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sábado, 18 de julho de 2020

Aceitar o joio nos humaniza

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

  Tolerância é respeito e valorização da pessoa, acima das diferenças, acima das atitudes contrárias

*Artigo do Padre Adroaldo Palaoro, SJ


 Reflexão sobre o Evangelho do 16º domingo do Tempo Comum - Mt 13,24-43

‘Deixai crescer um e outro até a colheita!’ - Mt 13,30

 

‘Jesus costumava contar parábolas com frequência e as pessoas gostavam de ouvi-lo. Suas parábolas, brotavam do chão da vida, estavam carregadas de vida e comprometiam as pessoas a viverem de um modo diferente, deixando-se inspirar por Aquele que é Fonte da Vida. Como relatos instigantes, as parábolas faziam emergir uma nova imagem de Deus e uma nova imagem do ser humano.

Sabemos que as imagens, que cada um guarda em seu interior, tem um peso e marcam a vida : elas podem fazer adoecer ou ativar uma vida sadia, podem alimentar medos ou despertar coragem, podem estreitar a vida ou expandi-la... Todos temos experiências das funestas consequências das falsas imagens de Deus, que acabam alimentando, em cada um, uma auto-imagem atrofiada e paralisante. Jesus, com suas parábolas provocativas, desejava quebrar tais imagens nocivas e substitui-las por outras saudáveis.

Para isso, Ele usa uma pedagogia para nos provocar e dirigir nossa atenção para algo específico, que nos inquieta : quando nos sentimos incomodados com Suas imagens, isso significa que estamos sendo confronta-dos com imagens falsas de Deus e de nós mesmos, petrificadas em nosso interior. Algum aspecto nosso, que até então havia permanecido na sombra, é iluminado; agora somos capazes de nos ver de modo diferente. 

Essa transformação interior, de nossa visão e de nossos sentimentos, não pode ser alcançada por meio de meras palavras de ensinamento. Para isso, precisamos da arte das parábolas, pois elas desvelam, põem às claras situações e modos fechados de viver, visões distorcidas, falsas verdades, ideias atrofiadas, crenças vazias que nos dão uma sensação de segurança e temos resistências de abrir mão.

Como muitas outras parábolas, também a do ‘joio e do trigo’ é um relato provocativo. Não só porque parece ir contra o ‘senso comum’, que aconselha arrancar o joio que impede o crescimento do trigo, mas porque é também uma resposta às críticas que o próprio Jesus recebia por sua atitude com relação àqueles que a religião tinha excluído. Não em vão Ele foi acusado de ser ‘amigo de publicanos e pecadores’.

Por outro lado, a parábola pode deixar transparecer as inquietações da comunidade de Mateus, preocupada por separar com clareza os ‘bons discípulos’ daqueles que não eram. Como tantos grupos humanos, a tentação é marcar uma linha divisória, entre o ‘trigo’ e o ‘joio’. Essa separação, no interior da comunidade cristã, acaba se projetando nas relações sociais, políticas, econômicas, culturais..., criando ‘muros’ e ‘fronteiras’ que esvaziam o processo de humanização.

Pois bem, seja porque se refira à vida histórica de Jesus, seja porque se tenha adaptado para responder a alguma polêmica comunitária posterior, o certo é que a mensagem da parábola não deixa lugar a dúvidas : ‘deixai crescer um e outro até a colheita!’.

Por isso, a atitude sábia de deixar o ‘trigo e o joio crescerem juntos’, nos remete precisamente ao que temos de fazer com o nosso próprio ‘joio’ : aceitá-lo, acolhê-lo, integrá-lo, reconhecê-lo como nosso, sem reduzir-nos a ele e sem nos deixar determinar por ele. Tal atitude implica um crescimento em integração e em humildade. Por mais estranho que pareça, a aceitação do joio nos humaniza, pois nos faz descer de nosso pedestal egoico – feito de exigência, perfeccionismo e de complexo de superioridade – e aproximar-nos de nosso ser verdadeiro.

Quanto mais nós nos conhecemos e conhecemos o Sol que nos habita (Deus), mais nos integramos e mais nos humanizamos.

Humanizar-se, não no sentido de ser mais virtuoso, brilhante, bem-sucedido, perfeccionista... Humanizar-se é também a capacidade de acolher-se frágil, vulnerável e, ao mesmo tempo, ativar o vigor, ser criativo, resistir, poder traçar caminhos... Fazer a síntese entre ternura e vigor.

Não pretendamos, pois, arrancar o joio; demonstremos com nossa vida que, ser trigo, é mais humano.

Nossa vida está repleta da graça divina. Vivemos mergulhados na Graça que nos santifica. Ser santo(a) é viver em plenitude nossa humanidade. É aprender a descobrir e a redescobrir a ‘presença de Deus em tudo e tudo em Deus’ (S. Inácio).

Já foi dito que o ser humano nunca é tão grande como quando sabe reconhecer e aceitar sua fragilidade, sua limitação... Reconhecer e aceitar sua própria ‘humanidade’, diante de Deus e dos outros, significa percorrer um caminho em direção a uma visão positiva, madura e profunda de si mesmo.

Com isso, já não desperdiçamos as nossas energias para tentar, inutilmente, afastar de nós algo que faz parte de nossa vida e que devemos aprender a integrar, a preencher de sentido, a transformar... Às vezes, no mal que queremos extirpar, há um bem que não sabemos descobrir.

Com efeito, temos sempre a tentação de querer extirpar logo e totalmente o joio do nosso coração, arriscando-nos a arrancar com ele, pela raiz, os germes do bem que estão crescendo com dificuldade e que exigem uma atitude muito diferente, isto é, paciência e delicadeza, capacidade de intuição e clarividência, disponibilidade para alimentar uma sadia tolerância para conosco.

Todo este processo de integração interior se faz visível na integração com os outros com quem convivemos.

Parece claro que, nós seres humanos, ficamos incomodados com o diferente, com aquele que sente, pensa e crê de outra maneira. Se a isso agregamos a necessidade de ‘ter razão’, característica do ego, poderíamos explicar a origem de tantas intolerâncias, fanatismos, juízos, processos inquisitoriais e condenações... 

Tanto as religiões, como os grupos sociais, insistem em ter tudo bem clarificado e estabelecido, para evitar sobressaltos. Detrás de tudo isso, o que se busca é assegurar a sobrevivência e defender-se da ameaça da insegurança ou da necessidade de mudanças. Sair das próprias posições e convicções, no campo religioso, social, político, cultural é, para muitos, um processo doloroso.

A parábola que estamos comentando (joio e trigo) é um chamado à tolerância e à paciência. A virtude da tolerância não é sinônimo de ‘bonzinho amorfo’, nem constitui um relativismo suicida. Tolerância é respeito e valorização da pessoa, acima das diferenças, acima das atitudes contrárias e inclusive, segundo Jesus, frente às agressões recebidas : ‘Amai vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem’.

A personalidade fanática tende a ver a realidade dividida completamente em duas : tudo é branco ou preto, verdadeiro ou falso, bom ou mau, trigo ou joio; para ela, não existem outras tonalidades. Por isso, ela se converte em juiz implacável que salva ou condena, assume atitudes fascistas ou nazistas, com a ilusão da raça pura, da ideologia pura, da religião pura...

Niels Bohr, um dos grandes iniciadores da física quântica, afirmou que o oposto de uma verdade profunda pode ser também outra verdade profunda. E para ele não se tratava de uma crença ou de uma opinião pessoal, mas de uma constatação, fruto de seus experimentos com partículas sub-atômicas.

Há um fato inegável : ninguém é igual a outro, todos temos algo que nos diferencia. Por isso existe a biodiversidade, milhões de formas de vida. O mesmo, e mais profundamente, vale para o nível humano. Aqui as diferenças mostram a riqueza da única e mesma humanidade. Podemos ser humanos de muitas formas e devemos ser tolerantes, como toda a realidade é tolerante. A intolerância será sempre um desvio e uma patologia e assim deve ser considerada.

Texto bíblico : Mt 13,24-43

Na oração : O rigorismo não faz parte do caminho da Graça. O caminho da graça se chama compreensão e tolerância. A melhor resposta é dar a oportunidade para que o trigo amadureça. A melhor solução é abrir possibilidade para que o joio seja transformado. É questão de saber esperar. E disso, o amor é especialista.

  • Frente ao joio presente em seu interior, que atitudes assume : auto-julgamento? Moralismo? Intransigência?
  • E frente ao outro, que ‘pensa, sente e ama de maneira diferente’, como você se situa?’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1460351/2020/07/aceitar-o-joio-nos-humaniza/


sexta-feira, 13 de junho de 2014

Copa : entre o joio e o trigo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
 
 * Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte


A Copa do Mundo começou e a sorte está lançada. É hora de um jogo que envolve a sociedade inteira e, por isto mesmo, lhe dá a oportunidade de tratar de maneira nova, adequada, a realidade sociopolítica e cultural. Uma ocasião que deve ultrapassar a natural euforia própria e inevitável do futebol, tornando-se força popular para empurrar o país na direção de reformas urgentes. Durante e após a Copa, é preciso cultivar uma nova consciência social e suscitar um desejo mais apurado de participação. As manifestações de junho do ano passado, durante a Copa das Confederações, inauguraram esse momento novo, em que um megaevento esportivo não se limitou ao aspecto futebolístico e aos espetáculos, mas também envolveu suas incidentes dimensões políticas, culturais e sociais.

Está oferecida à sociedade brasileira a oportunidade de exercitar, durante um mês, sua indispensável capacidade de avançar na vivência da cidadania, sem privar-se da alegria, da beleza, da arte e da força própria de um esporte, fugindo das alienações facilmente encobertas por entusiasmos superficiais. Um avanço urgente quando se considera os incontáveis descompassos da sociedade brasileira, que contracenam com conquistas e progressos insuficientes para nos definirmos como nação civilizada.

A parábola do joio e do trigo, contada por Jesus na educação de seus discípulos e narrada pelo evangelista Mateus, deve ser lembrada para que a Copa do Mundo no Brasil se torne, efetivamente, um impulso novo, de ordem política e social. O Mundial evidencia ainda mais as fragilidades da sociedade brasileira e a consequente exigência de respostas adequadas. Esse evento está retratando um Brasil onde crescem juntos o joio e o trigo. Há uma lamentável semeadura de coisas ruins quando se considera a enorme lista de inadequações e contratempos de nossa realidade sociopolítica. A sociedade está emoldurada pelos fracassos de improvisações, de promessas não cumpridas, de gastos exorbitantes, de favorecimentos negociais que prejudicam o povo, particularmente os mais pobres.

O trecho bíblico conta que o dono da colheita rejeitou a proposta dos seus experientes colaboradores de logo arrancar o joio, para que apenas o trigo crescesse. Parece um contrassenso, se for considerado que o joio impede o crescimento saudável do trigo. Mas, na parábola, alerta o dono: “Pode acontecer que, ao retirar o joio, arranqueis também o trigo. Deixai crescer um e outro até a colheita”. Uma simples aplicação da parábola ao contexto da Copa do Mundo, emoldurado pelos acontecimentos políticos e sociais destas últimas décadas, na oportunidade do ano eleitoral, mostra que é hora de colheita e, consequentemente, de esforço desmedido para erradicação do joio. Uma ação forte que precisa do entusiasmo popular.

Essa força do povo se manifestará em cada estádio, com aplausos, vibração, silêncios de protesto, testemunhos de civilidade. Também pelas ruas e em muitos lugares, paróquias e outros ambientes, com gestos concretos de cidadãos, como a adesão efetiva ao abaixo-assinado que possibilitará a tramitação do Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política. Demanda que é urgente, mas depara-se com a inércia do Congresso Nacional. Registrar o nome e o título de eleitor no abaixo-assinado é um meio de trabalharmos para a erradicação do joio que se manifesta nos discursos políticos, nas organizações que nadam em cifras bilionárias, nos abismos que separam ricos e pobres. O contexto atual da sociedade brasileira é oportuno para um salto em busca do saneamento das instituições e a construção de um novo país. É hora de qualificar, ainda mais, o “discurso das ruas”, para que a política não seja um balcão de negócios, com inescrupulosas barganhas que tomam bens da coletividade como se fossem particulares ou de segmentos privilegiados. Que a mais significativa vitória nesta Copa seja o fortalecimento de nossa capacidade para mudanças, com a sabedoria para separar o joio do trigo. 


Fonte  :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/copa-entre-o-joio-e-o-trigo