, mas sucinta exposição sobre o Pai-Nosso (Collationes in Orationem Dominicam), cujo prólogo apresentamos abaixo em nova tradução ao português. Trata-se de um ‘escrito’ que, com a liberdade típica de um sermão proferido ante um público de leigos e religiosos, preserva os traços característicos de um gênio teológico como o de Santo Tomás. Análise minuciosa, clareza expositiva e, sobretudo, o respaldo constante das Escrituras são algumas das notas que dão a essa obra uma fisionomia genuinamente tomista; só no pequeno trecho introdutório com que hoje damos início à sua publicação contam-se mais de vinte referências bíblicas — citadas pelo Aquinate, provavelmente, todas de memória.
Depois de explicar a excelência da Oração do Senhor e as palavras invocatórias ‘Pai nosso que estais nos céus’, Tomás expõe cada um dos sete pedidos que a compõem, concluindo com uma brevíssima síntese de todo o Pai-Nosso, semelhante em certos pontos à que se lê em S. Th. II-II, q. 83, a. 9. Resumo de todo o Evangelho e centro a que converge a riqueza dos Salmos, a Oração dominical ocupa o principal lugar entre as demais orações; por ela não só aprendemos o que podemos desejar (cf. De decem præceptis, pr.), mas ainda o modo com que o devemos pedir, e nisto consiste o fundamento e ponto de arranque de toda a vida espiritual. Esmiuçando a prece que, por ter em grau sumo as qualidades que uma boa oração deve possuir, é com justiça a mais perfeita de todas, estas Collationes são de grande proveito para a nossa meditação diária. E se bem que não tenham sido vistas e revistas pelo autor, constituem, em todo o caso, uma joia da literatura cristã medieval que ainda merece ser lida, apreciada e, acima de tudo, meditada nos dias de hoje, em que rezar nunca foi tão necessário. Foram esses os motivos que levaram a equipe Christo Nihil Præponere a dá-las a conhecer a quantos estiverem interessados não só em aprender com o Aquinate, mas também a orar com ele e com a ajuda dele.
O texto-base de que nos servimos para realizar essa tradução é o estabelecido na conhecida edição de Turim (cf. S. Thomæ Aquinatis, ‘In Orationem Dominicam, videlicet ‘Pater noster’ expositio’, in : R. M. Spiazzi (org.), Opuscula Theologica, vol. 2. 2.ª ed., Taurini-Romæ : Marietti, 1954, pp. 219-235), também disponível aqui, em formato eletrônico. No que respeita aos critérios adotados, convém observar que, embora procure manter-se fiel ao fraseado original, a versão portuguesa aqui disponibilizada não tem a pretensão de ser ‘acadêmica’, mas uma pequena tentativa de divulgar a obra de Santo Tomás de Aquino sem trair-lhe o pensamento. Esta tradução, mais do que decalcar ad litteram, procura dizer em português aquilo e só aquilo que o original diz sinteticamente em latim. Por isso, as inelegâncias de estilo e a repetição frequente de certas fórmulas correspondem, na medida do possível, ao sabor e à sobriedade do original, carente de sutilezas escolásticas, palavras técnicas e voos oratórios [1]. As palavras entre divisas (< >) são explicitações ou inserções de nossa parte que visam ora esclarecer o texto, ora torná-lo mais fluido. A tradução das citações bíblicas foi extraída, na maioria dos casos, das versões ‘Ave-Maria’ (195.ª ed., São Paulo : Ave-Maria, 2011) e do Pe. Matos Soares (6.ª ed., Porto : Tip. Sociedade de Papelaria, 1956). Além destas, foram utilizadas também, de quando em quando, as traduções da CNBB e da Bíblia de Jerusalém.
Exposição sobre a Oração do Senhor [2]
Santo Tomás de Aquino
PRÓLOGO [3]
I. A excelência do Pai-Nosso
1 As cinco qualidades da oração — A Oração do Senhor ocupa, entre as demais orações, o principal lugar, já que possui as cinco qualidades de que <toda> oração se deve revestir. Com efeito, a oração deve ser confiante, reta, ordenada, devota e humilde.
a) Deve ser confiante, para que nos ‘aproximemos confiadamente do trono da graça’ (Hb 4, 16), como está escrito na Epístola aos Hebreus, e também firme na fé, como diz São Tiago : ‘Peça com fé, sem nada hesitar’ (Tg 1, 6). A Oração do Senhor é com razão a mais confiável, porque (i) foi instituída pelo nosso advogado, o mais sábio dos pedintes, ‘no qual estão escondidos todos os tesouros de sabedoria’ (Cl 2, 3) e de quem diz São João : ‘Temos um intercessor junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo’ (1Jo 2, 1). Por isso, diz Cipriano : ‘Uma vez que temos a Cristo como advogado junto ao Pai por nossos pecados, ao pedirmos perdão de nossos delitos apresentemo-nos com as palavras do nosso defensor’ [4]. Ela parece ser, além disso, ainda mais confiável (ii) pelo fato de nos ter ensinado a rezar aquele que com o Pai presta ouvidos à nossa oração, de acordo com o Salmo : ‘Quando me invocar, eu o atenderei’ (Sl 90, 15). Por isso, diz Cipriano : ‘Rogar ao Senhor com suas próprias palavras é dirigir-lhe uma oração amiga, familiar e piedosa’ [5]. Daí que nunca se saia desta oração sem fruto. De fato, como diz Agostinho, por ela são perdoadas as faltas veniais [6].
b) A nossa oração deve também ser reta, de maneira que o orante peça a Deus o que lhe convém, pois, segundo Damasceno, ‘a oração é um pedido a Deus dos bens adequados’ [7]. Com efeito, a oração deixa muitas vezes de ser atendida porque se pedem coisas inapropriadas : ‘Pedis e não recebeis, porque pedis mal’ (Tg 4, 3) [8]. De fato, é dificílimo saber o que se deve pedir, já que tampouco é fácil saber o que se deve desejar. Igualmente, é permitido aspirar ao que na oração é lícito pedir. Por isso, o Apóstolo reconhece : ‘Não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém’ (Rm 8, 26). Ora, é a Cristo, nosso Mestre, que toca ensinar o que temos de pedir, e por isso lhe rogaram os discípulos : ‘Senhor, ensina-nos a orar’ (Lc 11, 1). Por conseguinte, o que Ele nos ensina a pedir na oração é o que mais retamente podemos desejar : ‘Quaisquer que sejam as nossas palavras’, diz Agostinho <a esse propósito>, ‘nada diremos que já não esteja contido nessa oração, contanto que rezemos de modo justo e adequado’ [9].
c) Em terceiro lugar, a oração tem de ser ordenada como o desejo do qual é expressão. Pois bem, a ordem devida é que em nossos desejos e orações prefiramos os bens do espírito aos da carne e as coisas celestes às terrenas, conforme o que se lê no Evangelho segundo Mateus : ‘Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo’ (Mt 6, 33). É isso o que o Senhor nos ensinou a observar nessa oração, em que primeiro se pedem os bens celestiais e só depois os terrenos.
d) Deve também ser devota, pois a devoção em abundância torna aceitável a Deus o sacrifício da oração, de acordo com o Salmo : ‘Invocando o vosso nome, levantarei as minhas mãos. Como de banha e de gordura será saciada a minha alma’ (Sl 62, 5s). Ora, acontece muitas vezes de a devoção enfraquecer-se por causa do excesso de palavras. Por esse motivo, o Senhor ensinou a fugir à excessiva prolixidade da oração, ao dizer : ‘Nas vossas orações, não multipliqueis as palavras’ (Mt 6, 7). E Agostinho escreve a Proba : ‘Que a oração não tenha excesso de palavras, mas de súplicas, se continua fervorosa a atenção’ [10]. Por isso, o Senhor instituiu essa breve oração. Mas a devoção, por sua vez, nasce da caridade, que é amor a Deus e ao próximo, ambos os quais estão presentes nessa oração. Com efeito, para manifestarmos nosso amor a Deus, chamamos-lhe Pai; e para manifestarmos nosso amor ao próximo, oramos por todos em comum dizendo : ‘Pai nosso’ e ‘Perdoai-nos as nossas ofensas’. A isso nos move, pois, o amor aos semelhantes.
e) A oração precisa, enfim, ser humilde, conforme o que diz o Salmo : ‘Ele se voltou para a súplica dos indigentes’ (Sl 101, 18), a parábola do fariseu e do publicano (cf. Lc 18, 9-15) e o que se lê no Livro de Judite : ‘Sempre vos foram aceitas as preces dos mansos e humildes’ (Jt 9, 16). Ora, na Oração do Senhor se guarda a verdadeira humildade, que consiste em nada presumir das próprias forças, mas tudo esperar da virtude divina.
2 Os três efeitos da oração — Deve-se notar, além disso, que a oração produz três bons efeitos.
a) Em primeiro lugar, ela é um remédio eficaz e útil contra os males. A oração livra-nos, pois, (i) dos pecados cometidos, como canta o salmista : ‘E vós perdoastes a pena do meu pecado. Assim também todo fiel recorrerá a vós’ (Sl 31, 5s). Desse modo orou o ladrão pregado à cruz, obtendo o perdão : ‘Hoje estarás comigo no paraíso’ (Lc 23, 42) e o publicano, voltando para casa justificado (cf. Lc 18, 9-14). Livra-nos também (ii) do medo dos pecados futuros, das tribulações e das tristezas : ‘Alguém entre vós está triste? Reze!’ (Tg 5, 13). Livra-nos, enfim, (iii) das perseguições e dos inimigos : ‘Em resposta ao meu afeto, acusaram-me. Eu, porém, orava’ (Sl 108, 4).
b) A oração, em segundo lugar, é um meio eficaz e útil de obter tudo o que se deseja : ‘Tudo o que pedirdes na oração, crede que o tendes recebido’ (Mc 11, 24). Mas se porventura não somos ouvidos, isto se deve a que ou não pedimos com insistência, pois ‘é necessário orar sempre sem jamais deixar de fazê-lo’ (Lc 18, 1), ou não pedimos o que mais convém à nossa salvação : ‘O bom Senhor’, diz Agostinho, ‘negando-nos muitas vezes o que queremos, dá-nos o que deveríamos querer’ [11]. Assim sucedeu a Paulo, que três vezes rogou a Deus que lhe apartasse um espinho na carne e não foi atendido (cf. 2Cor 12, 7s).
c) Em terceiro lugar, é útil, porque nos torna amigos íntimos de Deus : ‘Que minha oração suba até vós como a fumaça do incenso’ (Sl 140, 2).’
Referências
  1. Cf. J.-P. Torrell, Iniciação a Santo Tomás de Aquino. Trad. port. de Luiz P. Rouanet. 3.ª ed., São Paulo : Loyola, 2011, p. 86.
  2. Ao presente opúsculo se atribuem outros títulos em diferentes edições: Expositio devotissima Orationis DominicæCollationes de Pater nosterExpositio de Pater noster. P. Mandonnet (1858-1936), importante historiador da filosofia medieval, data-o do tempo da Quaresma de 1273 (cf. Bibliographie Thomiste, Le Saulchoir, Kain, 1921, p. XVII, n. 72. A sua autenticidade não é posta em dúvida por nenhum estudioso (cf. P. Mandonnet, Des écrits authentiques de Saint Thomas d’Aquin. 2.ª ed., Freibourg, 1910, p. 107, n. 72; A. Michelitsch, Thomas Schriften, vol. 1, Graz, 1913, p. 186, n. 78; M. Grabmann, Die echten Shriften des hl. Thomas von Aquin, 3.ª ed., Münster i. W. 1949, p. 318). Pertence aos Reportata, isto é, ao conjunto de obras que, não tendo sido escritas de próprio punho por Santo Tomás, foram passadas ao papel seja por ditado, seja pela transcrição (reportatio) de alguma homilia; a desta nos foi legada, provavelmente, por Reginaldo de Piperno (c. 1230 – c. 1290), amigo e secretário do Aquinate. Trata-se de escritos nem sempre revistos e corrigidos pelo autor, mas recebidos, em todo o caso, de sua própria boca.
  3. Cf. Tomás de Aquino, SThII-II, q. 83, a. 9; III Sent.,d. 34, q. 1, a. 6CompendTheolII, cc. 4ssIn Matth., c. 6.
  4. Cipriano de Cartago, De ordom. 3 (PL 4, 521B).
  5. Id., ibid.
  6. Cf. Agostinho de Hipona, Ench. 7821 (PL 40, 270). É doutrina comum que os pecados veniais podem ser perdoados, mesmo sem contrição perfeita, fora do sacramento da Penitência, desde que o fiel se encontre em estado de graça (cf. E. Genicot; I. Salsmans, Institutiones Theologiæ Moralis. 17.ª ed., Bruxelas : Universelle, 1951, p. 153, n. 238). É o que se deduz das seguintes palavras do Concílio de Trento : ‘Os <pecados> veniais, pelos quais não somos excluídos da graça de Deus e nos quais caímos com frequência, posto que com retidão e utilidade, e sem qualquer presunção, se digam na confissão […], todavia podem ser calados sem culpa e expiados por muitos outros meios’ (14.ª sessão, de 25 nov. 1551, c. 5; DH 1680).
  7. João Damasceno, De fide orth. 324 (PG 94, 1090). Por ‘bens adequados’ ou ‘convenientes’ (decentia) se entende o que é necessário à salvação. Isto não significa, porém, que o cristão não possa pedir bens temporais a Deus; pode pedi-los, mas não principalmente (principaliter), como se fossem o fim da oração, mas de modo secundário, subordinado-os ao bem da alma. De fato, os bens deste mundo, como o alimento, o vestuário etc., devem ser pedidos na condição de instrumentos (adminicula), isto é, na medida em que nos auxiliam a chegar à bem-aventurança eterna, a conservar a vida corporal, a dispor-nos com mais facilidade ao exercício das virtudes e a servir melhor a Deus (cf. SThII-II, q. 83, a. 6, co.).
  8. Muitos autores ensinam, baseados no claro testemunho das Escrituras (cf., por exemplo, Mt7, 7s; 21, 22; Jo 14, 13s; 15, 716; 16, 23s; 1Jo 5, 14s), que a oração possui uma eficácia infalível, desde que cumpra quatro condições imprescindíveis : (1) pedir para si mesmo (2) coisas necessárias à salvação, como graças atuais eficazes, (3) de modo piedoso — o que abrange a humildade, a firme confiança, a atenção e a petição em nome de Cristo (cf. Jo 14, 13s; 15, 16; 16, 23s) — e (4) com perseverança. Se observados estes pré-requisitos, a oração ‘obtém infalivelmente o que pede em virtude das promessas de Deus’ (A. Royo Marín, Teología de la Perfección Cristiana. Madrid : BAC, 2012, p. 425, n. 287). Cf. SThII-II, q. 83, a. 7, ad 2a. 15, ad 2a. 16, co.
  9. Agostinho de Hipona, Ep. 130, 1222 (PL 33, 502); para uma explicação detalhada de todo o Pai-Nosso, v. também, do mesmo autor, SermDom. 24-1115-39 (PL 34, 1275-1287). Santo Tomás repete esta mesma tese em SThII-II, q. 83, a. 9, co. : ‘Visto que a oração, com efeito, é como um intérprete do nosso desejo diante de Deus, só podemos pedir retamente o que retamente nos é permitido querer. Pois bem, na Oração dominical não apenas se pedem todas as coisas que retamente podemos desejar, mas ainda na ordem em que elas devem ser desejadas. De modo que esta oração não só nos ensina a pedir, mas também retifica todos os nossos afetos’.
  10. Id., Ep. 130, 1020 (PL 33, 502). De acordo com Santo Tomás, a atenção é absolutamente necessária à oração, sobretudo à vocal, de modo que distrair-se deliberadamente (ex proposito) ao rezar não só é pecado como também impede o fruto da oração, o que não se dá com a distração involuntária (cf. SThII-II, q. 83, a. 13, co. e ad 3). O Angélico distingue ainda, na resposta a esta mesma questão, três tipos de atenção que se podem dar à oração vocal, em graus crescentes de perfeição : a) atenção ad verba, ordenada à correta enunciação das palavras; b) atenção ad sensum, com a qual nos atemos ao sentido delas; e c) atenção ad finem, ‘que atende ao fim da oração, ou seja, a Deus e à coisa que se pede’ (A. Royo Marín, opcit., p. 654, n. 494). No que respeita à duração, Santo Tomás afirma que a oração deve, por um lado, ser a) contínua, na medida em que procede da virtude da caridade — cujo influxo atual ou habitual perpassa todos os atos de quem está na graça de Deus e os transforma, assim, em ‘oração’ incessante (cf. 1Ts 5, 17) — e, por outro, b) transitória e proporcionada ao seu fim, ou seja : convém que a oração dure o necessário para excitar o fervor interior (cf. SThII-II, q. 83, a. 14, co.; A. Royo Marín, opcit., p. 655, n. 495).
  11. Id., Ep. 31, 1 (PL 33, 121).

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