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terça-feira, 18 de maio de 2021

As exigências do Pai-Nosso

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Felipe Aquino,

professor


Crer que Deus é nosso Pai tem consequências enormes para toda a nossa vida  

‘Sabemos que o Pai-Nosso é a ‘oração perfeita’, pois saiu do coração de Jesus quando um dos discípulos pediu-lhe que os ensinasse a rezar (Lc 11,1). São sete pedidos perfeitos ao Pai. Saudamos a Deus como Pai – uma ousadia de amor – e lhe fazemos três pedidos para a sua glória e realização de sua santa vontade, e mais quatro pedidos para nossas necessidades.

O Pai-Nosso é o resumo de todo o Evangelho, como disse Santo Agostinho, ‘Percorrei todas as orações que se encontram nas Escrituras, e eu não creio que possais encontrar nelas algo que não esteja incluído na Oração do Senhor’.

No Sermão da Montanha e no Pai-Nosso, a Igreja ensina que o Espírito Santo dá forma nova aos nossos desejos, o que anima a nossa vida. De um lado Jesus nos ensina uma ‘vida nova’, por palavras, e por outro lado nos ensina a pedi-la ao Pai na oração, para a podermos viver.

É a oração dos filhos de Deus, que deve ser rezada com o coração, na intimidade com o Pai, para que se torne em nós ‘espírito e vida’. Isto é possível porque o Pai enviou aos nossos corações o Espírito do Seu Filho que clama em nós Abba, Pai. (Gal 4,6), e nos fez seus filhos adotivos em Jesus Cristo.

De pecadores que somos, mas perdoados em Cristo, podemos levantar os olhos para o Pai e dizer ‘Pai Nosso’.

Atitudes

Crer que Deus é nosso Pai tem consequências enormes para toda a nossa vida, e exige de nós algumas atitudes :

1 – Conhecer a majestade e a grandeza de Deus. ‘Deus é grande demais para que o possamos conhecer’(Jó 36,26). Santa Joana D`Arc disse, ‘Deus deve ser o primeiro a ser servido’.

2 – Viver em ação de graças. Tudo o que somos e possuímos vem Dele. ‘Que é que possuis que não tenhas recebido?’(1Cor 4,7). ‘Como retribuirei ao Senhor todo o bem que Ele me fez?’(Sl 116,12).

3 – Confiar em Deus em qualquer circunstância, mesmo na adversidade. ‘Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça e tudo o mais vos será dado por acréscimo’(Mt 6,33).

4 – Conversão contínua e vida nova. Desejo e vontade de assemelhar-se a Ele, pois fomos criados a sua semelhança.

5 – Se comportar como filho e não como mercenário que age por interesse ou escravo que obedece por temor.

6 – Contemplar sem cessar a beleza do Pai e deixá-la impregnar a alma.

7 – Cultivar um coração de criança, humilde e confiante no Pai, pois é aos pequeninos que Ele se revela.

8 – Conversar com Deus como seu próprio Pai, familiarmente, com ternura e piedade.

9 – Ter a esperança de alcançar o que lhe pede na oração. Como Ele pode nos recusar alguma coisa se nos aceitou adotar como filhos.

10 – Conhecer a unidade e a verdadeira dignidade de todos os homens, todos criados a imagem e semelhança de Deus (Gen 1,27).

11 – Desapegar-se das coisas que nos desviam Dele. ‘Meu Senhor e meu Deus, tirai de mim tudo o que me afasta de vós. Meu Senhor e meu Deus, dai-me tudo que me aproxima de vós. Meu Senhor e meu Deus, desprendei-me de mim mesmo para doar-me inteiramente a vós.’ (S. Nicolau de Flue).

O Pai nos ama tanto que não nos quer perder de forma alguma para os deuses falsos que querem lhe roubar a glória e o nosso coração. Por isso o Pai nos corrige com ‘correção paterna’(cf. Hb 12,4s). Nem sempre entendemos os seus mistérios, mas Ele sabe o que precisamos e conduz a nossa vida com amor.

Santa Catarina de Sena, doutora da Igreja disse, ‘Tudo procede do amor, tudo está ordenado para a salvação do homem, Deus não faz nada que não seja para esta finalidade’.

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/05/02/as-exigencias-do-pai-nosso/

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

O poder de conversão do Pai Nosso


 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Sandra Ferrer


‘Tatiana Góricheva estava perdida. Ela se sentia sozinha e triste em um mundo confuso. E não era a única. Algumas de suas amigas chegaram a tirar a própria vida, mas ela encontrou um precioso salva-vidas, a oração.

Tatiana nasceu em Leningrado, em 1947, na Rússia de Stalin. Sua vida era como a de muitos outros jovens de sua época. Ela mesma lembrou anos depois quais eram os valores que aprendeu na escola :

Somente qualidades externas e combativas eram incentivadas. Elogiavam quem fazia o trabalho melhor, quem poderia pular mais alto, quem ‘se destacava’ em alguma coisa. Isso reforçava ainda mais meu orgulho […]. Meu objetivo era ser mais inteligente, mais capaz, mais forte que os outros.

Para Tatiana, essa maneira de ver o mundo não a satisfazia. ‘Ninguém nunca me disse que o valor supremo da vida não está em vencer os outros, em vencê-los, mas em amá-los. Amar até a morte, como somente o Filho do Homem, aquele a quem ainda não conhecíamos’.

Naqueles anos, Tatiana se concentrou em seus estudos e terminou sua formação em filosofia. Ela teve uma vida intensa, participando de aulas, de conferências intelectuais e vivendo as noites ‘na companhia de pessoas marginalizadas e de pessoas baixas, ladrões, alienados e viciados em drogas. Eu amei essa atmosfera suja. Ficávamos bêbados em porões e sótãos’.

Mas essa vida não a fez feliz. ‘Uma melancolia sem limites me invadiu. Fiquei atormentada por uma angústia incompreensível e fria, da qual não consegui me livrar. Aos meus olhos eu estava ficando louca. Eu nem queria mais continuar vivendo’.

Quando tudo parecia indicar que Tatiana terminaria como muitas de suas amigas, perdendo toda a esperança no mundo, ela encontrou um refúgio pequeno, mas poderoso. No ioga, aprendeu a relaxar com os mantras.

E uma das propostas do livro de ioga que ela usava era recitar o Pai Nosso. Ela nunca tinha feito essa oração. Seus pais a batizaram assim que ela nasceu, mas mais como um ritual do que por fé. Ela não recebeu nenhuma formação religiosa.

Mas o efeito intenso que a levou a rezar pela primeira vez foi purificador : ‘Comecei a repetir [o Pai Nosso] mentalmente como um mantra, de maneira inexpressiva e automática. Eu disse isso seis vezes; de repente me senti completamente transformada.’

A partir daquele momento, Tatiana nasceu de novo, e tudo ficou diferente para ela.

Não foi difícil para mim entrar na vida da Igreja. Nos meses que se seguiram à minha conversão, eu vivi em um estado de euforia, em que o simples fato de ouvir a palavra ‘Deus’ era suficiente para me inundar de alegria’.

O próximo passo em sua conversão foi frequentar uma igreja para poder confessar-se e receber a Eucaristia.

Na Rússia de meados da década de 1970, em que a cortina de ferro ainda não havia desmoronado, Tatiana descobriu que havia muitos se convertendo : ‘o cristianismo estava nos libertando’.

Essas pessoas que seguiram o mesmo caminho de conversão que Tatiana se juntaram a ela e organizaram um seminário religioso-filosófico.

Diante de nós, um mundo novo e esplêndido havia acabado de se abrir, que nada tinha em comum com aquele outro mundo lamentável, escravo do materialismo, trivial, de coração fraco, onde homens que não conheciam a Deus viviam, como nós mesmos pouco antes’. A primeira reunião ocorreu em 1973, em um porão conhecido como ‘número 37’.

Desde então, e por anos, o seminário reuniu centenas de pessoas e teve que superar as constantes ameaças da KGB.

A própria Tatiana foi presa várias vezes, interrogada tantas outras, e perdeu seu emprego de professora.

Apesar das recomendações de seus próprios pais, que não entendiam a conversão da filha, e das ameaças reais de acabar, como seus outros colegas, numa prisão, Tatiana sempre se manteve firme.

Havia ameaças de me internar em uma clínica psiquiátrica e pressões sobre meus pais’.

Para lidar com essas situações difíceis, ela confiou na oração e numa incrível capacidade de autocontrole : ‘Não permiti que eles entrassem na minha consciência’.

Assim, ela sobreviveu muitos anos até que, especialmente para evitar maiores consequências para seus pais, ela decidiu deixar sua terra natal para trás.

Antes, porém, Tatiana deu um novo passo em sua vida, criando em 1979 uma associação de mulheres conhecida como ‘Maria’, em homenagem à Virgem.

Maria’ contou com uma revista. Lá, muitas mulheres começaram a encontrar sua própria voz, após sessenta anos de silêncio, as russas começaram a falar sobre seus problemas.

Suas atividades com a organização ‘Maria’ também a colocaram sob os holofotes da KGB. Ela e suas amigas foram mais uma vez detidas. No final, o ultimato : ou deixavam o país ou seriam enviadas em definitivo para a prisão.

No final de julho de 1980, Tatiana Goricheva deixou sua Rússia natal e se estabeleceu em Viena. Sua chegada causou muita curiosidade e por um longo tempo ela foi convidada a dar palestras ‘em grandes auditórios, com entusiasmo e aplausos’.

As feministas ocidentais logo se aproximaram daquela mulher e também logo foram surpreendidas por suas profundas crenças cristãs.

Poucos esforços foram necessários para explicar por que nosso ‘feminismo’ russo imediatamente adquiriu um caráter religioso e por que as mulheres russas modernas, na Igreja, somente encontram liberdade e conforto’.

Tatiana tinha 26 anos quando o Pai Nosso salvou sua vida.

Desde então, ela dedicou sua existência à filosofia e à defesa do cristianismo : ‘Tentei convencer minhas amigas ocidentais de que a Igreja é a coisa mais viva do mundo, que é o corpo místico de Cristo’.

E ela tenta ainda espalhar o poder da oração : ‘Somente a oração é capaz de se opor ao parasitismo da sociedade de consumo moderna’.’


Fonte :

sexta-feira, 9 de março de 2018

Pai-nosso, a oração dos cristãos


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 A oração do Pai-Nosso é o resumo de todo o Evangelho e o modelo por excelência de toda oração cristã.
*Artigo do Padre Rodrigo Ferreira da Costa, SDN


‘A oração é um privilegiado lugar onde cultivamos a amizade com o Senhor. Ela brota do mais profundo do nosso coração, na esperança viva que há um ‘Interlocutor’ que nos ama e conhece todo o nosso ser. ‘A oração consiste na comunhão continuada com Deus, com quem se está sempre em diálogo, a quem se escuta em cada instante do dia e a quem se procura responder com a mais total transparência e desejo de ser obediente. Existem momentos específicos, ao longo do dia, para se entregar à oração. Entretanto, ao se dizer o ‘amém’ final, a vida de oração não fica em suspenso até o próximo momento, em que se deixará tudo para ficar a sós com Deus. Antes, ela continua e, em determinadas circunstâncias, no auge da ação, poderá acontecer de forma até mais intensa e comprometedora’ (Jaldemir Vitório).
Jesus foi um homem orante. Ele estava sempre em diálogo com o Pai. Nos momentos decisivos de sua vida e de sua missão, sempre O encontramos em oração ao Pai.  Ele, porém, não se preocupou em ensinar longas orações aos seus discípulos. Para Ele, a oração mais eficaz é aquela feita na intimidade do coração, numa experiência de total gratuidade, num diálogo amoroso e filial com o Pai, sem a necessidade de repetir longas fórmulas somente para ser visto pelos outros. ‘Quando fores rezar, entre no teu quarto, (no teu interior, no mais profundo do seu ser, onde somente Deus habita), fecha a porta (entrega sua vida nas mãos de Deus, coloque Deus no centro da sua oração, dê espaço para que Deus possa ser Deus na sua vida) e reza a teu Pai em segredo. E teu Pai, que vê o escondido, te pagará’ (Mt 6, 6). Não que Jesus quisesse uma espiritualidade intimista, desligada da vida, mas, para Ele, as palavras que saem dos nossos lábios devem estar em sintonia com o nosso coração e a nossa vida, numa misteriosa correspondência entre as profundezas do coração e as alturas do céu.
Os discípulos de Jesus observavam o seu jeito de falar com o Pai e, certamente, percebiam algo novo em sua oração, por isso pedem a Jesus que os ensine a orar (cf. Lc 11,1). Não que eles não soubessem as orações judaicas. Os salmos, por exemplo, eram a oração comum dos judeus. Mas eles queriam aprender dos lábios do Mestre esse jeito novo de falar com Deus. Então Jesus, partindo da sua própria experiência de oração, ensina os seus discípulos a falarem com Deus-Pai na liberdade de filhos e na responsabilidade de irmãos.
A oração do Pai-Nosso é o resumo de todo o Evangelho e o modelo por excelência de toda oração cristã. Enquanto filhos no Filho, pelo batismo, podemos nos dirigir a Deus como Pai, e, sendo Pai, é também Senhor de nossas vidas. Por isso, o nosso maior desejo deve ser pela vinda do Reino e que a vontade de Deus, que é vida plena para todos, se realize no mundo. Essa perspectiva da vinda do Reino de Deus une as duas partes da oração ensinada por Jesus. Pois sendo todos filhos de Deus-Pai, somos chamados a viver a fraternidade de irmãos (cf. Mt 23,8), repartindo o pão entre todos e vivendo relações de perdão e misericórdia para com o nosso próximo. Pois esquecer o outro ou fazer-se indiferente ao rosto que fala é ‘aprisionar a glória de Deus’ (cf. Rm 1, 18-20). Como afirma Dietrich Bonhoeffer, ‘a minha fome é uma questão biológica, a fome do outro é uma questão teológica. É um apelo de Deus, tenho que encontrar Deus saciando a fome do outro’.
Os discípulos pedem a Jesus que os ensine a orar, mas o Pai-Nosso é mais do que uma oração, é, na verdade, o modo de viver e agir como seguidores de Jesus. Como nos recorda um antigo adágio da Igreja ‘lex orandi, lex credendi e a lex agendi’, isto é, agimos conforme oramos e cremos. Quando rezamos mal, nossa fé e nossa ação no mundo também ficam fragilizadas. Por isso precisamos pedir sempre ao Senhor que nos ensine a orar. Porque, com o individualismo que invadiu as igrejas, nossas orações se transformaram num intimismo egoísta, perdendo a centralidade do Pai e do seu Reino. Nossa oração parece ter deixado de ser uma busca pela realização da vontade de Deus para que Ele faça a nossa vontade. Ao invés de perguntarmo s: ‘Senhor, o que Tu queres que eu te faça?’, nós pedimos : ‘Senhor, o que Tu podes fazer por mim?’ Com isso, a nossa oração deixou ser para nós norma da fé e do agir no mundo, transformando-se num devocionismo vazio e descomprometido.
Faz-se necessário voltarmos a aprender dos lábios de Jesus como nos dirigir a Deus, a fim de que a nossa oração seja sempre mais esse encontro amoroso e gratuito com o Pai, e, estando na presença de Deus na oração, abramos nossos olhos para perceber o sofrimento e a dor dos nossos irmãos e irmãs. Pois ‘seremos tanto mais filhos do Pai quanto mais formos irmãos dos nossos irmãos, dividindo e repartindo com eles o nosso pão e perdoando-lhes as ofensas’ (Antônio Batista Vieira).
Que o Pai nosso que estás no céu nos livre da tentação de uma oração descomprometida com a vida dos pobres e dos sofredores e nos ajude a viver na comunhão com Deus e com os irmãos, repartindo o pão de cada dia e perdoando-nos uns aos outros assim como somos perdoados pelo nosso Pai misericordioso.’


Fonte :

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Rezando o Pai-Nosso com São Tomás de Aquino (Parte 1)

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Padre Paulo Ricardo


‘Pai-Nosso, a mais perfeita das orações.
Ainda que percorramos todas as Escrituras, não encontraremos, nem mesmo entre os Salmos, uma oração mais bela e perfeita do que o Pai-Nosso. Na Oração do Senhor está contida toda a ciência da vida espiritual.
* * *
Durante seu último período de ensino em Nápoles, entre os anos de 1272 e 1273, Santo Tomás de Aquino dividiu-se entre a cátedra e o púlpito. É a essa época que pertence uma série de homilias quaresmais pregadas pelo Angélico em dialeto napolitano e posteriormente transcritas em latim por algum confrade seu. Entre as que sobreviveram ao tempo, encontra-se uma densa, mas sucinta exposição sobre o Pai-Nosso (Collationes in Orationem Dominicam), cujo prólogo apresentamos abaixo em nova tradução ao português. Trata-se de um ‘escrito’ que, com a liberdade típica de um sermão proferido ante um público de leigos e religiosos, preserva os traços característicos de um gênio teológico como o de Santo Tomás. Análise minuciosa, clareza expositiva e, sobretudo, o respaldo constante das Escrituras são algumas das notas que dão a essa obra uma fisionomia genuinamente tomista; só no pequeno trecho introdutório com que hoje damos início à sua publicação contam-se mais de vinte referências bíblicas — citadas pelo Aquinate, provavelmente, todas de memória.
Depois de explicar a excelência da Oração do Senhor e as palavras invocatórias ‘Pai nosso que estais nos céus’, Tomás expõe cada um dos sete pedidos que a compõem, concluindo com uma brevíssima síntese de todo o Pai-Nosso, semelhante em certos pontos à que se lê em S. Th. II-II, q. 83, a. 9. Resumo de todo o Evangelho e centro a que converge a riqueza dos Salmos, a Oração dominical ocupa o principal lugar entre as demais orações; por ela não só aprendemos o que podemos desejar (cf. De decem præceptis, pr.), mas ainda o modo com que o devemos pedir, e nisto consiste o fundamento e ponto de arranque de toda a vida espiritual. Esmiuçando a prece que, por ter em grau sumo as qualidades que uma boa oração deve possuir, é com justiça a mais perfeita de todas, estas Collationes são de grande proveito para a nossa meditação diária. E se bem que não tenham sido vistas e revistas pelo autor, constituem, em todo o caso, uma joia da literatura cristã medieval que ainda merece ser lida, apreciada e, acima de tudo, meditada nos dias de hoje, em que rezar nunca foi tão necessário. Foram esses os motivos que levaram a equipe Christo Nihil Præponere a dá-las a conhecer a quantos estiverem interessados não só em aprender com o Aquinate, mas também a orar com ele e com a ajuda dele.
O texto-base de que nos servimos para realizar essa tradução é o estabelecido na conhecida edição de Turim (cf. S. Thomæ Aquinatis, ‘In Orationem Dominicam, videlicet ‘Pater noster’ expositio’, in : R. M. Spiazzi (org.), Opuscula Theologica, vol. 2. 2.ª ed., Taurini-Romæ : Marietti, 1954, pp. 219-235), também disponível aqui, em formato eletrônico. No que respeita aos critérios adotados, convém observar que, embora procure manter-se fiel ao fraseado original, a versão portuguesa aqui disponibilizada não tem a pretensão de ser ‘acadêmica’, mas uma pequena tentativa de divulgar a obra de Santo Tomás de Aquino sem trair-lhe o pensamento. Esta tradução, mais do que decalcar ad litteram, procura dizer em português aquilo e só aquilo que o original diz sinteticamente em latim. Por isso, as inelegâncias de estilo e a repetição frequente de certas fórmulas correspondem, na medida do possível, ao sabor e à sobriedade do original, carente de sutilezas escolásticas, palavras técnicas e voos oratórios [1]. As palavras entre divisas (< >) são explicitações ou inserções de nossa parte que visam ora esclarecer o texto, ora torná-lo mais fluido. A tradução das citações bíblicas foi extraída, na maioria dos casos, das versões ‘Ave-Maria’ (195.ª ed., São Paulo : Ave-Maria, 2011) e do Pe. Matos Soares (6.ª ed., Porto : Tip. Sociedade de Papelaria, 1956). Além destas, foram utilizadas também, de quando em quando, as traduções da CNBB e da Bíblia de Jerusalém.
Exposição sobre a Oração do Senhor [2]
Santo Tomás de Aquino
PRÓLOGO [3]
I. A excelência do Pai-Nosso
1 As cinco qualidades da oração — A Oração do Senhor ocupa, entre as demais orações, o principal lugar, já que possui as cinco qualidades de que <toda> oração se deve revestir. Com efeito, a oração deve ser confiante, reta, ordenada, devota e humilde.
a) Deve ser confiante, para que nos ‘aproximemos confiadamente do trono da graça’ (Hb 4, 16), como está escrito na Epístola aos Hebreus, e também firme na fé, como diz São Tiago : ‘Peça com fé, sem nada hesitar’ (Tg 1, 6). A Oração do Senhor é com razão a mais confiável, porque (i) foi instituída pelo nosso advogado, o mais sábio dos pedintes, ‘no qual estão escondidos todos os tesouros de sabedoria’ (Cl 2, 3) e de quem diz São João : ‘Temos um intercessor junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo’ (1Jo 2, 1). Por isso, diz Cipriano : ‘Uma vez que temos a Cristo como advogado junto ao Pai por nossos pecados, ao pedirmos perdão de nossos delitos apresentemo-nos com as palavras do nosso defensor’ [4]. Ela parece ser, além disso, ainda mais confiável (ii) pelo fato de nos ter ensinado a rezar aquele que com o Pai presta ouvidos à nossa oração, de acordo com o Salmo : ‘Quando me invocar, eu o atenderei’ (Sl 90, 15). Por isso, diz Cipriano : ‘Rogar ao Senhor com suas próprias palavras é dirigir-lhe uma oração amiga, familiar e piedosa’ [5]. Daí que nunca se saia desta oração sem fruto. De fato, como diz Agostinho, por ela são perdoadas as faltas veniais [6].
b) A nossa oração deve também ser reta, de maneira que o orante peça a Deus o que lhe convém, pois, segundo Damasceno, ‘a oração é um pedido a Deus dos bens adequados’ [7]. Com efeito, a oração deixa muitas vezes de ser atendida porque se pedem coisas inapropriadas : ‘Pedis e não recebeis, porque pedis mal’ (Tg 4, 3) [8]. De fato, é dificílimo saber o que se deve pedir, já que tampouco é fácil saber o que se deve desejar. Igualmente, é permitido aspirar ao que na oração é lícito pedir. Por isso, o Apóstolo reconhece : ‘Não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém’ (Rm 8, 26). Ora, é a Cristo, nosso Mestre, que toca ensinar o que temos de pedir, e por isso lhe rogaram os discípulos : ‘Senhor, ensina-nos a orar’ (Lc 11, 1). Por conseguinte, o que Ele nos ensina a pedir na oração é o que mais retamente podemos desejar : ‘Quaisquer que sejam as nossas palavras’, diz Agostinho <a esse propósito>, ‘nada diremos que já não esteja contido nessa oração, contanto que rezemos de modo justo e adequado’ [9].
c) Em terceiro lugar, a oração tem de ser ordenada como o desejo do qual é expressão. Pois bem, a ordem devida é que em nossos desejos e orações prefiramos os bens do espírito aos da carne e as coisas celestes às terrenas, conforme o que se lê no Evangelho segundo Mateus : ‘Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo’ (Mt 6, 33). É isso o que o Senhor nos ensinou a observar nessa oração, em que primeiro se pedem os bens celestiais e só depois os terrenos.
d) Deve também ser devota, pois a devoção em abundância torna aceitável a Deus o sacrifício da oração, de acordo com o Salmo : ‘Invocando o vosso nome, levantarei as minhas mãos. Como de banha e de gordura será saciada a minha alma’ (Sl 62, 5s). Ora, acontece muitas vezes de a devoção enfraquecer-se por causa do excesso de palavras. Por esse motivo, o Senhor ensinou a fugir à excessiva prolixidade da oração, ao dizer : ‘Nas vossas orações, não multipliqueis as palavras’ (Mt 6, 7). E Agostinho escreve a Proba : ‘Que a oração não tenha excesso de palavras, mas de súplicas, se continua fervorosa a atenção’ [10]. Por isso, o Senhor instituiu essa breve oração. Mas a devoção, por sua vez, nasce da caridade, que é amor a Deus e ao próximo, ambos os quais estão presentes nessa oração. Com efeito, para manifestarmos nosso amor a Deus, chamamos-lhe Pai; e para manifestarmos nosso amor ao próximo, oramos por todos em comum dizendo : ‘Pai nosso’ e ‘Perdoai-nos as nossas ofensas’. A isso nos move, pois, o amor aos semelhantes.
e) A oração precisa, enfim, ser humilde, conforme o que diz o Salmo : ‘Ele se voltou para a súplica dos indigentes’ (Sl 101, 18), a parábola do fariseu e do publicano (cf. Lc 18, 9-15) e o que se lê no Livro de Judite : ‘Sempre vos foram aceitas as preces dos mansos e humildes’ (Jt 9, 16). Ora, na Oração do Senhor se guarda a verdadeira humildade, que consiste em nada presumir das próprias forças, mas tudo esperar da virtude divina.
2 Os três efeitos da oração — Deve-se notar, além disso, que a oração produz três bons efeitos.
a) Em primeiro lugar, ela é um remédio eficaz e útil contra os males. A oração livra-nos, pois, (i) dos pecados cometidos, como canta o salmista : ‘E vós perdoastes a pena do meu pecado. Assim também todo fiel recorrerá a vós’ (Sl 31, 5s). Desse modo orou o ladrão pregado à cruz, obtendo o perdão : ‘Hoje estarás comigo no paraíso’ (Lc 23, 42) e o publicano, voltando para casa justificado (cf. Lc 18, 9-14). Livra-nos também (ii) do medo dos pecados futuros, das tribulações e das tristezas : ‘Alguém entre vós está triste? Reze!’ (Tg 5, 13). Livra-nos, enfim, (iii) das perseguições e dos inimigos : ‘Em resposta ao meu afeto, acusaram-me. Eu, porém, orava’ (Sl 108, 4).
b) A oração, em segundo lugar, é um meio eficaz e útil de obter tudo o que se deseja : ‘Tudo o que pedirdes na oração, crede que o tendes recebido’ (Mc 11, 24). Mas se porventura não somos ouvidos, isto se deve a que ou não pedimos com insistência, pois ‘é necessário orar sempre sem jamais deixar de fazê-lo’ (Lc 18, 1), ou não pedimos o que mais convém à nossa salvação : ‘O bom Senhor’, diz Agostinho, ‘negando-nos muitas vezes o que queremos, dá-nos o que deveríamos querer’ [11]. Assim sucedeu a Paulo, que três vezes rogou a Deus que lhe apartasse um espinho na carne e não foi atendido (cf. 2Cor 12, 7s).
c) Em terceiro lugar, é útil, porque nos torna amigos íntimos de Deus : ‘Que minha oração suba até vós como a fumaça do incenso’ (Sl 140, 2).’
Referências
  1. Cf. J.-P. Torrell, Iniciação a Santo Tomás de Aquino. Trad. port. de Luiz P. Rouanet. 3.ª ed., São Paulo : Loyola, 2011, p. 86.
  2. Ao presente opúsculo se atribuem outros títulos em diferentes edições: Expositio devotissima Orationis DominicæCollationes de Pater nosterExpositio de Pater noster. P. Mandonnet (1858-1936), importante historiador da filosofia medieval, data-o do tempo da Quaresma de 1273 (cf. Bibliographie Thomiste, Le Saulchoir, Kain, 1921, p. XVII, n. 72. A sua autenticidade não é posta em dúvida por nenhum estudioso (cf. P. Mandonnet, Des écrits authentiques de Saint Thomas d’Aquin. 2.ª ed., Freibourg, 1910, p. 107, n. 72; A. Michelitsch, Thomas Schriften, vol. 1, Graz, 1913, p. 186, n. 78; M. Grabmann, Die echten Shriften des hl. Thomas von Aquin, 3.ª ed., Münster i. W. 1949, p. 318). Pertence aos Reportata, isto é, ao conjunto de obras que, não tendo sido escritas de próprio punho por Santo Tomás, foram passadas ao papel seja por ditado, seja pela transcrição (reportatio) de alguma homilia; a desta nos foi legada, provavelmente, por Reginaldo de Piperno (c. 1230 – c. 1290), amigo e secretário do Aquinate. Trata-se de escritos nem sempre revistos e corrigidos pelo autor, mas recebidos, em todo o caso, de sua própria boca.
  3. Cf. Tomás de Aquino, SThII-II, q. 83, a. 9; III Sent.,d. 34, q. 1, a. 6CompendTheolII, cc. 4ssIn Matth., c. 6.
  4. Cipriano de Cartago, De ordom. 3 (PL 4, 521B).
  5. Id., ibid.
  6. Cf. Agostinho de Hipona, Ench. 7821 (PL 40, 270). É doutrina comum que os pecados veniais podem ser perdoados, mesmo sem contrição perfeita, fora do sacramento da Penitência, desde que o fiel se encontre em estado de graça (cf. E. Genicot; I. Salsmans, Institutiones Theologiæ Moralis. 17.ª ed., Bruxelas : Universelle, 1951, p. 153, n. 238). É o que se deduz das seguintes palavras do Concílio de Trento : ‘Os <pecados> veniais, pelos quais não somos excluídos da graça de Deus e nos quais caímos com frequência, posto que com retidão e utilidade, e sem qualquer presunção, se digam na confissão […], todavia podem ser calados sem culpa e expiados por muitos outros meios’ (14.ª sessão, de 25 nov. 1551, c. 5; DH 1680).
  7. João Damasceno, De fide orth. 324 (PG 94, 1090). Por ‘bens adequados’ ou ‘convenientes’ (decentia) se entende o que é necessário à salvação. Isto não significa, porém, que o cristão não possa pedir bens temporais a Deus; pode pedi-los, mas não principalmente (principaliter), como se fossem o fim da oração, mas de modo secundário, subordinado-os ao bem da alma. De fato, os bens deste mundo, como o alimento, o vestuário etc., devem ser pedidos na condição de instrumentos (adminicula), isto é, na medida em que nos auxiliam a chegar à bem-aventurança eterna, a conservar a vida corporal, a dispor-nos com mais facilidade ao exercício das virtudes e a servir melhor a Deus (cf. SThII-II, q. 83, a. 6, co.).
  8. Muitos autores ensinam, baseados no claro testemunho das Escrituras (cf., por exemplo, Mt7, 7s; 21, 22; Jo 14, 13s; 15, 716; 16, 23s; 1Jo 5, 14s), que a oração possui uma eficácia infalível, desde que cumpra quatro condições imprescindíveis : (1) pedir para si mesmo (2) coisas necessárias à salvação, como graças atuais eficazes, (3) de modo piedoso — o que abrange a humildade, a firme confiança, a atenção e a petição em nome de Cristo (cf. Jo 14, 13s; 15, 16; 16, 23s) — e (4) com perseverança. Se observados estes pré-requisitos, a oração ‘obtém infalivelmente o que pede em virtude das promessas de Deus’ (A. Royo Marín, Teología de la Perfección Cristiana. Madrid : BAC, 2012, p. 425, n. 287). Cf. SThII-II, q. 83, a. 7, ad 2a. 15, ad 2a. 16, co.
  9. Agostinho de Hipona, Ep. 130, 1222 (PL 33, 502); para uma explicação detalhada de todo o Pai-Nosso, v. também, do mesmo autor, SermDom. 24-1115-39 (PL 34, 1275-1287). Santo Tomás repete esta mesma tese em SThII-II, q. 83, a. 9, co. : ‘Visto que a oração, com efeito, é como um intérprete do nosso desejo diante de Deus, só podemos pedir retamente o que retamente nos é permitido querer. Pois bem, na Oração dominical não apenas se pedem todas as coisas que retamente podemos desejar, mas ainda na ordem em que elas devem ser desejadas. De modo que esta oração não só nos ensina a pedir, mas também retifica todos os nossos afetos’.
  10. Id., Ep. 130, 1020 (PL 33, 502). De acordo com Santo Tomás, a atenção é absolutamente necessária à oração, sobretudo à vocal, de modo que distrair-se deliberadamente (ex proposito) ao rezar não só é pecado como também impede o fruto da oração, o que não se dá com a distração involuntária (cf. SThII-II, q. 83, a. 13, co. e ad 3). O Angélico distingue ainda, na resposta a esta mesma questão, três tipos de atenção que se podem dar à oração vocal, em graus crescentes de perfeição : a) atenção ad verba, ordenada à correta enunciação das palavras; b) atenção ad sensum, com a qual nos atemos ao sentido delas; e c) atenção ad finem, ‘que atende ao fim da oração, ou seja, a Deus e à coisa que se pede’ (A. Royo Marín, opcit., p. 654, n. 494). No que respeita à duração, Santo Tomás afirma que a oração deve, por um lado, ser a) contínua, na medida em que procede da virtude da caridade — cujo influxo atual ou habitual perpassa todos os atos de quem está na graça de Deus e os transforma, assim, em ‘oração’ incessante (cf. 1Ts 5, 17) — e, por outro, b) transitória e proporcionada ao seu fim, ou seja : convém que a oração dure o necessário para excitar o fervor interior (cf. SThII-II, q. 83, a. 14, co.; A. Royo Marín, opcit., p. 655, n. 495).
  11. Id., Ep. 31, 1 (PL 33, 121).

Fonte :


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A ofensa e o perdão

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

‘Perdoai-nos as nossas dívidas,
assim como nós perdoamos aos nossos devedores’ (Mt 6,12).

  * Artigo de Dom Eugene Manning, OCSO

‘Muitos cristãos ainda sabem o Pai-Nosso de cor, porém a maioria diz o texto sem o rezar verdadeiramente, sem refletir.
No entanto, o que pedimos a Deus é perigoso. Pedimos a Ele que se nivele à nossa maneira de perdoar e não o inverso. Corremos um enorme risco : Deus coloca em nossas mãos um trunfo. Ele se compromete a nos perdoar tudo, com a condição de nos anteciparmos, dando-lhe o exemplo : perdoar aos outros tudo e sempre.
Mas, como é que nós perdoamos? Permanece algo em nosso coração após haver perdoado com palavras?
O verdadeiro perdão torna a dizer : podes recomeçar e eu também recomeçarei a apagar essa ferida de meu coração. Será que muitas vezes não nos acontece achar que fomos ofendidos por causa de uma simples injúria ao nosso amor próprio? Temos, com toda certeza, uma ideia por demais orgulhosa de nosso valor, de nossa personalidade.
Há pessoas simples que passam através de todas as humilhações da vida, sem se sentirem ofendidas. Elas nada têm a perdoar, porque simplesmente nao se consideram ‘ofensáveis’. Elas sempre creram que somente Deus é importante, não pensam em si mesmas. Que dizer da alegria de Deus quando esses pobres em espírito batem a porta do céu? Certamente lhes dirá : ‘Bem-aventurado és...’ Palavras que ressoarão aos nossos ouvidos por toda a eternidade.’  

Fonte :
*Dom Eugene Manning, OCSO (+1995), abade de Notre-Dame de Oelenberg, França – Artigo publicado em Region Alsace, agosto de 1982. Traduzido pelo Mosteiro da Santa Cruz – Juiz de Fora – MG.

Revista Beneditina nrº 21, Maio/Junho de 2007, editado pelas monjas beneditinas do Mosteiro da Santa Cruz – Juiz de Fora/Minas Gerais 

(e-mail: publicacoesmonasticas@yahoo.com.br).

sábado, 4 de fevereiro de 2012

A ORAÇÃO DO PAI NOSSO


Este artigo foi gentilmente cedido por Dom João Evangelista Kovas, OSB,
monge beneditino do Mosteiro de São Bento de São Paulo.
            Durante a celebração da missa, após a oração eucarística, é reservado um espaço especial para a oração do Pai nosso. Trata-se da oração do cristão por excelência, porque foi o próprio Jesus que a ensinou a seus discípulos. Muito já se comentou sobre ela e não se poupou elogios pela concisão de sua fórmula. Ela resume em si o sentido da vida cristã, uma lição sobre a oração e o sentido do relacionamento do fiel com Deus. Pode-se entender bem isso, se recorrermos ao contexto no qual ela é ensinada aos discípulos, tal como está narrado nos Evangelhos (Mt 6,5-15 e Lc 11,1-13).

            No Evangelho de São Mateus, a oração do Pai nosso é inserida no contexto do sermão da montanha, particularmente no momento em que Jesus fala sobre as três práticas piedosas que todo bom judeu está obrigado: jejum, oração e esmola. Jesus chama a atenção para o fato de que essas práticas devem ser realizadas preferencialmente em segredo, a fim de evitar que elas sejam realizadas apenas com o intuito de atrair da parte dos outros a fama de judeus piedosos. Assim, aqueles que procedem de modo diferente correm o risco de se comprometessem mais com a boa fama, do que com o sentido religioso da prática.

             Por fim, Jesus destaca a importância do perdão ao próximo, vinculando o perdão recebido da par  te de Deus ao perdão concedido àquele que peca contra nós. A insistência no perdão ao próximo tem um sentido especial no contexto do sermão da montanha, no qual Jesus ensina aos judeus a respeito da justiça de Deus atestada pela Lei. Jesus reafirma que não veio abolira a Lei, mas levá-la à plenitude. Ele diz isso contra aqueles que o acusavam de ser leniente com as práticas da lei de Moisés. Os discípulos de Jesus devem ser rigorosos na prática da Lei de Deus, entretanto é especialmente pedido a eles que perdoem os seus inimigos e aqueles que os perseguem, pois todos somos irmãos diante de Deus e também nós somos devedores do perdão divino. Em suma, não há prática justa, nem piedosa, onde não há lugar para o perdão.
           
             No Evangelho de São Lucas, o cenário é diferente. A polêmica tensa com os judeus no sermão da montanha cede lugar ao pedido singelo do discípulo de Jesus, que pede que ele o ensine a rezar, já que assim também fizera João Batista com seus discípulos.  Antes do pedido, Jesus havia voltado do lugar retirado no qual ele estava rezando. Os discípulos de Jesus testemunharam muitas vezes Jesus retirando-se para rezar e, muitas das quais, ele passava a noite toda em oração. Certamente, o testemunho de Jesus despertou no coração dos discípulos o desejo de rezar.

            Hoje, nós católicos sabemos bem sobre a importância da oração. Dificilmente, imaginaríamos que Jesus demorasse a ensinar a seus discípulos a rezar, visto que a oração é parte essencial da vida do cristão. Pois bem, em Lucas, Jesus espera que seus discípulos peçam para ensiná-los a rezar. Ele não adianta seu ensinamento antes disso, mesmo se tratando de um ensinamento tão importante. Por que ele procede assim? Porque o ensinamento sobre a oração só pode ser bem compreendido por aquele que tem no coração o desejo sincero de rezar. Ouso dizer, mas sem receio nenhum de errar, que o cerne da oração bem feita é a sede de Deus que conservamos no coração. Para quem tem saudades de Deus e deseja estar em sua presença, qualquer simples pedido se converte em uma grande oração.

            Não se trata de pensar que a oração seja apenas um sentimento sincero de estar com Deus. A oração nos insere no âmago da vida divina. É a aceitação de um convite que o próprio Deus nos faz de estabelecermos uma comunhão de vida com Ele. Para isso, ele nos enviou seu Filho Unigênito, Jesus Cristo, que deu sua vida em resgate de muitos e nos transmitiu a Palavra de Deus, à qual devemos aderir pela obediência da fé.  Com efeito, a oração encontra a melhor disposição em nós pela sede de Deus e encontra o seu ápice na compreensão da palavra de Jesus e na atitude de segui-la. Por isso, o significado das palavras da oração do Pai nosso completa o ensinamento sobre o ato de rezar e nos insere no mistério da vida cristã.