Mostrando postagens com marcador glória. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador glória. Mostrar todas as postagens

sábado, 24 de setembro de 2022

A glória de ser inútil

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Padre Luc De Bellescize,

da diocese de Paris, vigário da paróquia de Saint-Vicent-de-Paul


‘Mesmo sem concordar, compreendo muito bem a lógica da eutanásia e a esmagadora maioria das pesquisas a favor da mesma. Vejam as perguntas feitas… Se tiver de escolher entre a inevitável degradação de uma morte lenta e uma adorável enfermeira que vem para colocá-lo a dormir suavemente, o resultado será unanimemente a favor da segunda proposta. A eutanásia é o último passo no tapete ensanguentado da cultura da morte. Há muito que decidimos ser os árbitros da vida nascente e escolher quem merece viver ou morrer, pelo que nada nos impede de sermos os árbitros da vida terminal. A grande transgressão já foi cometida há muito tempo.

Uma lógica consistente com a paganização

A cantora Dalida queria ‘morrer no palco ao som da ribalta’. Posso compreender que se contentasse com uma ‘morte suave’, segundo a etimologia da palavra, numa boa cama se possível, porque não numa clínica na Suíça impecavelmente limpa com um fundo de música comercial relaxante, antes de acabar polvilhada no Lago de Genebra para ser utilizada como alimento para as carpas. Se considerarmos o corpo humano como um material biodegradável e não o memorial de uma pessoa prometida à ressurreição, tenhamos, pelo menos, piedade da carpa.

Esta lógica de ‘escolher a própria morte’, ou escolhê-la para aqueles que já não são capazes de fazê-lo, uma deriva inescapável que vemos em países que já legalizaram a morte dos fracos, parece ser inteiramente consistente com a paganização do mundo. As pater familias romanas tinham o direito de vida e morte sobre seus filhos, e Esparta eliminava aqueles que tinham o menor defeito. Se esquecermos o fundamento cristão da nossa antropologia ocidental, nomeadamente a encarnação de Deus na nossa carne e a sua entrada no sofrimento e na morte, o que dá a cada pessoa, mesmo a mais desonrada ou obscura, uma nobreza incomparável, os velhos demónios do ter e do poder sempre nos alcançarão. Porque, no fim de contas, apesar das justificações humanistas e dos sentimentos chorosos, e apesar dos dramas – altamente instrumentalizados – que ferem a nossa terra com lágrimas, é também uma questão de dinheiro. Os cuidados paliativos irão sempre custar mais do que uma injeção letal.

A perda da grande esperança

Basicamente, perdemos a grande esperança, a da vida eterna; tudo o que nos resta é a terra, que está a encolher como um espaço de desgosto, e o tempo, que é deixado à sua própria finitude. Não há outra perspectiva além do relógio indefectível, ‘que diz sim, que diz não, que diz : estou à tua espera’. Se o homem nasce do acaso e vai em direção ao nada, torna-se o barco bêbado de Rimbaud que já não é guiado pelos ventos e desce os rios impassivelmente. A obsessão com o relógio substituiu a paciência do eterno. O reflexo de sobrevivência consiste, portanto, em evitar cuidadosamente qualquer ansiedade espiritual. Acima de tudo, não devemos despertar o chamado esquecido de um Deus que lentamente matamos, não sem dificuldade, na nossa consciência emancipada. Somos simplesmente convidados a consumir a vida enquanto pudermos desfrutar dela, como um hamster bulímico a girar freneticamente na roda da sua jaula, porque cada hora que passa é um passo em direção ao nada.

Estas são as duas opções abertas ao ateísmo prático e irrefletido que se tornou o ar comum do homem ocidental : excitação e depressão. Tudo o que temos de fazer é transmutar a busca metafísica de significado numa obsessão com a saúde e a exaltação do bem-estar, e depois tomar antidepressivos quando as nossas capacidades diminuídas nos impedem de nos divertir por aí. O terceiro ato consistirá em ‘pedir livremente’ a morte quando a sociedade nos impuser a imagem de sermos um desperdício caro. Na realidade, estas escolhas sucedem-se inelutavelmente uma à outra. Hemingway queimou a sua vida de bar em bar e de mulher em mulher antes de dar um tiro na cabeça quando sentiu impotência, diabetes e cegueira a aproximarem-se.

Fragilidade, uma fenda na couraça dos corações

É a canção de Starmania : ‘Tudo o que queremos é ser felizes, ser felizes antes de sermos velhos’, como se ‘ser velhos’ fosse necessariamente ser infeliz. Como se a felicidade fosse monopólio da juventude. No entanto, muitas coisas bonitas acontecem aos pés da cama de uma pessoa moribunda. A fragilidade racha a couraça dos corações. Pensemos na magnífica canção de Aznavour, La Mamma, onde as crianças voltam de longe, mesmo as do sul da Itália, mesmo o filho amaldiçoado, tocando suavemente canções ao violão e cantando a Ave Maria. Os nós da vida são desatados perante a mãe moribunda. Pois os mais frágeis dão-nos o sentido do essencial e da gratuidade que faz a eminente dignidade da nossa vida humana : a de não servir para nada. A de estar infinitamente para além do utilitarismo. A de ser uma história sagrada. Somos servos inúteis (Lc 17, 10). Esta é a nossa glória. Morrer com dignidade é certamente beneficiar-se de cuidados que acalmam o sofrimento do espírito e do corpo. Mas também é morrer por nada, e ser amado de qualquer maneira. Não pelo que se tem, mas pelo que se é.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2022/09/23/a-gloria-de-ser-inutil/?fbclid=IwAR01gOiBJDucSI6FogjTaIM9D5yUqRQJr4Zqtri32sN-siF0SBE3xKD-GaA

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Há lugar, em nosso mundo, para a Glória de Deus?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        


*Artigo de Felipe Magalhães Francisco,

teólogo


‘Aproxima-se o Natal, festa entre as mais importantes e significativas para os cristãos e cristãs. É o marco da memória da irrupção do eterno em nossa temporalidade; o encontro incontornável entre o humano e o divino. Memória e celebração do nascimento do menino-Deus, mas não aniversário : ainda que nossas festas de aniversários sejam símbolos importantes para nós, celebrar o Natal do Senhor é ocasião ainda mais significativa. Trata-se, pois, da noite em que se entoa, a viva voz, aquilo que a narrativa evangélica diz que os anjos cantaram : Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens [e mulheres] de boa-vontade!

Fora aquelas pessoas que se dedicam ao estudo da Liturgia, pouco se reflete a respeito do Hino do Glória, momento importante da celebração litúrgica cristã. Católicos e católicas possivelmente já presenciaram o repicar dos sinos no momento em que, na Noite de Natal, entoa-se o Glória. Não é à toa : é o hino por excelência que celebra a encarnação do Filho de Deus em meio à humanidade, motivo de festa e alegria. O texto oficial é longo, poético e profundamente rico, teologicamente. Entende-se bem, assim, o arrepio provocado em liturgistas, quando versões alheias ao texto oficial são executadas nas celebrações.

Mas o que é a glória de Deus? Biblicamente, o que traduzimos por glória, em hebraico é kabôd, que, literalmente, significa peso. É o peso da presença ou da importância de alguém. Falar da glória de Deus, pois, é falar da força e do peso da sua presença. Em uma palavra, podemos dizer que a glória de Deus é Deus mesmo! No Antigo Testamento, fala-se da glória de Deus que preenchia o Santo dos Santos, no Templo de Jerusalém : era uma maneira de dizer que Deus habitava aquele lugar. A glorificação a Deus, que costumamos considerar como um louvor ao Criador, vocação última de toda criatura, significa reconhecer o que Deus é, e o modo como ele atua salvificamente em nosso favor.

Quando a narrativa evangélica traz que os anjos cantaram glória a Deus, por ocasião no nascimento do menino-Deus-conosco, numa gruta em Belém, fala-se que ali, naquele cocho onde se alimentavam os animais, irrompeu a presença do próprio Deus, em sua glória. E esse é um motivo de paz, a todos os homens e mulheres de boa-vontade. Não aos poderosos, apegados em seu próprio poder a serviço da opressão, pois estes são escravos de si próprios e da injustiça que cometem. Paz na terra aos homens e mulheres de boa-vontade, porque estes, apesar dos pesares da vida, abrem-se à manifestação de Deus.

Louvar a presença salvífica de Deus não é tarefa de quem pretende bajular o Criador, como se Deus fosse um ser vaidoso que se alimenta de elogios. O louvor é o reconhecimento, agradecido, por seu amor para conosco, que o faz chegar ao ponto de enviar seu próprio Filho, para correr os riscos da dramaticidade humana, só para que pudéssemos ser elevados até Ele. A maior glória de Deus é que o ser humano viva, rezavam os Padres da Igreja, nos primeiros séculos do cristianismo. Deus é glorificado quando pessoas se abrem à graça salvífica, permitindo-se, por força do Espírito, conformarem-se à filialidade de Jesus Cristo, que é a plena manifestação da glória do Pai.

Entoar o Hino do Glória é coisa séria, profunda, inspiradora! A glorificação a Deus é nossa adesão à salvação que ele nos oferece por pura graça e amor. Há, pois, um componente ético nesse canto de louvor : ao reconhecer nosso lugar de criaturas, que podem alcançar gratuitamente o caráter de filhos e filhas de Deus, somos chamados a nos comprometer existencialmente com esse Deus que nos assume como Pai. É coisa de gente que tem boa-vontade, para que, em paz, aquela paz inquieta, não a dos cemitérios, participe da glória desse Deus que vem até nós, para que possamos ir até Ele. A glória de Deus é o Reino dos Céus acontecendo : é isso que somos chamados a entoar, a plenos pulmões. A depender de nós, há lugar para a glória de Deus em nosso mundo atual?’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1488091/2020/12/ha-lugar-em-nosso-mundo-para-a-gloria-de-deus/

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

«GLÓRIA A DEUS!»


 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Resultado de imagem para glory to god



‘Nos momentos de aflição, quando o coração se vê assediado pelas dúvidas e a alma enfraquecida pelas contrariedades e lamentações, temos de nos esforçar em repetir constantemente e sem pressa as palavras ‘Glória a Deus’! Quem, com toda a simplicidade de coração, aceita este conselho e o coloca em prática, vai experimentar o maravilhoso poder da bênção de Deus. Da mesma forma, descobrirá um conhecimento novo e favorável, e uma arma poderosa e eficaz contra os pensamentos inimigos. Apenas pronunciando estas palavras, justamente quando a apatia e os pensamentos tristes se multiplicam, nossos inimigos espirituais se estremecem e fogem.’


Fonte :

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O santo que não tinha tempo para morrer

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
  
*Artigo de A. Torres Neiva

Era um monge e todos diziam que era um santo. Sempre bem humorado e sempre ocupado, todos invejavam a vida longa e feliz que sempre tivera. Um belo dia, veio visitá-lo um anjo do Senhor e encontrou-o na cozinha a lavar as panelas.  

- ‘Deus enviou-me, disse o anjo, para te levar para a vida eterna; chegou a tua hora’.

O nosso santo perdeu o seu  bom humor e logo viu que aquele não era o melhor momento para abandonar o seu trabalho e respondeu com toda a franqueza :

- ‘Agradeço ao Todo-poderoso a sua bondade por me ter convidado tão cedo para a sua glória, mas não posso deixar as panelas por esfregar. Todos diriam que morri só para não esfregar as panelas. Não podíeis transferir a minha viagem para mais tarde?'

O anjo olhou para aquele monte de panelas que esperavam ainda o esfregão do nosso santo e condescendeu :

- ‘Vamos ver o que se pode arranjar’. E voltou para a glória sem levar o nosso homem.

E o santo pode continuar em paz a sua tarefa para a qual não existiam muitos voluntários em todos os conventos da Ordem.

Um dia em que ele andava a revolver as couves no quintal, pois aqueles pedregulhos do quintal ainda eram mais difíceis de esfregar que as panelas da cozinha, o mensageiro de Deus voltou a aparecer-lhe. Não era de propósito mas o anjo de Deus aparecia sempre na pior altura.

O nosso homem apontou, de enxada em riste, toda aquela porção de terra que esperava a caridade de sua enxada e o anjo que decidisse.

E o anjo sorridente, decidiu mais uma vez transferir a chamada, pelo menos enquanto houvesse horta para cavar.

Os dias foram passando e o que fazer não faltava ao nosso santo. Era costume seu, nos intervalos em que não havia panelas para esfregar e o trigo crescia no campo, fazer uma visitinha aos doentes do hospital. Vinha ele com um copo na mão para leva-lo a um doente com muita febre, quando viu novamente o anjo do Senhor.

Desta vez o santo nem esteve com explicações. O anjo que desse uma vista de olhos pela enfermaria e logo veria que aquele momento não era o melhor para abandonar toda aquela gente.

E sem dizer palavra, o anjo do Senhor desapareceu.

Mas naquela noite, ao voltar para o mosteiro, o nosso homem sentiu-se velho e cansado e sem vontade para limpar as panelas, nem para cavar a horta nem para visitar os doentes. Entrou na capela e rezou :

- ‘Senhor, se quiseres mandar-me agora o teu mensageiro, estou disposto a recebe-lo. Já não sirvo para nada’.

E foi então que o próprio Senhor lhe falou :

- ‘Faz-me um pouquinho de companhia. Há tanto tempo espero que tenhas um momento livre para estares comigo’.


Fonte : 
* Artigo adaptado de Vida Consagrada, 214 – Junho 1999, do Padre Adélio Torres Neiva, C. S. Sp. (missionário espiritano (+2010)).

Revista Beneditina nrº 4, Maio/Junho de 2004, editado pelas monjas beneditinas do Mosteiro da Santa Cruz – Juiz de Fora/Minas Gerais.