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quinta-feira, 14 de julho de 2022

A técnica do pintor Rembrandt esclarece como funcionam as parábolas

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

Alguns estudiosos intitulam erroneamente esta pintura de Rembrandt "A Parábola do Rico Insensato", baseado em Lucas 12,16-20. É "O cambista" (Der Geldwechsler)


*Artigo de David B. Gowler,

Pierce Chair of Religion no Oxford College da Emory University 

Tradução : Ramón Lara


‘Meu pai adorava parábolas (histórias que ensinam, histórias que apresentam ideias e a moral de uma maneira que cria imagens na mente das pessoas, porque ele acreditava que as histórias eram tão importantes como ferramentas de ensino.

Se estudadas e entendidas corretamente, ‘as parábolas receberão uma interpretação semelhante’. Assim escreveu Irineu, o teólogo cristão do segundo século, em Contra as Heresias : Livro Dois. Essa afirmação imprecisa, no entanto, pode ser facilmente refutada pelas próprias interpretações das parábolas de Irineu, para não mencionar a infinidade de diferentes interpretações das parábolas de Jesus que ocorreram ao longo dos séculos intermediários. Embora algumas parábolas sejam relativamente simples e diretas, outras podem ser evasivas, enigmáticas e encorajar uma variedade de interpretações, pois essas narrativas curtas continuam desafiando nossas mentes, corações e imaginações.

À medida que os estudiosos exploram o que significam as parábolas, essas ‘ferramentas de ensino’, também tentam descobrir como as parábolas funcionam, é como produzem significado, através das formas literárias ou retóricas pelas quais procuram se comunicar e persuadir. Um componente crítico, como Octavia Butler coloca, é como criam ‘imagens na mente das pessoas’, o que corresponde ao argumento do estudioso do Novo Testamento C. H. Dodd, que afirmou que as parábolas de Jesus ‘são a expressão natural da mente que vê verdade em imagens concretas ao invés de concebê-la em abstrações’.

Como devemos entender as ‘imagens’ que essas antigas parábolas criam na mente dos ouvintes de hoje? Para responder a essa pergunta, é útil explorar como as parábolas ‘funcionam’ de maneira semelhante às imagens, como ilustra uma intrigante pintura de Rembrandt. Esta exploração lança alguma luz sobre por que as parábolas, como as imagens, podem produzir múltiplas respostas ou significados :

A sala está escura, iluminada por uma única vela. Um homem idoso está sentado em uma mesa sobrecarregada com livros e papéis, alguns textos no que parece ser uma escrita hebraica. O homem, com óculos sobre o nariz, examina pensativamente uma moeda. A mão que segura a moeda, com os dedos parcialmente translúcidos pela luz da vela, impede o espectador de ver a vela diretamente, mas sua luz brilhante ilumina o homem, uma pequena área da mesa e outros elementos na sala escura.

Todos os elementos não essenciais estão envoltos em sombras. Sobre a mesa há uma balança de ouro com uma caixa de pesos, bem como pilhas caóticas de livros e papéis, com um enorme (conta?) livro aberto à direita do homem, através do qual grandes X foram marcados em algumas notas. O rosto do homem está brilhantemente iluminado e vemos praticamente todos os detalhes de seu rosto envelhecido e enrugado, incluindo o nariz avermelhado, a orelha direita e as pálpebras, bem como as sombras suaves produzidas pelos óculos, enquanto olha para a moeda em sua mão. Outras moedas na escrivaninha brilham no brilho refletido da luz da vela, assim como as insígnias no ombro do homem. A gola chique em volta do pescoço também brilha na luz, que então reflete ainda mais luz no rosto do homem.

Quem é este homem e o que esta pintura diz aos seus espectadores? A pintura resiste à caracterização e deixa muitas perguntas sem resposta, até mesmo o título e o assunto da obra são contestados. Alguns estudiosos argumentam que é uma representação da parábola do rico insensato em Lucas 12,16-20, mas a Gemäldegalerie em Berlim (corretamente) a intitula ‘O cambista’ (Der Geldwechsler).

As parábolas podem criar imagens vívidas na mente, mas, como esta pintura de Rembrandt, essas imagens são muitas vezes enigmáticas e às vezes misteriosas (por exemplo, um significado da palavra usada em hebraico para parábola, mashal, pode ser ‘enigma’). Por exemplo, William Blake comparou sua arte com as parábolas e fábulas de Esopo e declarou : ‘O mais sábio dos Antigos considerava o que não é muito Explícito como o mais adequado para a Instrução porque estimula as faculdades a agir’. Ou, como disse Dodd, uma parábola deixa ‘a mente com dúvidas suficientes sobre sua aplicação precisa provocando o pensamento ativo’. Esse aspecto das parábolas pode dar-lhes um tremendo poder para afetar seus ouvintes e leitores de várias maneiras, desafiando-os a mudar suas atitudes, crenças e comportamentos.

Em termos retóricos, tanto as parábolas quanto as imagens visuais costumam funcionar de maneira análoga aos entimemas. Um entimema é um silogismo com uma premissa não declarada, uma das duas proposições em que se baseia a conclusão de um silogismo. Um silogismo completo contém duas premissas explicitamente declaradas que levam a uma conclusão necessária, como este famoso silogismo sobre Sócrates :

Todos os humanos são mortais;

Sócrates é humano;

Portanto, Sócrates é mortal.

Ao contrário dos silogismos, os entimemas omitem uma premissa e a premissa não declarada deve ser fornecida pelo público. O silogismo acima sobre Sócrates, por exemplo, facilmente se transforma em um entimema (todos os humanos são mortais; portanto, Sócrates é mortal), pois é simples o suficiente para suprir a proposição de que Sócrates era humano.

Parábolas e imagens visuais, portanto, podem ser entimemáticas por omitir ‘premissas’ de um tipo ou de outro, levando à ambiguidade e múltiplos significados. O processo entimemático provoca respostas divergentes à medida que os intérpretes se esforçam para compreendê-las, uma vez que nem todos os membros da audiência visualizam a premissa que falta da mesma maneira.

Às vezes, em parábolas e imagens visuais, a ‘premissa que falta’ pode ser omitida involuntariamente. Muitas suposições sociais e culturais em textos antigos, por exemplo, são incompreensíveis para a maioria dos leitores modernos. Assim, um papel fundamental para os intérpretes é se esforçar para entender os significados das parábolas nos contextos da vida e ministério de Jesus, tentando preencher as ‘premissas que faltam’ ou lacunas com informações históricas, sociais e culturais, e então contextualizar as parábolas de Jesus autenticamente – tornando-as relevantes para a sociedade contemporânea sem anacronizar ou domesticar sua mensagem.

Além disso, devido à natureza das parábolas e imagens visuais, uma premissa ou outras ‘lacunas’ são intencionalmente omitidas, como é o caso da pintura de Rembrandt.

A iluminação destaca o personagem principal e a profundidade psicológica aberta pela brilhante manipulação de luz e sombra (claro-escuro) de Rembrandt é aparentemente sem fundo e, junto com o distanciamento aparentemente introspectivo do homem, também cria uma sensação de mistério. Isto é, temos uma forte sensação de que algo profundamente sério está acontecendo na mente desse homem, mas a natureza precisa de seus pensamentos e sentimentos é, na melhor das hipóteses, apenas obscuramente implícita.

Rembrandt usa o claro-escuro tanto como um meio dramático de retratar uma cena quanto como uma maneira eficaz de sugerir um caráter interior com uma visão psicológica sutilmente retratada com um senso de mistério. Os raios de luz são refletidos de várias maneiras e em diversos lugares, assim como as parábolas são refletidas de diferentes maneiras em diferentes contextos e ouvidas de várias maneiras por vários ouvintes. Rembrandt ilumina alguns objetos com clareza, enquanto outros aspectos permanecem obscuros ou obscuros, colocados deliberadamente nas sombras, criando incertezas e provocando debates.

De maneira semelhante, as parábolas de Jesus iluminam algumas coisas tão claras quanto o dia. Outros aspectos tornam-se mais claros à medida que aprendemos cada vez mais sobre os contextos do primeiro século em que Jesus viveu e seus seguidores preservaram, transmitiram e transformaram suas palavras. Enquanto isso, ainda outros elementos, por causa da natureza da palavra parabólica, permanecem deliberadamente nas sombras, provocando nossas respostas à medida que nos esforçamos para entender as parábolas de Jesus mais claramente em seu contexto e no nosso procurando mudar nossas atitudes, crenças e comportamentos de acordo com a mensagem.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1584033/2022/07/a-tecnica-do-pintor-rembrandt-esclarece-como-funcionam-as-parabolas/

quarta-feira, 2 de junho de 2021

É necessário lembrar-se do jardim

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante


‘A imagem do jardim aparece em diversas passagens bíblicas. Muitas vezes em seu sentido literal, outras em seu sentindo simbólico. Talvez, a passagem mais conhecida seja a de Gênesis, em seus primeiros capítulos quando no mito da criação Deus cria o ser humano e o coloca no jardim do Éden, para que dele possa cuidar e tirar seu sustento.

Deveria ser claro para todos e todas que esse lindo símbolo, de um ser humano que é criado como jardineiro, leva-nos a pensar, quando bem compreendido, o cuidado que se deve ter para com toda a natureza . No entanto, diversas leituras posteriores desse texto viram, na ordem de Javé, a incitação ao domínio e não à mordomia e à jardinagem, o que fez com que o ser humano fosse entendido como quem teria salvo-conduto para retirar da natureza tudo que ela tinha a oferecer.

A partir da Modernidade, essa perspectiva se torna ainda mais forte e as revoluções industriais, bem como posteriormente o desenvolvimento do capitalismo, fez com que a natureza fosse vista somente como fonte inesgotável de recursos, que poderia ser minada sem dó nem piedade para satisfazer os desejos de produção que não podiam parar.

As consequências dessas interpretações errôneas do texto bíblico podem ser sentidas por todas as pessoas hoje. O famoso relógio do fim do mundo, relógio simbólico que é mantido pela Universidade de Chicago, já aponta que há somente 100 segundos para o fim da humanidade causado por uma guerra nuclear, que é uma das diversas consequências desse tipo de visão distorcia da natureza. Em síntese, já há muito tempo temos a condição de nos autodestruir.

No entanto, outras leituras a respeito do jardim são possíveis. O próprio Moltmann, em sua última obra dedicada a uma teologia da vida, em continuidade com sua pneumatologia integral, ressalta o fato de que de acordo com o mito da criação de Gênesis, o ser humano é o último a ser criado justamente por ser o mais dependente de todos. Em outras palavras, a natureza sobrevive sem nós; nós, do contrário, não sobrevivemos sem ela. Dessa forma, longe de sermos os todo-poderosos da criação, somos, dentro da dinâmica de toda a vida, os seres mais frágeis de toda essa cadeia. Essa condição deve fazer com que voltemos nosso olhar para a natureza e reconhecermos o motivo pelo qual fomos postos nesse jardim, a saber, para cuidar e zelar por ele, já que se trata da criação de Deus, nosso lar e do qual nossa sobrevivência como humanidade depende.

Quando trazemos o símbolo do jardim para o âmbito pessoal e relacional também é possível fazer alguns apontamentos. Toda pessoa que já cuidou de um jardim sabe o quão trabalhoso é. Afinal, é necessário regar as plantas todo dia, verificar se a terra está em boa condição, retirar possíveis ervas daninhas que podem surgir e que atrapalham o crescimento das flores. Da mesma forma, cercar para que animais não destruam aquilo que está nascendo, visto que toda planta tem sua fragilidade, dentre tantos outros cuidados que poderiam ser listados.

Em outras palavras, o que faz um jardim permanecer bonito, bem nutrido e florescendo é o tempo que se gasta cuidando dele, buscando os melhores produtos e as melhores formas de cultivar aquilo que foi colocado em nossa mão. Dessa forma, qualquer relacionamento, seja com Deus, seja consigo mesmo, seja com outras pessoas, só floresce e se torna belo quando os cuidados necessários para tal são tomados de maneira rotineira e constante. Ou seja, é necessário fazer do cuidado do jardim um modo de vida.

Com tudo isso em mente, é possível perceber quão rico o símbolo do jardim se mostra. Seja no cuidado da natureza, seja no cuidado consigo, nas relações interpessoais e com Deus, ter em mente que se está em um jardim pode nos ajudar a nos tornarmos aquilo para o qual fomos criados : sermos jardineiros.

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1519124/2021/06/e-necessario-lembrar-se-do-jardim/

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Copa : entre o joio e o trigo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
 
 * Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte


A Copa do Mundo começou e a sorte está lançada. É hora de um jogo que envolve a sociedade inteira e, por isto mesmo, lhe dá a oportunidade de tratar de maneira nova, adequada, a realidade sociopolítica e cultural. Uma ocasião que deve ultrapassar a natural euforia própria e inevitável do futebol, tornando-se força popular para empurrar o país na direção de reformas urgentes. Durante e após a Copa, é preciso cultivar uma nova consciência social e suscitar um desejo mais apurado de participação. As manifestações de junho do ano passado, durante a Copa das Confederações, inauguraram esse momento novo, em que um megaevento esportivo não se limitou ao aspecto futebolístico e aos espetáculos, mas também envolveu suas incidentes dimensões políticas, culturais e sociais.

Está oferecida à sociedade brasileira a oportunidade de exercitar, durante um mês, sua indispensável capacidade de avançar na vivência da cidadania, sem privar-se da alegria, da beleza, da arte e da força própria de um esporte, fugindo das alienações facilmente encobertas por entusiasmos superficiais. Um avanço urgente quando se considera os incontáveis descompassos da sociedade brasileira, que contracenam com conquistas e progressos insuficientes para nos definirmos como nação civilizada.

A parábola do joio e do trigo, contada por Jesus na educação de seus discípulos e narrada pelo evangelista Mateus, deve ser lembrada para que a Copa do Mundo no Brasil se torne, efetivamente, um impulso novo, de ordem política e social. O Mundial evidencia ainda mais as fragilidades da sociedade brasileira e a consequente exigência de respostas adequadas. Esse evento está retratando um Brasil onde crescem juntos o joio e o trigo. Há uma lamentável semeadura de coisas ruins quando se considera a enorme lista de inadequações e contratempos de nossa realidade sociopolítica. A sociedade está emoldurada pelos fracassos de improvisações, de promessas não cumpridas, de gastos exorbitantes, de favorecimentos negociais que prejudicam o povo, particularmente os mais pobres.

O trecho bíblico conta que o dono da colheita rejeitou a proposta dos seus experientes colaboradores de logo arrancar o joio, para que apenas o trigo crescesse. Parece um contrassenso, se for considerado que o joio impede o crescimento saudável do trigo. Mas, na parábola, alerta o dono: “Pode acontecer que, ao retirar o joio, arranqueis também o trigo. Deixai crescer um e outro até a colheita”. Uma simples aplicação da parábola ao contexto da Copa do Mundo, emoldurado pelos acontecimentos políticos e sociais destas últimas décadas, na oportunidade do ano eleitoral, mostra que é hora de colheita e, consequentemente, de esforço desmedido para erradicação do joio. Uma ação forte que precisa do entusiasmo popular.

Essa força do povo se manifestará em cada estádio, com aplausos, vibração, silêncios de protesto, testemunhos de civilidade. Também pelas ruas e em muitos lugares, paróquias e outros ambientes, com gestos concretos de cidadãos, como a adesão efetiva ao abaixo-assinado que possibilitará a tramitação do Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política. Demanda que é urgente, mas depara-se com a inércia do Congresso Nacional. Registrar o nome e o título de eleitor no abaixo-assinado é um meio de trabalharmos para a erradicação do joio que se manifesta nos discursos políticos, nas organizações que nadam em cifras bilionárias, nos abismos que separam ricos e pobres. O contexto atual da sociedade brasileira é oportuno para um salto em busca do saneamento das instituições e a construção de um novo país. É hora de qualificar, ainda mais, o “discurso das ruas”, para que a política não seja um balcão de negócios, com inescrupulosas barganhas que tomam bens da coletividade como se fossem particulares ou de segmentos privilegiados. Que a mais significativa vitória nesta Copa seja o fortalecimento de nossa capacidade para mudanças, com a sabedoria para separar o joio do trigo. 


Fonte  :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/copa-entre-o-joio-e-o-trigo