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quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Tráfico de pessoas, a outra pandemia

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo da Irmã Benjamine Kimala Nanga, 

Missionária Comboniana

 

‘O meu trabalho principal como missionária é colaborar com a Red Kawsay da Conferência de Religiosos do Peru, uma rede de vida consagrada que começou em 2010 e cujo principal objetivo é lutar contra o tráfico e a exploração de seres humanos. «Kawsay» é um termo quéchua que significa «viver». A Palavra de Deus que inspira o nosso compromisso cristão é o texto evangélico de João (10,10), onde Jesus diz : «Vim para que eles possam ter vida, e vida em abundância.» A rede é constituída por mais de 38 congregações religiosas e alguns padres diocesanos.

Eu e três irmãs de outras congregações acompanhamos um grupo de mulheres e menores de Riveras de Cajamarquilla, um bairro do município de San Juan de Lurigancho, na periferia de Lima, que sofreu muito por causa dos deslizamentos de terra. O objetivo do nosso trabalho é a prevenção, sensibilização e formação em relação ao tráfico de pessoas. Fazemo-lo por meio de diversos cursos de capacitação, que visam fortalecer as mulheres, nomeadamente reforçando a auto-estima das menores e promovendo uma cultura de prevenção e cuidado contra os abusos sexuais.

A minha principal atividade é realizar cursos de formação para professores, administradores, gestores, assistentes, pessoal de apoio, autoridades (polícia, fiscais e pessoal de centros de admissão de menores), catequistas e pais. Fiz um curso de formação ministrado pelo Ministério do Interior do Peru; isso permitiu-me conhecer as leis e falar com fundamento, e não apenas com a experiência.

O sofrimento das vítimas

Conheci diferentes realidades no Peru e contactei muitos jovens que partilharam a sua situação pessoal : falta de trabalho, dificuldade em estudar, situação familiar complicada, etc. São essas situações que facilitam o tráfico humano, um problema de dimensões cada vez maiores. Esta forma de escravidão moderna realiza-se com diferentes propósitos e afeta, sobretudo, as pessoas mais vulneráveis. Em muitos ambientes, a maioria das vítimas são jovens e, em particular, raparigas com menos de 18 anos. 

Um dos casos que mais me impressionou foi o de uma rapariga de 17 anos, originária de uma aldeia da selva peruana. No final da escola secundária foi para a cidade para se preparar para o exame de acesso à universidade. Não passou, pois tinha um nível de estudos mais baixo do que os estudantes da cidade. Para permanecer na cidade, as necessidades foram-se acumulando : estudo, renda do quarto, alimentação... Sem querer, caiu na exploração sexual.

Foi contratada para trabalhar num cibercafé, um local que fornecia serviços de Internet. Um dia, quando lhe liguei, ela disse-me calmamente : «Irmã, podes ligar-me mais tarde?» Ao ouvi-la responder dessa forma, pensei que alguma coisa não estava bem. Dias depois, liguei-lhe novamente. Ela contou-me que já não trabalhava no cibercafé porque tinha sido obrigada a assinar um contrato por um mês para prestar serviços sexuais a homens. Ouvi-a sem a julgar. Com o problema acrescido da pandemia, não pode continuar e regressou à sua aldeia.

As distâncias são um dos principais problemas que enfrentamos, pois muitos dos nossos destinatários (jovens e professores) vivem em áreas muito remotas e de difícil acesso, o que dificulta a continuidade. Outra dificuldade é que, em muitos casos, as pessoas não sabem bem o que significa a expressão «tráfico humano». Muitos ficam confusos e pensam que tem que ver com «tratar bem as pessoas».

Ignoram que o tráfico de seres humanos é uma prática que viola os direitos humanos fundamentais. Um crime que não distingue fronteiras e que tem cada vez mais vítimas no Peru : há menores e adultos que são raptados, coagidos, detidos e reduzidos a vários tipos de exploração sexual; forçados a mendigar nas ruas, onde vivem em condições sub-humanas; ou sofrem com a remoção ilegal dos seus órgãos. Este é um grande problema e tem muitas facetas. Os mais afetados são as crianças e adolescentes.

Tráfico de pessoas em tempo de pandemia

Por causa da pandemia, este ano a situação é muito difícil também para as mulheres, por isso ajudamo-las com produtos alimentares e de higiene básicos, e aproveitamos a oportunidade para sensibilizar e protegê-las da covid-19 e contra o tráfico de seres humanos. Noutras paróquias criámos as chamadas «ollas comunes» [panelas comuns] : compramos os alimentos e as mães, organizadas em grupos, revezam-se para cozinhar e distribuir a comida de acordo com o número de pessoas em cada família. 

Embora as fronteiras estivessem fechadas devido à covid-19, o tráfico de seres humanos aumentou. Os traficantes usam outras formas para continuar a atrair e enganar potenciais vítimas, principalmente através da Internet e das redes sociais. Basta pensar em qualquer jovem que perdeu o emprego durante a pandemia e ainda está desempregado, e se alguém lhe oferecer uma oportunidade de emprego no estrangeiro, dizendo-lhe : «Quando a pandemia acabar e as fronteiras abrirem, convido-te para ires a esse país... ou podes ir para os Estados Unidos ou para a Europa, onde podes trabalhar e estudar ao mesmo tempo.» Aquele jovem vai acreditar, pensando que essa oferta é verdadeira.

Por impossibilidade de nos deslocarmos no país devido à pandemia, oferecemos cursos de formação para jovens e professores por videoconferência. Informamos sobre as estratégias que os traficantes usam para convencer as pessoas, alertamos para o perigo que é dar informação pessoal ao primeiro que encontram e de aceitar desconhecidos nas redes sociais. Que investiguem e descubram primeiro se será verdade quando recebem propostas de trabalho. Na ausência de aulas presenciais, difundimos vídeos em que falamos de tráfico, das suas causas e consequências físicas e psicológicas com o objetivo de prevenir este flagelo.

Graças ao nosso trabalho, temos visto resultados e as pessoas começaram a reportar mais frequentemente o tráfico. Não há muito tempo, uma jovem disse-me : «Irmã, ontem à noite vi uma oferta de emprego na Internet. E como nos tinhas falado disto, perguntei-lhe se era verdade. Depois de dois dias, a informação tinha desaparecido. Era um anúncio falso

Nestes anos também aprendi a relativizar muitas questões específicas da minha cultura. No meu país, o Chade, falar de sexo é tabu, mas aqui tenho de falar claramente com jovens que chamam as coisas pelo seu nome, sem complexos, mas com respeito. No início não foi fácil. Também vejo que é necessário adaptar a nossa linguagem ao contexto onde trabalhamos.

Aqui a vida é muito simples, somos muito próximas das pessoas e trabalhamos com elas. É uma população vulnerável que precisa de se envolver na procura de soluções, pois só assim podem avançar. Quando termino um curso com jovens, pergunto-lhes : «O que farias? Que compromisso assumes para ser um agente multiplicador desta formação?» Às vezes dizem que querem fazer alguma coisa, mas não sabem, por isso digo-lhes que ponham as ideias na mesa e falem sobre o tema. Muitos grupos ligam-me para me falar das atividades que estão a fazer. Tudo isso me encoraja e ajuda-me a continuar a trabalhar, porque esse era o sonho de São Daniel Comboni : formar líderes que gerem a mudança, formar a Igreja local.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://www.combonianos.pt/alem-mar/actualidade/6/602/trafico-de-pessoas-a-outra-pandemia/

quarta-feira, 10 de março de 2021

Pensar e falar sobre Deus enquanto característica humana

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante

 

‘Somos seres capazes de razão e linguagem verbal. Essas características, talvez, sejam as mais marcantes dentro do gênero humano. Embora saibamos que os animais tenham em alguma medida certa forma de racionalidade, seria ingênuo pensar que o poder de síntese, representação, conceituação etc. seja o mesmo que os dos seres humanos.

Essa capacidade de raciocinar e de verbalizar traz, ou pelo menos deveria trazer, grande responsabilidade para a humanidade. Afinal, é sobre ela que recai o dever de conservação do planeta e de promoção de igualdade e justiça social entre si, mesmo eu suspeitando que se a conservação do planeta fosse deixada a cargo dos animais ele estaria em melhores condições do que hoje.

Da mesma forma que tais capacidades implicam responsabilidade, também permite pensar algo que está para além de nós, ou seja, pensar questões que consideramos como fulcrais e existenciais, do tipo ‘de onde viemos?’, ‘para onde vamos?’, ‘qual o sentido da vida?’, dentre várias outras que tratam do âmago da existência humana.

Ao pensar nelas também surge em muitas culturas as questões das divindades. Mesmo que para uma sociedade pós-cristã a ideia de Deus, tal como cunhada na Antiguidade, esteja se arrefecendo, de maneira que em muitos lugares e para muitas pessoas a ideia de acreditar em algo assim seja considerado infantil, não racional, e que remete às carências mal resolvidas, ainda há um longo caminho até que tal pensamento se torne mundial, se é que tal evento um dia acontecerá.

Ao mesmo tempo, alguns estudos tentam mostrar certo gene da crença. Ou seja, a ideia de que haveria no ser humano algo que lhe fosse inato e que o predisporia a ter fé em alguma coisa que esteja para além dele. Por mais problemático que tal tentativa de explicar a fé por meio científico possa ser (até mesmo porque o termo fé é polissêmico), serve como exemplo de como tal questão se mostra como incômodo para muitas pessoas ainda na contemporaneidade. Em outras palavras : diante do fato de que o ser humano desenvolve a fé, pensar como isso é possível se mostra como desafio para ciência e diversos estudiosos sobre a temática.

No cristianismo também se pensa e fala sobre a questão de Deus. Mesmo que Deus seja um pressuposto para nós, ainda assim ele se coloca como questão que dá a pensar, principalmente quando a fé cristã afirma que esse Deus se encarnou na pessoa de Jesus Cristo. Diante disso, falar a respeito de Deus se torna também falar a respeito do ser humano Jesus de Nazaré. Claramente, isso não transforma toda a teologia em antropologia, como queria Feuerbach no século 19. Antes, a encarnação, morte e ressurreição de Jesus (pilares da fé cristã) revelam que compreender e realizar a vontade de Deus passa, necessariamente, pela humanidade, não se encerrando nela própria, visto que a ressurreição aponta para algo para além de nós, que vem da parte de Deus, que é a nova criação de todas as coisas.

Afirmar a humanidade de Deus em Jesus Cristo implica dizer que tudo aquilo que é referente ao humano toca a divindade do próprio Deus, de maneira que se torna impensável, na esfera cristã, um Deus que seja distante e que viva em seu mundo, indiferente às realidades do ser humano. Em outras palavras, torna-se impensável um Deus que não seja capaz de sofrer com o sofrimento da humanidade.

Nesse sentido, a afirmação de um Deus que deseja o mal ou planeja a morte de pessoas por uma pandemia para ensinar a humanidade sobre o quão prejudicial é não o obedecer é uma aberração. Um Deus assim não experimentou a humanidade, o sofrimento, a dor, a alegria e o desespero que são próprios de seres como nós.

Se como cristãos pensamos e narramos Deus como sendo amor, então tudo aquilo que oprime a humanidade também causa sofrimento no ser de Deus, visto que, de acordo com os Evangelhos, ele não está distante de nós, mas está em nós, caminhando conosco e nos fortalecendo na caminhada.

Urs von Balthasar dizia que só o amor é digno de fé. Assim, somente quando se volta à linguagem do amor enquanto ato que visa o bem para o próximo, com ações efetivas em favor dos que sofrem é que se pode dizer que ali estão os seguidores e seguidoras do Pai de Jesus Cristo, também chamado de Deus pelos cristãos.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1503725/2021/03/pensar-e-falar-sobre-deus-enquanto-caracteristica-humana/

sexta-feira, 4 de maio de 2018

A Igreja é divina e humana

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 RODZAJE MODLITWY
*Artigo de Vanderlei de Lima, 
eremita na Diocese de Amparo


‘Há homens e mulheres, irmãos na fé católica, que ficam perplexos quando um (a) filho(a) da Igreja (leigo(a), religioso(a), sacerdote ou bispo) comete algum erro.

É, pois, a esses cristãos atônitos que dedicamos, com apreço, o presente artigo a fim de deixar claro o seguinte : a Igreja, como Corpo místico de Cristo prolongado na história (cf. Cl 1,24; 1Cor 12,12-21), é divina, mas formada por filhos pecadores é também humana, segundo a parábola do joio e do trigo (cf. Mt 13,24-30) ao relatar que no campo do Senhor, junto ao trigo (os bons) cresce o joio (os maus).

Aqui já se coloca um impasse : por que Deus permite que os pecadores permaneçam na sua Igreja? – Responde São Tomás de Aquino († 1274) que é pelas seguintes razões : a) o pecado de uns, longe de desanimar, deve incentivar os fiéis a serem mais santos em resposta supridora ao pecado; b) o Senhor quer dar a cada um desses pecadores a oportunidade de se converterem, especialmente por meio do Sacramento da Confissão; c) mesmo com o mau exemplo dos errantes, a Igreja não deixa de exercer a missão que Nosso Senhor lhe confiou : o ouro da graça divina pode passar por mão sujas, mas não perde o seu pleno valor.

Sim, desde o início do Cristianismo, de um modo particular a partir de Santo Agostinho († 430), a Igreja, lembrando as parábolas do joio e do trigo, já citada, e da rede que recolhe bons e maus peixes (cf. Mt 13,47-50), demonstra que sempre houve problemas nas comunidades : incesto (cf. 1Cor 5,1); injúrias ao apóstolo Paulo (cf. 2Cor 2,5-11), renegação da doutrina (cf. Hb 6,4-8; 10,26-31), falhas morais diversas (cf. Gl 1,6; 3,1;5,4), esfriamento da fé (cf. Ap 2-3) etc.

Todavia, não obstante às falhas de seus filhos, em Mt 28,20, o Senhor Jesus promete estar com a Igreja até o fim dos tempos. Daí comentar Dom Estêvão Bettencourt, OSB, o seguinte : ‘Jesus promete à sua Igreja uma assistência vigilante… Igreja caracterizada pela sucessão apostólica; Jesus não promete estar com os mais santos ou os mais cultos, mas, sim, com os Apóstolos e seus legítimos sucessores [os Bispos] até o fim dos tempos. Muitas pessoas procuram o Cristo na comunidade mais simpática ou mais emocionante (critérios subjetivos). O que importa é não perder a comunhão com essa linhagem [dos Apóstolos em seus sucessores], mesmo que nela se encontre figuras humanas pouco dignas (o joio não impede o trigo de frutificar)’ (A Igreja divina e humana. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2004, p. 6 – base deste artigo).

Isso posto, vê-se que só se afasta do colo da Mãe Igreja aquele(a) que desconhece em profundidade a fé que diz professar ou que se deixa levar por sentimentalismos capazes de colocar o bispo X ou o padre Y no lugar de Deus. Algo que, se feito conscientemente, é pecado. E pecado grave.

Em sentido contrário, quem entende que a Igreja é divina e humana concorda, neste ponto, com o filósofo Jacques Maritain ao escrever que ‘Os católicos não são o Catolicismo. As faltas, as lerdezas, as carências e as sonolências do católico não comprometem o Catolicismo… A melhor apologética [defesa] não consiste em justificar os católicos quando erram, mas, ao contrário, em assinalar esses erros e dizer que não afetam a substância do Catolicismo e só contribuem para melhor trazer à tona a força de uma religião sempre viva apesar deles… Não nos considereis a nós pecadores. Vede, antes, como a Igreja sana as nossas chagas e nos leva trôpegos para a vida eterna… A grande glória da Igreja é ser santa com membros pecadores’ (Religion et culture. Paris, 1930, p. 60).

Possam essas reflexões levar-nos a confiar na mensagem transmitida pela Mãe Igreja por meio de seus ministros (às vezes pouco dignos) e rezar sempre pela nossa conversão e pela dos nossos irmãos. Afinal, somos chamados a ser santos como o Pai celeste é santo (cf. Lv 17,1; Mt 5,48; 1Pd 1,5-6).’


Fonte :

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Olhar na alma

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Curti o programa ‘Olhar na alma’!
*Artigo de Lev Chaim, 
jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil radicado na Holanda 


‘Há tempos que não me emocionava tanto com um programa de um dos canais da televisão holandesa : ‘Olhar na alma’. O apresentador Coen Verbraak é quase invisível, mas efetivamente presente com a voz e suas perguntas intrigantes a um determinado grupo de pessoas, com a mesma profissão, e com bastante experiência em missões no exterior, bem longe de casa. 

Ele faz a entrevista inteira com um personagem, depois com o outro e aí por diante, mas todos separados entre si. Só aparece o rosto do entrevistado em 90% do tempo e, como eu disse, o rosto do apresentador só vem à telinha muito rápido,  quando ele tem que fazer uma pergunta chave, para o desfecho da história.

Na montagem do programa, estas entrevistas inteiras são cortadas e remontadas na cena em que ele faz a mesma pergunta a todos. Desta vez, os entrevistados foram os militares de alta patente das três forças, com histórias que a primeira vista você não contaria em um programa de televisão qualquer.

O que faz desta sua profissão interessante para você?’ Muitos responderam : a camaradagem dos colegas, a confiança que você adquire na vida exercendo esta profissão de general ou comandante de esquadrão de aviões caças. ‘É claro que vocês estão em muitos momentos importantes fora de casa, longe da família. Como se acostumar a isto’ : um dos militares, olhando na câmara, pensativo, disse que não viu nascer o seu primeiro neto, aliás, uma criança deficiente. ‘O que isto fez com você?’, perguntou o apresentador :  Uma dor profunda, inigualável, que faz com que eu admire ainda mais a minha querida esposa.

Um chefe do esquadrão de pilotos disse que uma vez ele ficou doente em casa por alguns meses e tudo deu errado. Brigou com a esposa, pensou em suicidar-se, mas finalmente, com um bom tratamento, voltou a ativa e com tudo. A maneira calma com que ele contou isto, sabendo que tudo isto foi visto pelo país inteiro é o que impressionou ainda mais. É como se eles estivessem fazendo um seminário para o colegas mais jovens, como se os preparassem para enfrentar tudo que viesse pela frente.

Um oficial da marinha, que trabalha num submarino na costa do Mediterrâneo, por exemplo, com poucas palavras passou emoções intensas que o fazem mais próximo da realidade cruel deste mundo de hoje. Contou que uma vez, ele e sua tripulação se depararam com um lixo boiando no mar. O submarino subiu e constataram que eram corpos de homens, mulheres e crianças, todos náufragos, provavelmente na tentativa de atravessar o Mediterrâneo rumo à Europa. Contando que ao ver tão de perto aqueles corpos, ele engoliu em seco várias vezes. Não era mais uma coisa irreal, que se fala nos jornais, nas TVs e nos rádios, mas estava ali, a sua frente, sem qualquer disfarce. Ele deu ordens para que recolhessem os corpos para serem entregues à marinha costeira.

Ao contar tudo isto, você nota emoção embutida em cada palavra, cada gesto, em cada olhar do entrevistado. E tudo dito pausadamente, pensando bem na escolha da palavra certa para descrever todo aquele horror, como se tivéssemos o privilégio de mirar bem fundo, mais bem fundo mesmo, a própria alma combalida daquele militar. É claro que tem uns que nos emocionam mais que os outros, mas no conjunto, uma coisa ficou clara : esses militares, que um dia pensaram ser heróis, sem dúvida, tornaram-se mais humanos. Emocionante. 

Tal qual contou uma senhora, psicóloga da marinha, quando estava no Afeganistão em missão. Através do seu IPad, ela conseguiu ver pedaços da primeira dança de sua netinha no teatrinho da escola. Os sacrifícios de uma profissão tão discutida, as vezes tão mal entendida, pegaram-me de surpresa e deixaram-me emocionado. Para tudo se paga um preço, principalmente para esses militares que vão tão longe defender os ideais democráticos de seus países e organizações internacionais. Curti o programa ‘Olhar na alma’!’


Fonte :

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Desenvolvimento humano é chave para acabar com terrorismo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


Relançar o desenvolvimento integral do homem e defender com força a sacralidade da vida como chave para frear o terrorismo : o bispo de Niigata, no Japão, e presidente da Caritas Ásia, Dom Tarcisius Isao Kikuchi, parte dessa consideração num documento publicado após os atentados em Paris.

Uma represália violenta não resolve’ – escreve o prelado no referido documento citado pela agência missionária AsiaNews. ‘Ela pode interromper novos atentados, mas é um remédio a curto prazo. Nós, enquanto católicos, cremos que a vida humana é o dom mais precioso que nos foi dado por Deus’.


Nenhuma justificativa para ataques violentos à vida humana

Por isso – acrescenta –, não podemos concordar com nenhuma justificativa para esses violentos ataques à vida humana. Como disse o Santo Padre, ‘não há justificativas religiosos ou humanas. Isso não é humano’.

As raízes dessa violência encontram-se em nossos corações, em nossas emoções’, ressalta ainda o bispo nipônico, fazendo votos de que ‘o que ocorreu em Paris não leve a opinião pública a escolher a resposta violenta’.

Espero, ao invés, que leve as pessoas a entender que ceifar a vida humana – em todo caso e com toda justificativa – é sempre um ato contrário à vontade do nosso Deus, criador de tudo, que nos presenteou este dom precioso.’


A paz é obra da justiça

Daí, o chamado de Dom Isao Kikuchi ao ‘desenvolvimento humano integral, definido ‘chave para uma paz verdadeira’, entendida segundo a ‘Gaudium et spes’ (Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje, do Concílio Vaticano II), ou seja, não ‘simples ausência de guerra, nem redução a um equilíbrio estável das forças adversas; não efeito de uma dominação despótica, mas obra da justiça’’.

Por isso, o presidente da Caritas Ásia ressalta que ‘os direitos humanos de base devem ser respeitados e colocados em prática na sociedade’, porque ‘essa é a base do conceito segundo o qual o desenvolvimento humano integral é fundamental para uma paz verdadeira’.


Crescer a dignidade da pessoa humana

O prelado recorda também o que está escrito na Centesimus Annus de João Paulo II : ‘O desenvolvimento não deve ser entendido num modo exclusivamente econômico, mas em sentido integralmente humano’, porque ‘não se trata somente de elevar todos os povos ao nível desfrutado hoje pelos países mais ricos, mas de construir no trabalho solidário uma vida mais digna, de fazer crescer efetivamente a dignidade e a criatividade de toda pessoa singularmente considerada, a sua capacidade de responder à própria vocação e, portanto, ao apelo de Deus, nela contido’.


É preciso coragem para construir realmente a paz

Espero que tenhamos a coragem de fazer cessar esse perverso ciclo de violência não com uma represália também esta violenta, mas com um processo real de construção da paz mediante o desenvolvimento humano integral’ – conclui o bispo de Niigata. 


Fonte  :